30/06/2010

Homem de Ferro e Hulk numa HQ de Warren Ellis.


Após Iron Man: Extremis, Warren Ellis voltou a trabalhar com o Homem de Ferro na minissérie Ultimate Human ("Humano Supremo" na versão brasileira). Lançada em 2008, a HQ fez parte da onda de novas séries e edições especiais que antecipou a estreia dos filmes Homem de Ferro e O Incrível Hulk. Dividida em quatro partes, a história pertence à linha Ultimate da Marvel e traz um novo encontro das versões “supremas” de Tony Stark e Bruce Banner (que já haviam se enfrentado nas páginas de The Ultimates). Ilustrada por Cary Nord, com elementos de pintura na colorização, a minissérie equilibra bem diálogos e ação, conteúdo intelectual e dramas pessoais.

A história começa com Stark desfrutando um martini numa manhã qualquer; mas seus planos de se embebedar completamente antes do meio-dia acabam frustrados com a chegada de Banner. Logo de início é interessante notar como Ellis utiliza os diálogos para apresentar aos leitores as principais características que diferenciam as versões “supremas” desses personagens, das versões que aparecem no “Universo Marvel” regular (com isso, mesmo um leitor que não esteja a par do que andou acontecendo na linha Ultimate poderá compreender a história sem grandes dificuldades). A trama então se desenrola a partir de uma tentativa de “curar” Banner, livrando-o do Hulk. Porém, as coisas não saem exatamente como planejado e, para complicar, entra em cena o vilão Líder.

Estética e tematicamente, Iron Man: Extremis e Ultimate Human são bem diferentes. Ainda assim, existem algumas similaridades significativas entre as duas séries. Enquanto a primeira está mais para uma história de ficção científica e espionagem, a segunda é propriamente uma HQ de super-heróis, embora sua trama lance mão de vários elementos da ficção científica e da espionagem. E se a história lançada em 2005 reescreveu a biografia de Tony Stark, também a minissérie de 2008 recontou a história de origem de um personagem (neste caso o vilão Líder). Além disso, os dois trabalhos deram espaço a Ellis para tratar de algumas de suas temáticas favoritas, sendo em Iron Man: Extremis o “futuro” e em Ultimate Human a “pós-humanidade”.

Interessante e inteligente, com bons diálogos e alguma ação, Ultimate Human tem um roteiro acima da média, mas poderia ter se valido de um trabalho gráfico um pouco mais bem-elaborado. Isso não compromete o resultado final, que podemos chamar, pelo menos, de bom entretenimento, confirmando a boa qualidade dos quadrinhos da linha Ultimate.

(Mais recentemente, Warren Ellis voltou a trabalhar com o Homem de Ferro na minissérie em quatro partes Ultimate Comics: Armor Wars.)

27/06/2010

A HQ que remodelou o futuro do Homem de Ferro.


Há muito tempo eu não lia revistas com os super-heróis tradicionais da Marvel. Mas, depois de rever Homem de Ferro e assistir ao segundo filme com o personagem, voltei a me interessar pelos antigos heróis que eu conhecia dos desenhos (des)animados da minha infância. Por sua ligação com as produções cinematográficas, peguei na estante a coletânea de Iron Man: Extremis, escrita por Warren Ellis e ilustrada por Adi Granov. Importante na trajetória recente do personagem, esse trabalho foi a fonte para alguns dos melhores elementos do Homem de Ferro cinematográfico. Sucesso entre os leitores, depois de reedições em capa cartonada e em capa-dura, neste mês a Marvel está reimprimindo a HQ numa “versão do diretor”, além de lançar um montion comic para o iTunes da Apple.

Eu já havia comprado Iron Man: Extremis há algum tempo, mas não tinha lido ainda. Agora, com o interesse renovado pelos filmes e a intenção de escrever esta postagem, resolvi conferir essa HQ lançada em 2005. Não me decepcionei! De forma inteligente, a história aborda alguns dos temas preferidos de Warren Ellis: as tecnologias ultra-avançadas e uma disputa pelo “futuro”. Aproveitando as características do herói, o roteirista construiu uma trama envolvente, na qual ficção científica e futurismo remodelam completamente o Homem de Ferro. Sem dúvida a história mais interessante que já li com o personagem, seus seis capítulos intercalam bem passado e presente, recontextualizando a origem do herói, imprimindo modernidade a suas relações profissionais e pessoais, bem como mais realismo a suas motivações e sua presença no mundo.

Tudo parte de uma entrevista que coloca para Tony Stark o dilema moral de ser um fabricante e negociante de armas, levando-o também ao dilema existencial de ter sido vítima de um acidente com um de seus próprios inventos (situações que foram reelaboradas e modernizadas no filme lançado em 2008). Então, o aparente roubo da tecnologia secreta “Extremis” e o pedido de ajuda de uma amiga põem o herói em rota de colisão com um radical norte-americano superpoderoso. Após um ato de "terrorismo doméstico", o Homem de Ferro intervém, mas acaba derrotado e gravemente avariado por seu oponente. É esta dinâmica que leva à principal transformação que o herói sofre nesta HQ: o emprego da tecnologia “Extremis” para salvar sua vida e, ao mesmo tempo, tornar mais eficiente sua armadura, que passa a ser parte de seu corpo.

Naquele momento, revemos a história de origem do Homem de Ferro, que Ellis apropriadamente transfere das florestas do Vietnã para as montanhas do Afeganistão (mudança seguida pela versão cinematográfica). E embora centrada no protagonista, a história se vale de um interessante elenco de apoio: a cientista Maya Hansen, o futurista Sal Kennedy e o médico Yinsen (também presente no filme). Não faltam bons diálogos, nos quais termos tecnológicos aparecem com naturalidade, da mesma forma que uma lúcida discussão sobre cogumelos e DMT (principal componente da ayahuasca), que rende uma interessante metáfora sobre tecnologia e estados alterados da mente. Por falar em metáforas, a mais marcante nessa HQ é a que redefine Tony Stark como um “piloto de testes para o futuro”, redelineando as motivações e ambições do herói.

Claro que uma história que tinha o objetivo relançar o personagem, estabelecendo uma nova biografia e novas características, não poderia deixar de lado sua aparência. E ficou a cargo do ilustrador Adi Granov redesenhar a armadura do Homem de Ferro, atualizando-a para os padrões estéticos dos tempos atuais. O resultado ficou arrojado e elegante, estilizado e convincente (sendo a principal referência para a versão cinematográfica). Mais designer do que propriamente desenhista de quadrinhos, Granov produziu algumas belas páginas e imagens, embora muitas sequências e cenas sejam excessivamente estáticas para uma história em quadrinhos. Deixando de lado essa limitação, as técnicas de pintura convencional e digital empregadas pelo ilustrador produziram um visual impressionante, que lembra imagens de video game.

Iron Man: Extremis é Warren Ellis em boa forma, num roteiro bem trabalhado para uma trama inteligente. É também uma obra visualmente muito interessante, que projetou o nome de Adi Granov. Apesar de ser uma HQ do Homem de Ferro, o trabalho está mais para trama de espionagem e ficção científica, do que propriamente para uma revista de super-heróis. Talvez a melhor história em quadrinhos já feita para esse personagem, ela não apenas lançou as bases para os filmes de Hollywood, como ajudou a transformar o antes batido herói numa das propriedades mais importantes da Marvel. Pois ao reescrever o passado de Tony Stark e ao redesenhar as linhas de sua armadura, Ellis e Granov realmente remodelaram o futuro do Homem de Ferro.

21/06/2010

Mais X-Men por Warren Ellis (ou: quero meu dinheiro de volta!).


Com vários trabalhos importantes para grandes editoras como a Marvel e a DC Comics, o roteirista inglês Warren Ellis conquistou um lugar de destaque no mercado de quadrinhos norte-americano. Tendo uma predileção por tramas envolvendo ficção científica e uma capacidade de apresentar novas perspectivas para temas já bastante explorados, sua estreia nas páginas da revista Astonishing X-Men foi aguardada com grande expectativa pelos leitores. No entanto, os números 25 a 30 da prestigiada série mutante ficaram muito aquém do que se podia esperar, destacando-se mais pelas páginas ilustradas pelo italiano Simone Bianchi, do que pelo trabalho de seu renomado roteirista. Ellis conseguiu se redimir um pouco nas duas edições da minissérie Astonishing X-Men: Ghost Boxes, mas ainda precisava mostrar a que veio (para quem quiser saber mais, uma análise dessas primeiras edições pode ser lida aqui).

Conceituado entre leitores e editores, o roteirista ganhou duas outras chances de mostrar algo menos decepcionante: o novo “arco” Astonishing X-Men: Exogenetic e a nova minissérie Xenogenesis. Terá então Warren Ellis alcançado um resultado mais condizente com seus trabalhos anteriores? Terá ele conseguido apagar a sensação do “vamos ganhar um dinheiro fácil”, deixada pelas edições anteriores? Na minha opinião, a resposta é um sonoro “Não!”. Astonishing X-Men n°31 começa com a agente Abigail Brand numa missão espacial para eliminar alienígenas da espécie conhecida como Ninhada (quem lia as revistas dos X-Men nos anos 80 está bem familiarizado com esses detestáveis aliens transmórficos). As coisas não saem muito bem e ela cai na Terra, tendo que ser resgatada por Ciclope & Cia. Quando tudo parece se acalmar, entra em cena outro vilão do passado: um gigantesco robô sentinela.

Este, porém, tem a peculiaridade de ser composto por partes biológicas e estar ligado à trama envolvendo os alienígenas da Ninhada. Aí entra em cena o clone de um terceiro vilão do passado: Krakoa, a Ilha Viva. Segundo revela Abigail, o que liga todas essas ameaças é um misterioso vilão com um extenso conhecimento sobre engenharia genética e o desejo de eliminar os mutantes (ou seja, nada muito diferente do que já vimos várias vezes). No geral, as HQs oscilam entre desinteressantes sequências de combate e diálogos pouco inspirados e repletos de sarcasmo. Mas o pior, sem dúvida, fica por conta dos desenhos de Phil Jimenez, cheios de borrões e outros (d)efeitos digitais, que resultam num visual que só pode ser descrito como “feio” (e se nas primeiras edições para a Astonishing X-Men Ellis pôde contar com o talento de Bianchi, agora nem as imagens compensam a compra das revistas).

Sofrendo atrasos e hiatos, esse novo "arco" teve apenas os três primeiros capítulos publicados até agora (na Astonishing X-Men n°31 a 33). Sua penúltima parte já foi anunciada para o final deste mês e sua conclusão para o final de julho (isso, é claro, se não houver novos adiamentos). E mesmo antes da conclusão de uma história que vinha sofrendo atrasos, a Marvel anunciou e está publicando a minissérie Astonishing X-Men: Xenogenesis. Nesta nova aventura, os X-Men viajam até a África, não para assistir aos jogos da Copa e sim para investigar um “surto” de nascimento de bebês superpoderosos. O enredo parecia promissor, contudo, (numa HQ que trata da fictícia raça dos mutantes e cita dois ou três países africanos fictícios) Ellis aproveitou a oportunidade para fazer um sermãozinho sobre quão corruptos e criminosos são os governantes africanos (sobrando críticas até mesmo para Nelson Mandela), e aí a história se perdeu.

Com isso, o que acaba chamando atenção em Xenogenesis n°1 são os desenhos caricaturizados do canadense Karee Andrews (que havia trabalhado com Ellis numa das HQs curtas da minissérie Ghost Boxes). Fugindo ao estilo mais convencional das revistas de super-heróis e cheio de figuras e poses esquisitas, o traço não deve agradar muito aos fãs dos quadrinhos mutantes tradicionais. Outro ponto é que Andrews tomou algumas liberdades na caracterização dos X-Men, fugindo ao que se tem visto nas revistas dos heróis atualmente. Predileções de lado, os desenhos são mesmo o ponto mais interessante da revista (que ainda traz ao final a reprodução do roteiro, acompanhada de miniaturas das páginas a lápis). De qualquer forma, não há muito a se elogiar nas fracas histórias de Ellis para os X-Men, cada vez menos interessantes e nada surpreendentes (podendo em breve ser conferidas nas edições da Panini).

20/06/2010

Kick-Ass, um filme que ninguém precisa assistir.


Como escrevi numa postagem anterior, o lançamento de Superman – O Filme em 1978 e de Batman – O Filme em 1989 foram acontecimentos especialíssimos, muito aguardados e festejados pelos fãs. Já nos anos 90, chegaram às telas de cinema mais alguns filmes de super-heróis, mas as restrições técnicas e orçamentárias ainda limitavam esse gênero cinematográfico. A partir do ano 2000, no entanto, com o sucesso de X-Men – O Filme e o desenvolvimento dos efeitos visuais, Hollywood passou a explorar o que se tornou um filão muitíssimo lucrativo e prolífero. Assim, se antes os filmes com super-heróis eram um acontecimento especial, hoje eles se tornaram quase uma "praga".

Embora X-Men 2, Homem de Ferro ou O Cavaleiro das Trevas tenham se destacado por sua ótima qualidade, grande parte das produções baseadas nos heróis dos quadrinhos não conseguiu chegar a ser sequer um bom entretenimento. Basta citar Hulk, Quarteto Fantástico ou Superman – O Retorno para lembrarmos quão ruins essas produções milionárias podem ser. Contudo, como o que importa aos executivos de Hollywood é o lucro, mais e mais filmes baseados nos personagens dos quadrinhos têm chegado às telonas. Um dos mais recentes lançamentos foi Kick-Ass – Quebrando Tudo, longa baseado na violenta HQ criada por Mark Millar e John Romita Jr.

Já vou adiantando que não li o quadrinho. Embora goste bastante do trabalho de Romita Jr., o estilo propositalmente polêmico de Millar neste e em outros trabalhos não me interessa. Mas, pelas poucas páginas que pude ver e ler em prévias divulgadas na Internet, acredito que a HQ seja bem melhor do que o filme. Porque o filme – ah, caros leitores! – o filme é muito ruinzinho! A produção não é das mais elaboradas, as atuações não vão além do mínimo que se pode esperar, os poucos efeitos visuais são limitados e a história é bem chinfrim. Para completar, temos Nicolas Cage fazendo cara de “cachorro que perdeu o dono”, excessiva violência quase explícita e roupas de super-heróis que deixam os atores simplesmente ridículos.

Aqui cabe uma comparação. Quando criança, um dos meus seriados favoritos era Batman - aquele mesmo das onomatopeias: PAM! POW! CRASH!. Como se tratava do final dos anos 70 e início dos 80, a forma como víamos as coisas era diferente, ainda mais em se tratando das crianças. Para mim, na época, o seriado estrelado por Adam West e Burt Ward era uma aventura “a sério”, e não na verdade uma representação cômica pop. Claro que hoje, ao assistir a um episódio de Batman, eu sei que se tratava propositalmente de uma paródia dos quadrinhos, com elementos conscientemente exagerados e até ridículos.

No caso do filme Kick-Ass, pode até ter havido uma tentativa de ironia com a situação de alguém decidir se vestir de super-herói para combater o crime. Porém, o resultado da violência excessiva e das caracterizações ridículas é algo meramente kitsch, limitado ou de mau-gosto - por falta de um termo mais adequado. Claro que deve ter muita gente que gostou. Mas, na minha opinião, pela baixíssima qualidade, Kick-Ass – Quebrando Tudo é um filme que ninguém precisa assistir. Poupe seu tempo e dinheiro, ou aproveite para assistir alguns episódios do antigo seriado Batman. Possivelmente, você vai se divertir mais!

16/06/2010

O Médico e o Monstro numa genial adaptação espanhola.


Uma das funções mais importantes da Internet é tornar possível o contato entre pessoas que de outra forma jamais viriam a se conhecer. Foi através dela que conheci Ismael Marfull, amigo e correspondente de terras de España. Ismael já conhecia meu trabalho pela edição espanhola de Estórias Gerais e acabou entrando em contato comigo através deste blog. Passamos então a trocar e-mails e logo estabelecemos um riquíssimo intercâmbio de edições: vão daqui quadrinhos meus e de outros autores brasileiros, vêm de lá edições europeias de autores como Ortiz, Breccia e Druillet (com as quais pude preencher as grandes falhas em minha coleção – Gracias, Ismael!!!).

Entre os álbuns que já recebi, as grandes surpresas foram os trabalhos de autores espanhóis atuais. O pacote mais recente vindo de España estava recheado deles e incluía uma das mais criativas HQs a que tive acesso nos últimos tempos: uma adaptação de O Médico e o Monstro de Robert Louis Stevenson. Com brilhante roteiro de Santiago García e belas ilustrações de Javier Olivares, em suas 28 páginas de quadrinhos El Extraño Caso del Dr. Jekyll Y Mr. Hyde é um convite à inteligência e um regalo para os olhos. Apesar de ter poucas páginas e mesmo sendo parte de uma coleção infantojuvenil, com sua roteirização inspirada e seu visual intenso, o trabalho interpreta narrativamente e recria esteticamente os elementos essências do clássico de Stevenson.

O cenário é a contraditória Londres de fins do século 19, com sua opulência e sua miséria, sua rica vida social e suas estreitas ruelas. Como trama central, temos os experimentos do bem-intencionado médico que busca separar seu “lado ruim”, e acaba por libertar um sádico monstro. Mas há ainda mais! Com um texto certeiro e conciso, o roteiro de García parte de uma estrutura de páginas duplas (ou de páginas horizontais ampliadas, se preferirem) com um grande quadro somado a outros menores. Fazendo um ótimo jogo narrativo e trazendo diagramações muito inventivas, várias dessas páginas ampliadas dividem-se em duas partes que mostram momentos distintos ou situações opostas, funcionando como uma metáfora visual da própria temática do álbum.

E com um roteiro muitíssimo inventivo, criativo e original, o que mais poderíamos querer desta adaptação literária? Na certa, não poderíamos pedir nada muito além do que nos oferece o talentosíssimo Olivares, com seu traço cartunístico marcado, de expressividade bastante pessoal e cores contrastadas e intensas. Um expressionista dos quadrinhos, o desenhista espanhol não esconde suas fontes de inspiração para esta HQ, apresentando um cenário que parece saído de uma das cenas do clássico do cinema mudo O Gabinete do Doutor Caligari. Aliás, literatura inglesa, Expressionismo Alemão, ilustrações modernistas e até psicanálise freudiana mesclam-se nas imagens deste álbum, gerando ilustrações de grande força comunicativa e poética visual.

Se não bastasse cumprirem bem a missão de adaptar o clássico de Stevenson, García y Olivares ainda nos brindam com uma página final “biográfica”, em que apresentam o autor do clássico e fazem referência às diversas adaptações de O Médico e o Monstro, fechando metalinguisticamente com uma referência a seu próprio álbum. Por tudo que escrevi aqui e por outros motivos que escapam a uma descrição, El Extraño Caso del Dr. Jekyll Y Mr. Hyde é um verdadeiro deleite e um autêntico exemplo do que chamo de quadrinho-arte. Com um roteiro inteligente a um visual delicioso, essa HQ prova que, mesmo seguindo padrões editoriais, é possível fazer-se um trabalho da mais alta qualidade; algo que podemos, sem exageros, chamar de genial!

14/06/2010

Náufrago dos Tempos: o álbum que Colin não pôde desenhar para mim.


Na postagem anterior, em homenagem aos 80 anos do mestre Flavio Colin, referi-me a um álbum que eu planejava realizar com ele. Infelizmente, porém, a falta de recursos e a repentina morte do grande artista de nossos quadrinhos impediram que produzíssemos o primeiro volume de “Náufrago dos Tempos”.

A ideia era realizar uma série de álbuns, cada um passado em um momento de nossa História, narrando a saga de Francisco Boaventura, um navegador português que, numa viagem ao Brasil em 1533, naufraga próximo à nossa costa. Único sobrevivente de seu navio, Francisco desperta numa paradisíaca praia brasileira. Encontrado e acolhido por índios tamoio, ela acaba se casando com a filha do chefe, que será o grande amor de sua vida. Quando, porém, sua amada e sua tribo adotiva são mortos, o desafortunado herói descobre que ele próprio não morre, tampouco envelhece. Começam então as aventuras e desventuras de Francisco pelos séculos que se seguem.

O primeiro capítulo da série, começaria nos tempos atuais, num baile de Carnaval (a imagem que ilustra esta postagem não tem relação com “Náufrago dos Tempos”, mas tem a ver com o tema, já que nela Colin desenhou para mim personagens imortais num baile de máscaras). Entre uma caipirinha e outra, Francisco vê uma bela moça fantasiada de índia que lhe faz lembrar de sua amada tamoio. Tudo isso é um pretexto para Francisco contar sua história para a moça no baile de Carnaval e, é claro, para os leitores.

Já que esta série em quadrinhos “ficou para a História”, aproveito para compartilhar com vocês as primeiras linhas de diálogo, escritas há dez anos. Ficam a título de curiosidade, como uma das muitas HQs que não pude realizar, e o álbum que Colin não pôde desenhar para mim.

Náufrago dos Tempos - Capítulo 1:

A: Olá! Notei que você estava me olhando...

F: É que, por um instante, eu a confundi com alguém que conheci... há muito tempo.
F: Desculpe, eu não quis importuná-la.

A: Deixe disso! Não precisa se desculpar. É Carnaval... as pessoas se confundem mesmo. HA!

A: Meu nome é Andréia.
F: Eu sou Francisco Boaventura.

A: Muito prazer, Francisco. Mas qual é a sua fantasia? Hoje eu sou uma índia Tupiniquim.
A: Você sabe, uma “devoradora de homens”!

F: Bem, digamos que eu estou fantasiado de um imortal que já vive há 500 anos.
A: “Imortal”!? Essa é nova! HA!

A: Eu achava que só o Paulo Coelho e aqueles velhinhos podiam se fantasiar de imortal!
F: É que existem tipos diferentes de imortais.

F: Quer ouvir uma história?
A: Você me paga um drink?
F: Garçom!

F: Vamos lá...
F: Vim ao mundo num dia esquecido do Ano da Graça de Nosso Senhor de 1500.

F: De família fidalga, tive o infortúnio de nascer o filho mais moço de minha casa. E sem as benesses da primogenitura, restou-me conquistar meu próprio destino.

F: Fiz-me assim homem do mar.
F: Naufraguei nas costas brasileiras.
F: Morri aos 33 anos.

F: Mas, por meios e para fins que desconheço, voltei à vida.
F: E tenho vagado de povoado em povoado, de porto em porto, pelos dias e séculos que se seguiram, como um náufrago dos tempos!

(...)

10/06/2010

Os 80 anos de Flavio Colin!


No próximo dia 22, completam-se 80 anos do nascimento de Flavio Colin, o maior desenhista da história dos quadrinhos brasileiros e um dos mais talentosos artistas gráficos de nosso país. Dono de um traço inconfundível e apaixonado pelos quadrinhos e pelo Brasil, em mais de quatro décadas de trabalho, mestre Colin criou uma obra riquíssima e essencialmente brasileira. Como nenhum outro artista dos quadrinhos, ele desenhou nosso país de norte a sul, da Amazônia aos Pampas, do Sertão ao Pantanal, das ondas do Rio às montanhas de Minas. Obras como Guerras dos Farrapos, Estórias Gerais e Caraíba, ao lado de inúmeras revistas e HQs curtas, são verdadeiros clássicos de nossos quadrinhos que merecem e deveriam ser sempre reeditados e estar disponíveis.

Infelizmente, ao longo de sua carreira, muitas vezes o grande gênio de nossas HQs não teve o devido reconhecimento por parte dos leitores e a devida valorização pelas editoras. Fato é que o menosprezo e as poucas oportunidades de trabalho foram fatores que contribuíram para os problemas de saúde e o falecimento de Colin em 13 de agosto de 2002. Minha opinião é que meu querido e saudoso amigo morreu de desgosto. Mas, para minha felicidade e honra, entre 1998 e 2002, tive o privilégio de ser seu roteirista, oferecendo-lhe trabalhos dignamente remunerados, na arte que ele tanto amava. Só lamento não ter tido mais recursos na época para produzir mais trabalhos com ele (incluindo o novo álbum sobre o qual conversamos em nosso último telefonema, um mês antes de seu falecimento).

Contando as capas, Colin desenhou para mim 190 páginas de quadrinhos, 150 delas para o álbum Estórias Gerais, as demais para a revista Fantasmagoriana e as histórias menores “A Companhia das Sombras” e “Admirável Novo Mundo” (sendo esta a última HQ que ele desenhou). Para homenagear o grande mestre em seu aniversário de 80 anos, no ano passado enviei a algumas editoras a proposta de uma coletânea de terror com estes trabalhos menores (totalizando 38 páginas de quadrinhos mais capa dupla). Infelizmente, nenhuma delas se interessou por lançar Fantasmagoriana & Outros Contos Sombrios. Quem sabe, no futuro...

Por ora, fica a torcida para que os 80 anos de Flavio Colin sejam lembrados e celebrados por outros blogs, saites, jornais e revistas. Todas as homenagens que ele receber serão mais que merecidas no próximo 22 de junho, que deveria ser declarado um outro “dia do quadrinho brasileiro”.

(Quem quiser saber mais sobre a carreira e os trabalhos do genial Flavio Colin, incluindo uma entrevista e um depoimento exclusivos, basta clicar no nome em destaque abaixo.)

07/06/2010

Editora Jaboticaba lança Homem Gravidade Zero.


Os quadrinhos brasileiros vivem um incomum momento, com vários lançamentos e diferentes editoras investindo em publicações produzidas por autores nacionais. Nessa nova onda de interesse, têm se destacado as edições históricas e, em especial, as adaptações de clássicos de nossa literatura. Como não é segredo para ninguém, nestes casos a grande motivação para as editoras foi a inclusão das HQs nos programas governamentais de incentivo à leitura. Mas, felizmente, também têm chegado às livrarias obras originais que não adaptam textos literários ou históricos. Um exemplo disso é Homem Gravidade Zero, álbum nacional inédito que acaba de ser lançado pela editora Jaboticaba.

Escrita por Leo Slezynger e Filippo Crosso, desenhada por Kris Zullo, auxiliado na arte-final por Robson Moura, Rosana Valim e Felipe Gressler, com cores por Vanessa Reyes, a edição tem 120 páginas de quadrinhos. Apesar dos vários autores, o único que tem o nome creditado na capa é Slezynger, o que sugere que a editora tratou o álbum da forma tradicional como os livros ilustrados eram editados (sem dar créditos na capa aos ilustradores e demais co-autores). Completam a edição uma introdução de Pedro Corrêa do Lago e um comentário de Amyr Klink (que também trata o álbum como se fosse obra de uma única pessoa). Não passam despercebidos alguns deslizes na revisão de texto, embora eles não cheguem a comprometer a leitura da HQ.

Sendo a estreia de seus autores num álbum de quadrinhos, em alguns pontos dos primeiros capítulos a obra mais parece literatura ilustrada do que história em quadrinhos. Nestas sequências, texto e imagens trazem a mesma informação narrativa, o que cria uma redundância que deveria ser evitada numa HQ. Além disso, há um excesso de páginas com um só quadro (as quais muitas vezes não trazem cenas de impacto visual ou maior relevância na história, sendo portanto dispensável o recurso do quadro único). Problemas narrativos à parte, o álbum traz uma história bem interessante e um visual bastante convidativo, destacando-se por um texto filosófico e metafísico com alguns momentos de fato profundos.

O álbum conta a história de Jacques Henri Boj, um personagem contemplativo e muito interessado nos mistérios da Natureza, o que o leva a estudar as propriedades curativas e espirituais das plantas tropicais. Numa viagem exploratória às florestas do Peru, ele acaba encontrando seu destino, na companhia de um sábio barqueiro e através das palavras de um enigmático xamã. Representação de uma viagem iniciática, a HQ tem profunda dimensão espiritual, conseguindo por metáforas e pela ação narrativa falar-nos da relação e da ligação entre indivíduo e Cosmos. Para isso, ela se vale de uma bela ambientação, desenhos e cores ao estilo “linha clara”, além de eficientes sequências de ação, do meio para o final.

Uma boa pedida para quem gosta de temas xamanísticos e narrativas iniciáticas, Homem Gravidade Zero tem um total de 136 páginas no formato 20,5 cm x 28,5cm, capa cartonada com impressão especial no título, chegando às livrarias pelo preço de R$39,90.

04/06/2010

Homem de Ferro e Thor numa ótima revista promocional.


Dentre as edições do Free Comic Book Day 2010 a que tive acesso, a melhor e mais efetiva em termos de promoção da leitura de quadrinhos é Iron Man / Thor. Com uma história completa que pode ser lida sem se saber o que anda acontecendo com os personagens, a revista foi escrita por Matt Fraction, desenhada por John Romita Jr. e arte-finalizada por Klaus Janson, com cores por Dean White. Como fez em 2009 com o filme do Wolverine, a editora norte-americana aproveitou a movimentação em torno de Homem de Ferro 2 para promover o personagem também nos quadrinhos, além de aproveitar para divulgar o herói Thor, que ganhará sua própria versão cinematográfica em 2011.

A história começa com pragas e cataclismos assolando a Terra e ameaçando seus habitantes. Para devolver a ordem ao clima, entra em cena o Deus do Trovão. Mas nem os poderes de Thor são capazes de apaziguar a fúria dos elementos, que parece ter uma ligação com a Lua. Encontramos então Tony Stark em meio a uma reunião com multimilionários que o convidam a tomar parte num empreendimento cujo objetivo é “terraformar” nosso satélite natural. Não demora muito para o Homem de Ferro descobrir que a tecnologia por trás daquele inconsequente empreendimento imobiliário saiu de sua própria mente. Perseguindo o mesmo problema, os dois heróis Marvel acabam se unindo para por fim às obras do condomínio de luxo lunar que ameaça a vida na Terra.

Escrito num tom épico, com evocações de pragas bíblicas e catástrofes atuais, o roteiro funciona como uma metáfora para os problemas climáticos que enfrentamos hoje. Já o ótimo visual concilia um estilo conciso a imagens detalhadas, cores pintadas a efeitos digitais. Bem trabalhadas, as páginas da revista equilibram diálogos e ação, contextualização realista e futurista, emprestando peso e força aos heróis. Impressa em formato reduzido (como a Marvel faz em suas edições para o FCBD), Iron Man / Thor destaca-se mesmo é por sua qualidade. Um presente para os leitores, a revista abriu caminho para a nova série dos Vingadores (desenhada por Romita Jr.) e também para a Heroic Age que tomou conta das revistas Marvel em maio.

01/06/2010

Free Comic Book Day 2010.


Desde 2002, no primeiro sábado de maio, acontece nos Estados Unidos o Free Comic Book Day (Dia da Revista em Quadrinhos Grátis). Nessa ocasião, boa parte das lojas norte-americanas distribui edições de graça, como uma forma de promover a leitura de HQs (atraindo novos leitores e principalmente presenteando os que já prestigiam os quadrinhos). Apoiado por pequenas e grandes editoras (que vêm no FCBD uma oportunidade de divulgar novas séries), o evento deste ano distribuiu milhões de exemplares, de mais de trinta títulos diferentes, com histórias em variados gêneros. Aproveitando uma compra na Midtown Comics, consegui algumas dessas edições que, mesmo oferecidas gratuitamente, têm qualidade gráfica similar à das edições para venda.

A exemplo do que fez no ano passado, a DC Comics aproveitou o FCBD para promover o lançamento de uma nova minissérie. Em 2009 foi The Blackest Night, neste ano a “bola da vez” é The War of the Supermen n°0, escrita por James Robinson e Sterling Gates, desenhada por Eddy Barrows, com páginas complementares ilustradas por outros desenhistas. Com vinte e duas páginas de quadrinhos e vários anúncios publicitários, a revista se divide em duas partes. Na primeira, vemos Super-Homem chegando ao planeta Nova Krypton para tentar impedir o General Zod de invadir a Terra. Na segunda parte, temos uma “matéria de jornal” em que Lois Lane recapitula os principais fatos envolvendo o Homem de Aço nos últimos anos. As treze páginas da introdução seguem o padrão visual das HQs do Super-Homem, enquanto o roteiro não traz nada de excepcional. Já a narrativa “jornalística” serve mesmo para situar os leitores que não estejam a par do que anda acontecendo nas histórias do Filho de Krypton.

Na linha “resgate de antigos personagens” (da qual tratei recentemente aqui), a Dynamite ofereceu a edição Green Hornet, que traz as primeiras páginas de cinco séries envolvendo o herói mascarado. De saída, temos a amostra da minissérie escrita por Kevin Smith a partir do roteiro do filme que ele não realizou. A segunda prévia saiu das páginas de Green Hornet – Year One, minissérie escrita por Matt Wagner, que mostra as origens do Besouro Verde. A terceira sequência, produzida por autores menos conhecidos e saída das páginas da revista The Green Hornet Strikes! traz uma versão moderninha do personagem (que ali usa uma máscara e uma arma de gás copiadas do Sandman dos anos 30!?). Também produzida por autores menos conhecidos, a quarta prévia traz páginas de Kato Origins – The Way of the Ninja, que obviamente narra as origens do ajudante oriental do Besouro Verde. Fechando o pacote, temos páginas em P&B e sem texto da série Kato, ainda a ser lançada.

Também antecipando uma futura série, a editora Image e o estúdio Top Cow distribuíram Artifacts, revista que traz a introdução para a nova história com personagens do “universo” criado por Marc Silvestri. Mas, como no caso das edições comentadas até aqui, a revista não traz exatamente uma HQ inteira, repetindo um problema presente em vários títulos distribuídos no FCBD. Afinal, embora sirvam para divulgar os lançamentos das editoras, por mais bem impressas e visualmente atrativas que sejam, publicações que não trazem histórias completas dificilmente conquistam novos leitores para os quadrinhos. Um pouco mais interessante é a revista oferecida pela Dark Horse, Doctor Solar / Magnus - Robot Fighter, que traz duas histórias completas com dois heróis que andavam “jogados para escanteio”. Escrita pelo ex-editor-chefe da Marvel, Jim Shooter, a revista tem como objetivo reapresentar os personagens aos leitores de hoje. Doctor Solar, no entanto, ressurge como uma cópia do Dr. Manhattan, enquanto o futurista Magnus parece irremediavelmente antiquado.

Em meio a tantos resgates e reapresentações, não é de admirar que, dentre as edições do FCBD 2010 a que tive acesso, a mais surpreendente seja uma revista que apresenta histórias inéditas publicadas por uma pequena editora. Sendo também a edição mais volumosa (com trinta e duas páginas de quadrinhos saídas de quatro diferentes séries), Radical: Bigger Books! Bigger Value! impressiona pela qualidade visual. Reunindo nomes conhecidos como Wesley Snipes, Antoine Fuqua, Peter Milligan e Leonardo Manco a outros menos famosos, a edição traz HQs de terror, ficção científica e histórias de crime. Os estilos visuais variam do realismo fotográfico a um traço mais tradicional, passando por um tom impressionista até uma pintura digital futurista. Se não bastasse a presença de pessoas diretamente ligadas ao cinema, a Radical Publishing parece ter mesmo a intenção de lançar quadrinhos que possam encontrar um caminho para a telona. Das edições que comentei aqui, essa foi a única que despertou meu interesse em conferir as séries nela divulgadas.

Promovido pelas editoras, distribuidoras e lojas de quadrinhos norte-americanas, o Free Comic Book Day parece ser um bom negócio para todos. Séries e personagens são divulgados, os leitores regulares ficam felizes e eventualmente novos leitores são conquistados. Sem nos esquecermos de que, em termos editoriais, o mercado de quadrinhos norte-americano é muito mais amplo que o brasileiro, alguns elementos do FCBD poderiam ser adotados por aqui (por exemplo no que diz respeito à divulgação de séries e à promoção da leitura de quadrinhos). Enquanto algo assim não acontece, mais informações e prévias das edições distribuídas neste ano podem ser vistas aqui.