08/11/2010
The Ultimates 2, a continuação da melhor série de super-heróis da década.
Idealizada como um filme de orçamento milionário, a revista The Ultimates de Mark Millar e Bryan Hitch surpreendeu por sua qualidade e originalidade. Tornando-se um sucesso de público e de crítica, seus treze capítulos merecem o título de melhor série de super-heróis da década, influenciando outros quadrinhos e os novos filmes da Marvel. Com toda essa repercussão, a obra de Millar & Hitch não poderia ficar sem uma continuação. E esta veio entre 2005 e 2007, quando foram publicadas as treze edições de The Ultimates 2, que contaram com arte-final de Paul Neary e cores por Laura Martin.
A história começa como na primeira série: com o Capitão América numa missão a serviço do Tio Sam. Mas, desta vez, ao invés de destruir uma arma secreta nazista, o herói patriótico entra em ação para salvar reféns norte-americanos no Iraque (situação ficcional que ecoa incidentes passados e contemporâneos envolvendo os Estados Unidos e países da região). A trama então passa a se desenrolar a partir das relações e conflitos entre os membros de Os Supremos. A revelação pública de que Bruce Banner é o Hulk e seu julgamento pela morte de mais de 800 pessoas em Nova York ocupam a maior parte das primeiras edições dessa “segunda temporada”. Mas há também espaço para o romance entre Homem de Ferro e Viúva Negra, para a revelação da existência de um traidor no grupo de heróis e para a crescente tensão política envolvendo o Thor.
Este, aliás, é a figura central do primeiro grande momento de The Ultimates 2, quando vemos a trama arquitetada por seu meio-irmão Loki levar a um violento confronto contra Os Supremos e seus superaliados europeus. Se as cenas de luta são muito bem trabalhadas por Hitch & Cia., toda a sequência ganha mais dimensão com as referências feitas por Millar à história de Jesus Cristo (uma vez que, segundo suas próprias palavras, Thor teria sido enviado por seu Pai para salvar o mundo). No capítulo seguinte, o imaginário cristão e a dimensão mítica dão lugar a algo mais mundano, quando entram em cena Os Defensores, um grupo de super-heróis chinfrins, cuja cruzada contra o crime tem um desfecho tragicômico. Mas as coisas assumem um tom grave, quando o complô contra Os Supremos leva ao aparente assassinato de um herói e de sua família.
Após “ataques preventivos” a países do Oriente Médio e tendo que lidar com a crise de seu relacionamento com Vespa, Capitão América é envolvido pelas destrutivas ações do traidor. Quando se chega à metade de The Ultimates 2, todas as peças estão no lugar e os movimentos de bastidores dão lugar ao enfrentamento direto quando o traidor é revelado e uma invasão de super-humanos internacionais devasta Nova York e Washington. Com robôs gigantes e super-seres chineses, russos, norte-coreanos e muçulmanos aterrorizando os cidadãos norte-americanos e destruindo monumentos como a Estátua da Liberdade, o que vemos é o dia da retaliação dos povos oprimidos e do ataque oportunista de inimigos históricos (alegoria política que só é atrapalhada pelo fato de os agentes internacionais falarem em inglês, a língua de seu suposto opressor).
Embora pudesse se esperar que algum dos “vilões” da história arrancasse a cabeça do então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, essa catártica cena não acontece. Afinal, trata-se de uma HQ norte-americana e, como esperado, a “cavalaria” chega no último instante para salvar o dia. Com isso, quem acaba executado é o líder muçulmano da força invasora, e assim toda a catarse fica para os leitores norte-americanos. Mas antes deste primeiro desfecho, o que vemos nessa segunda metade de The Ultimates 2 é uma das batalhas mais titânicas das revistas de super-heróis. E tudo é amplificado pelos quadros de página inteira e pelas páginas duplas ilustradas de forma magistral, que originaram cenas panorâmicas absurdamente detalhadas (superando a concepção do widescreen comics com algo ainda mais impactante).
No último ato, após doze capítulos empolgantes, os quadrinhos panorâmicos de Millar e Hitch guardam uma última surpresa para os leitores. De início, temos uma sequência emprestada da trilogia O Senhor dos Anéis, quando uma horda de trolls e gigantes a serviço de Loki entra em cena. Segue-se então o contra-ataque dos heróis, numa sequência de oito páginas que formam num único quadro gigantesco, publicado na coletânea em capa-dura como uma peça que se desdobra tendo quatro pranchas de cada lado (que, nos comentários ao final da edição, Millar chamou de “o maior quadro publicado na história dos quadrinhos”). O que vem depois é uma rápida superação da ameaça e um epílogo que amarra as pontas soltas, estabelecendo uma nova condição para o principal grupo de heróis da linha Ultimate Marvel. Na última página, um beijo hollywoodiano.
The Ultimates 2 é uma HQ de super-heróis acima da média; contudo, a história que ela conta é bastante convencional. Nela, os papéis do “mocinho” e do “bandido” são ocupados por figuras tradicionalmente representadas dessa forma nos filmes de Hollywood e nas revistas de super-heróis. Embora traga uma explícita crítica à agressiva política externa dos Estados Unidos durante a “era Bush”, a série acaba identificando os vilões da história como “terroristas” a serem exterminados. Para um autor que se diz crítico e liberal, nessa continuação de seu melhor trabalho, o escocês Millar não se deu ao trabalho de esconder que “jogava para a torcida” norte-americana. Uma prova de que, por melhores que sejam, os quadrinhos de super-heróis são escritos de uma perspectiva ideológica específica, não devendo ser lidos como mera distração.
(Para quem quiser saber mais sobre os trabalhos de Mark Millar e Bryan Hitch ou sobre a linha Ultima Marvel, basta clicar nos marcadores abaixo.)
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2 comentários:
Realmente, Mark Millar meio que perdeu a mão na conclusão. Mas o desenvolvimento dos personagens compensa.
E a Panini tá devendo esse encadernado! =D
Pelo que vejo das reclamações, não é só esse que a Panini anda devendo.
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