08/12/2009

O sombrio Homem Animal de Jamie Delano.


Jamie Delano foi o primeiro dos roteiristas britânicos a ser contratado pela DC Comics no rastro do sucesso de Alan Moore com a revista Swamp Thing. Não por acaso, sua estreia na editora foi com a série Hellblazer, estrelada pelo mago John Constantine, criado nas HQs do Monstro do Pântano por seu predecessor e conterrâneo. E mais do que o trabalho de Moore, foram as histórias de Delano que definiram o caráter e a biografia do cínico ocultista londrino. Ficando à frente de Hellblazer entre 1988 e 1991, o roteirista inglês alcançou bastante sucesso, contribuindo com um dos três pilares principais do que viria a ser o selo Vertigo (sendo os outros dois a própria Swamp Thing de Alan Moore e The Sandman de Neil Gaiman). Mas Delano ainda traria outra contribuição à linha de “quadrinhos adultos” da DC, ao assumir em 1992 a série Animal Man, à qual imprimiu um tom mais metafísico e sombrio.

Um personagem de terceiro escalão na galeria dos heróis DC, o Homem Animal ganhou relevância em 1988, ao ser reformulado por Grant Morrison. Responsável pela Animal Man n°1 ao 26 e pela edição com a “Origem Secreta” do herói, o roteirista escocês criou uma série inteligente, repleta de elementos metalinguísticos e que, em parte, celebra os quadrinhos de super-heróis mais ingênuos da chamada “Era de Prata”. Tornando difusas as barreiras entre realidade e ficção, incorporando temáticas filosóficas e metaficcionais, a fase de Morrison à frente da revista influenciaria as histórias do Homem Animal nos anos seguintes. Mas, apesar do interessante trabalho feito por seu sucessor imediato, o irlandês Peter Milligan, nas mãos do norte-americano Tom Veitch a série perdeu força e leitores. Era preciso dar-lhe um novo direcionamento. E esse novo rumo veio em meados de 1992, quando Jamie Delano trocou as páginas da Hellblazer pelas da Animal Man.

Já na primeira edição, o novo tom sombrio fica evidente, afastando a série da influência de Morrison e aproximando-a das concepções metafísicas da Swamp Thing de Moore. Trazendo o primeiro capítulo de “Carne e Sangue”, Animal Man n°51 começa com o Homem Animal vivendo numa fazenda do interior dos Estados Unidos, na companhia de sua esposa Ellen e de sua filha Maxine, enquanto seu filho Cliff fora morar com um estranho tio-avô em São Francisco. Uma noite de amor ao luar, um pesadelo infantil premonitório e o atropelamento de um cão dão o tom da história e antecipam o que virá pela frente. Para completar, o texto de Delano reforça sensações físicas, remetendo à “carne e sangue” do título. As coisas começam a complicar quando o Homem Animal parte em busca de seu filho. O resultado é catastrófico, pois além de não se reencontrar com Cliff, o herói acaba atropelado e estraçalhado pelo trailer do psicótico Tio Dudley.

Além da influência estilística presente desde o início, começam a surgir aí várias semelhanças com a Swamp Thing. Afinal, em sua primeira HQ para aquela série, Moore “matou” o Monstro do Pântano, limpando o terreno para as mudanças que introduziria a partir da edição seguinte. E é exatamente o que Delano fez em sua edição de estreia na Animal Man, que abre espaço para o surgimento do “Vermelho”, dimensão metafísica animal, similar ao “Verde” que vemos nas histórias do Monstro do Pântano. E se no segundo roteiro de Moore para a Swamp Thing temos uma autópsia do herói vegetal, em sua segunda edição com o Homem Animal, Delano nos mostra o cadáver de Buddy Baker cambaleando por um necrotério. E da mesma forma que seu predecessor, o herói também tem que passar por um processo de renascimento nas edições seguintes (no seu caso partindo de um piolho e depois uma libélula, até ressurgir de um ovo, numa forma híbrida).

Apesar dos diversos pontos em comum e da inegável influência das histórias de Alan Moore para a Swamp Thing, o trabalho de Jamie Delano tem alma e qualidade próprias. Com ótimos textos e concepções interessantes, o roteirista deu uma guinada na série Animal Man, direcionando-a para o lado do terror (e distanciando-a das discussões envolvendo o gênero super-heróis que caracterizaram a fase de Grant Morrison). Para isso, contribuíram enormemente os desenhos de Steve Pugh, com sua abordagem cotidiana e sua carga de sombras. O único ponto artístico em comum com o passado são as fantásticas capas ilustradas por Brian Bolland, que mais uma vez acrescentaram força às histórias. Mas até mesmo essa ligação duraria pouco, uma vez que Bolland deixou o título após a conclusão de “Carne e Sangue”. O fato é que, a partir da Animal Man n°57, a revista em sua nova fase sombria e metafísica passava a integrar o selo Vertigo, que era então lançado pela DC.

Provas da ampla e duradoura influência das HQs de Alan Moore para a Swamp Thing, as primeiras histórias de Jamie Delano para a Animal Man têm qualidade própria, reforçada pelas capas de Brian Bolland e os desenhos de Steve Pugh. Essas marcantes histórias inauguraram uma nova fase do Homem Animal e o levaram a integrar o selo Vertigo, mas não tiveram reedições nos Estados Unidos, permanecendo inéditas no Brasil.

4 comentários:

Guilherme disse...

Opa, ainda não li esa fase do Animal Man.
É estranho, o Delano escreveu coisas muito boas no final do anos 80, início dos 90 e depois sumiu do mapa. Escreveu algumas coisas mas sem muito alarde.

Aonde você conseguiu essas histórias do AM? Foi por tp?

Wellington Srbek disse...

Olá Guilherme,
Não sei os motivos que possam ter levado o Delano a fazer menos quadrinhos. Ele ainda produz HQs, mas não com a presença que teve quando escreveu a série Hellblazer. Talvez já tenha ganhado dinheiro bastante. Talvez não se interesse mais pelo esquema das editoras norte-americanas. Ou talvez tenha se cansado e preferido não prolongar uma carreira fazendo coisas menos expressivas do que se fez antes.
Como falei ao final da postagem, Guilherme, apesar de sua importância para a trajetória do personagem e para a formação do selo Vertigo, as HQs da Animal Man escritas pelo Delano não tiveram reedições nos Estados Unidos, e assim não existem TPs com elas. Os exemplares que tenho são as revistas originais mesmo.
Abraço!

Anônimo disse...

É uma pena que alguns trabalhos do Jamie Delano não tenham chegado ao Brasil. Além de sua fase em Homem-Animal, metade do que ele escreveu em Hellblazer ainda permanece inédita, o que é uma pena pois a parte final escrita por ele é excelente.
Creio que a última grande empreitada dele foi uma série mensal pela Vertigo que ele lançou em 2000 sendo cancelada na 19ª edição chamada “Outlaw Nation”. Na revista, é contada a história de um escritor de ficção barata de mais de 100 anos de idade que estava em Mianmar durante 25 após o fim da guerra. Ele então decide voltar para casa, neste caso, EUA, mas o problema é que membros de sua numerosa família andaram sumindo nesses últimos 25 anos e os que sobraram o culpam de alguma forma por isso. Vale ressaltar que ele possuía 100 anos mas a fisionomia de alguém com 30 e poucos, e sua família é composto de figuras estereotipadas de personagens da história dos Estados Unidos, como um xerife de western, um motoqueiro, uma dona de Saloon, um assaltante de banco dos anos 30, além de seu irmão sádico apelidado de forma irônica Kid Gloves por sua “sutileza” para a barbaridade e seu pai, um velho decrépito de mais de 200 anos que é o verdadeiro manda-chuva dos Estados Unidos. Achei a premissa interessante, mas a história em si se perde em uma trama sem foco onde Delano parece tentar impressionar o leitor com personagens e situação foras do comum do que expressar alguma idéia, algo que Garth Ennis faz bem ao abusar da violência + humor para esconder uma falta de argumento interessante. Outra série dele que parecia promissora foi Visões de 2020, que achei a sinopse interessante mas a história não corresponde. Não sei se vocês já leram estas revistas, mas talvez elas sejam uma pista do porque do sumiço do Delano, por mais que eu goste muito da fase dele em Hellblazer.
Caetano

Wellington Srbek disse...

Quando Visões de 2020 foi publicada por aqui eu não gostei muito. Nesse tipo de trabalho do Delano, bem como na maioria das coisas do Garth Ennis, tem algo de britânico beberrão que não me interessa muito. Prefiro coisas mais centradas como Hellblazer ou Animal Man.
Abraço!