28/12/2009
O irregular “Livro II” de Marvelman / Miracleman.
Com a qualidade e a originalidade do “Livro I” de Miracleman, podia-se esperar algo ainda mais marcante para sua continuação. Porém, envolto em problemas editoriais, brigas pessoais, falta de talento de uns e aparente desinteresse de outros, o “Livro II” da série deixou a desejar. Trazendo os últimos capítulos publicados na Warrior e HQs produzidas pela Eclipse, essa segunda parte é a menos constante em termos visuais e a mais fraca em termos de roteiro. O fato é que, com seus desentendimentos com Dez Skinn e começando a trabalhar na série Swamp Thing, Alan Moore parecia não estar mais tão interessado em Miracleman. Para piorar, como a Marvel Comics havia criado dificuldades para a publicação da série na Warrior, o roteirista decidiu retaliar não permitindo a republicação de suas histórias com o Capitão Bretanha; isso irritou seu parceiro no trabalho, o desenhista Alan Davis, que não se interessou por continuar a desenhar a Miracleman (ao que consta, o acordo com a Eclipse, que levou a série para os Estados Unidos, também o teria desagradado).
Nas páginas da própria Warrior, o “Livro II” já havia contado com o trabalho de outro desenhista, o expressivo John Ridgway (responsável pelos capítulos especiais “Young Marvelman: 1957” e “The Red King Syndrome” partes 1 & 2). Assim, pode-se dizer que o problema não estava em se substituir o desenhista principal (Davis) e sim na escolha de quem o substituiria. Na certa, o nada talentoso Chuck Beckum não foi a melhor escolha! Responsável por alguns dos capítulos finais da história (que possivelmente haviam sido escritos ainda para a Warrior, embora não tivessem sido desenhados até então), Beckum fez um trabalho tão fraco que pode ser considerado um dos piores (senão o pior) desenhista a ter trabalhado numa HQ de Alan Moore. Para melhorar um pouco a situação, as duas histórias seguintes (escritas já para a Eclipse e publicadas na Miracleman n°9 e 10) trouxeram o desenho razoável de Rick Veitch. Mas, desenhos à parte, os roteiros do “Livro II” também têm altos e baixos, não apresentando a mesma força do que havia sido mostrado até então.
Esse segundo volume de Miracleman gira em torno de duas informações apresentadas em capítulos anteriores. Primeiro, que o Doutor Gargunza, ao invés de um vilão fantasioso, foi na verdade o cientista à frente do programa Zaratustra. Segundo, que Liz Moran está grávida, embora o pai da criança não seja seu marido, e sim Miracleman. A história então progride a partir do rapto de Liz por Gargunza, que pretende se apossar do “miraclebaby”. Na companhia de Mr. Cream, Miracleman parte em busca de sua esposa, massacrando os capangas do vilão. Esse é o enredo básico da história e seu lado menos interessante, que serve mais como um pretexto para Moore contar em detalhes a história por trás do projeto Zaratustra. Tudo começa com o nascimento de Gargunza no México em 1910, tem uma passagem pelo Rio de Janeiro dos anos 20 (onde, sabe-se Deus como, o vilão conseguiu um “taco de beisebol” para cometer um assassinato), chegando enfim à Alemanha, onde ele trabalhou num programa de engenharia genética do Terceiro Reich.
Enquanto aguarda o nascimento do “miraclebaby”, Gargunza prossegue na narração de sua história pessoal, tendo como ouvinte uma atenta Liz Moran. Ele conta então sobre como desertou da Alemanha hitlerista e foi acolhido pelo governo inglês, interessado em seus conhecimentos científicos. A seguir, o vilão revela sua motivação em tudo isso, e como seus planos se tornaram possíveis numa noite de 1948, quando “o céu caiu”, ou seja, quando uma nave alienígena caiu no interior da Inglaterra (vale comentar que, em muitos pontos, a série escrita por Moore antecipa em detalhes a trama que seria vista, uma década mais tarde, no seriado Arquivo-X). O que vem a seguir é uma mais detalhada narração de todo o processo (pseudocientífico) envolvido no projeto Zaratustra. Não faltam referências a raptos de órfãos, clonagem, implantes mentais e memórias fantasiosas, tudo relacionado à tecnologia do “infraespaço”. Para completar, um brilhante lance de metalinguagem, no qual Moore explica porque Miracleman teve como modelo o Capitão Marvel.
Conciliando elementos da psicanálise, da história e da ficção científica, a maior parte do “Livro II” trata da ligação de Gargunza com Miracleman, expressa por vezes como a tradicional relação “vilão x herói” (particularmente no ótimo capítulo “The Red King Syndrome”), mas também “criador x criatura” ou mesmo “pai x filho” (não falta sequer uma cena copiada do filme Blade Runner). Já os dois últimos capítulos desse volume (publicados nos números 9 e 10 da revista) trazem um desfecho da história e também uma transição para o volume seguinte. No primeiro deles, testemunhamos o nascimento da “miraclebaby”, numa sequência de parto explícito (mesmo!) que causou enorme comoção e controvérsia quando publicada. O capítulo seguinte intercala cenas domésticas de Liz e Mike Moran às voltas com sua “precoce” filhinha, diálogos mentais de Johnny Bates com seu alter ego Kid Miracleman e a presença de dois agentes alienígenas, que levam à manifestação de mais uma personagem superpoderosa (que só será conhecida no volume seguinte).
Iniciado num momento em que Alan Moore começava sua carreira no mercado norte-americano e já não tinha o melhor dos relacionamentos com seu editor na Warrior, o “Livro II” de Miracleman parece ter sofrido os efeitos de um certo desinteresse de seu principal autor. Além disso, ao ser retomada pela Eclipse após uma interrupção, a série não contou com o elegante traço de Alan Davis, padecendo dos desenhos muito pobres de Chuck Beckum. Mas, apesar dos problemas e deficiências, o segundo volume de Miracleman tem seus méritos e alguns momentos interessantes (talvez seu maior defeito seja ter se estendido mais do que deveria). De qualquer forma, consta que Moore estava tão insatisfeito com o trabalho na série que havia decidido deixar tudo de lado. Felizmente (para os leitores e para a história dos quadrinhos), a definição de que o talentosíssimo John Totleben seria seu parceiro no “Livro III” fez com que o roteirista voltasse atrás. O resultado foi Miracleman: Olympus, a mais brilhante HQ de super-heróis já escrita!
(CONTINUA...)
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