18/03/2009

As “adaptações” de Watchmen.


Finalmente fui assistir à adaptação cinematográfica de Watchmen, obra-prima dos quadrinhos criada por Alan Moore e Dave Gibbons, levada aos cinemas por Zack Snyder. Em alguns momentos, o filme consegue de fato uma transposição louvável dos quadrinhos para a telona (como acontece com diversas cenas de Rorschach e a sequência com os Minutemen). Contudo, no geral, o longa-metragem me deu a sensação de algo pela metade: uma produção que não conseguiu realmente adaptar de maneira fiel a complexa HQ que a inspirou, e que ao mesmo tempo não conseguiu ser totalmente compreensível para pessoas que não tenham lido a obra original (o diretor queria e deveria ter insistido em lançar um filme de maior duração, que explicasse mais algumas situações apenas apresentadas rapidamente).

Podemos dizer que Watchmen – O Filme padece exatamente do mal que o tornou possível: o esquemão de Hollywood capaz de financiar uma produção milionária, mas que impõe padrões, restrições e exigências mercadológicas. Senão, como explicar o excesso de violência nas cenas de luta (que fazem a violenta HQ de Moore e Gibbons parecer uma revista bem-comportada)? Ou o porquê de Coruja Noturna e Ozymandias usarem aquelas armaduras no estilo dos filmes do Batman dos anos 90? Sem falar na Espectro da Seda, que no lugar da “seda” ganhou uma roupa de látex... Quanto ao Dr. Manhattan, no quadrinho sua pele é azul, enquanto no filme ele ganhou uma versão mais “quântica” e irradiante (embora o que não combine mesmo, na minha opinião, seja sua vozinha inexpressiva).

Pouco depois de Watchmen ser lançada, já se falava numa adaptação cinematográfica. Como se sabe, o diretor Terry Gilliam havia sido a escolha inicial, mas acabou desistindo do projeto, que declarou ser “infilmável”. E a verdade é que a HQ de Moore e Gibbons é mesmo intransponível para o cinema de hoje, se tivermos como expectativa uma adaptação fidedigna. Talvez algo como uma minissérie da tevê pudesse alcançar um resultado mais próximo da complexidade e da atmosfera nostálgica e realista da história em quadrinhos. Ou ao menos uma produção cinematográfica com uma duração bem maior e menos concessões aos gostos contemporâneos. Em resumo, Watchmen – O Filme poderia ter sido muito pior (lembremos de A Liga Extraordinária!), mas também poderia ter sido algo bem melhor.

Falando em interfaces de Watchmen com outras linguagens, a HQ de Moore e Gibbons já tinha nos dado sua própria cota de citações e apropriações. Elementos tirados da História e das ciências desempenham um papel fundamental na composição de personagens e enredo. Isso sem falar nas pertinentes citações ao final dos capítulos, extraídas da Bíblia, de poemas, de músicas, entre outras fontes. Uma dessas citações foi até transposta para o filme, quando ouvimos Jimi Hendrix cantar sua versão da canção “All Along the Watchtower” de Bob Dylan. Por conta própria, o longa pega outras músicas emprestadas para compor algumas cenas, como “Times they are a-changin’” também de Dylan. Um caso bem diferente foi a inserção da solene “Hallelujah” de Leonard Cohen numa cena de sexo quase explícito (algo que soou, no mínimo, como uma piada de mau gosto).

Não posso deixar de falar das “adaptações“ não-oficiais de Watchmen, ou em outras palavras dos filmes e séries que imitam e plagiam a HQ. Um caso óbvio é o longa de animação Os Incríveis, que copiou a idéia da lei que bane os super-heróis, além da cena em que aparecem recortes de jornal pendurados numa parede e uma estátua dourada de um herói aposentado sobre uma mesa (sem falar na referência ao herói que perdeu a vida quando sua capa agarrou em algo). Há ainda o seriado Heroes que derivou alguns de seus personagens dos poderes e da história do Dr. Manhattan. E há Lost que, em suas primeiras temporadas, imitou o capítulo 2 de Watchmen, com as imagens e composições de cena recorrentes que serviam de ligação entre o presente na ilha e os flashbacks dos personagens, além de todo o episódio protagonizado pelo personagem Desmond que plagia o capítulo 4 da minissérie de Moore e Gibbons (não faltando sequer a fotografia que liga o personagem à sua amada).

Enfim, Watchmen é uma obra-prima dos quadrinhos que não poderia escapar à atual onda de adaptações cinematográficas. Já o filme de Zack Snyder não é muito mais que um filme de super-heróis acima da média. Por sua vez, as imitações e plágios da obra de Moore e Gibbons só vêm atestar a originalidade e a importância dessa HQ, enquanto fenômeno cultural. Em todos os casos, o melhor mesmo é ficarmos com a obra original!

(Agradecimentos a Marília, pela companhia durante o filme e pela conversa depois, que enriqueceu esta postagem.)

20 comentários:

Uncle Bob disse...

Excelente blog, excelente matéria.

Confesso que gostei muito do filme, mesmo com as alterações e cortes.

Pelo visto Zac irá montar uma versão com o material que ficou de forma.

Vamos ver como será!

Saudações!

Wellington Srbek disse...

Olá Roberto, obrigado pelas palavras!
Eu tive uma sensação meio-a-meio com o filme. Gostei da maior parte das cenas do Rorschach e detestei todas do Ozymandias.
Mas também estou esperando para ver a prometida versão completa que virá num segundo DVD, junto com Contos do Cargueiro Negro e Sob o Capuz (tudo mesclado ao filme, segundo dizem).
Grande abraço e volte sempre!

Anônimo disse...

Tive exatamente a mesma sensação do meio-a-meio. Alem de tudo o q mais senti falta foram os dialogos (q ficaram modificados no filme) do DrManhatan em marte e na fortaleza no final.
abç

Wellington Srbek disse...

Olá Leandro,
Eh, o final foi o que mais mudaram.
Tirarem o detalhe de que o Ozymandias detona o Rorschach e o Coruja Noturna, enquanto janta, foi uma pena.
No início eles até que foram fiéis nas narrações, mas depois daquela cena (inexistente na HQ) da entrevista do Adrian, a coisa toda começa a desandar.
Abraço!

Anônimo disse...

O filme é bom, mas realmente dá essa sensação de "faltou alguma coisa". E acho que poderiam ter tirado os mamilos nas armaduras (poderiam ter tirado as armaduras!)...

Wellington Srbek disse...

Pois é, Luís, quando vi as primeiras fotos dos personagens, com o Coruja Noturna e o Ozymandias disfarsados de Batman dos anos 90, eu soube que o filme não seria realmente bom, pois fariam concessões aos "modernismos".
Se era para adaptar a HQ, por que não fazer como fizeram com os Minutemen? Mantendo os uniformes da HQ, com aquele estilo antigo e meio fora de moda... Ficaria muito melhor, mais autêntico e mais fiel.
Abraço!

Ismael Sobrino disse...

Eu não a vi mas sempre imaginei que os uniformes eram sinais importantes da extinção desses heróis. A mudança de uniforme do Comediante, um exemplo. Ainda que se a emitissem em TV eu colaria minha cara ao televisor.
"o esquemão de Hollywood capaz de financiar uma produção milionária, mas que impõe padrões, restrições e exigências mercadológicas" D. R. and Quinch!?
Creio que prefiro recordar aquela história dos D. R. and Quinch em Hollywood .

Wellington Srbek disse...

Hola Ismael,
Creio que esta seja uma boa estratégia: esperar para ver o filme na tevê, ou em DVD mesmo.
Não tinha D.R. and Quinch em mente, mas sua citação é pertinente. Vou dar até uma conferida.
Grande abraço!

Rafael Menezes disse...

Creio que para mim filme ficou ótimo. A violência a mais é característica do diretor na minha opinião, se há algum erro foi a extrema fidelidade que deixa o ritmo bem lento, muita gente não vai gostar disso... Em todo caso, eu estou passando para te indicar para selo "Jovens que pensam", pegeu a imagem no http://metempsicose-metempsicose.blogspot.com e siga os passos.
Uma Abraço.

Wellington Srbek disse...

Olá Rafael,
Na minha visão o excesso de violência é uma característica da cultura atual, como um todo. Começou nos video games e se espalhou para o cinema, animação, quadrinhos...
Valeu pela possível indicação. Só não sei se ainda me encaixo na categoria "jovem".
Abraço!

Cine África disse...

Oi, Wellington! Estava esperando sair uma resenha sobre o filme...
Eu também tive a mesma sensação: "médio". Não faz jus à riqueza da HQ e perdeu muito da narrativa, apesar de não ter chegado a desvirtuar a história. Mas acho que fazer o filme mais longo não ia ser uma boa solução (já achei cansativo desse jeito, imagino se forem realmente incluir as histórias paralelas na versão do dvd)... Enfim, teve cenas boas, deu pra divertir e tal, mas detestei o exagero no teor de violência e sexo, que todo mundo adora e acha que é muito adulto. O que eu via na hq como uma crítica ou sátira (na minha opinião, pelo menos) ficou sendo elogio. E ainda tem que aguentar o cabelo da Espectral voando... Posso estar tendo um ataque de fã purista, mas acho que foi um filme muito "qualquer" pra uma obra como Watchmen.

Wellington Srbek disse...

Eu não poderia ter dito melhor, Aline! E você tem toda razão no que diz sobre a questão do sexo e violência. Para mim não há nada de realmente adulto ali.
Grande abraço!

Uncle Bob disse...

No final das contas vocês parecem concordar com o próprio Alan Moore que havia dito que a obra seria intransponível para o cinema.

De fato, um único filme não poderia comportar todas as tramas de Watchmen, razão pela qual Zack precisou fazer alguns ajustes.

Será que se ele tivesse pensado numa triologia seria possível seguir toda a obra de Moore?

Wellington Srbek disse...

Não acredito que algo como uma trilogia fosse funcionar, Roberto. Se fosse em partes a melhor opção, na minha opinião, seria uma minissérie para tevê paga (com uns 6 episódios, orçamento condizente e sem pressões para tornar a coisa atrativa para o público de hoje). Enfim, como sugere a Aline acima, a solução não seria aumentar o tempo de exibição. Afinal, os problemas do filme estão nas próprias liberdades que o diretor tomou (como as roupas dos heróis Coruja Noturna, Espectro da Seda e Ozymandias, que ficaram ridículas!). Se tivesse sido mais fiel, se não tivesse se deixado levar pela necessidade de "modernizar" o visual e tornar tudo mais violento, o Sr. Snyder poderia ter feito um ótimo filme. Mas preferiu não fazer.
É claro que não deve se comparar às liberdades que Frank Miller tomou para deturpar, digo, adaptar The Spirit - e olhe que nem assisti o filme ainda, mas pelo trailer já ficou evidente que veremos uma coisa mais para Sin City do que para The Spirit.
Abraço!

Unknown disse...

Demorei, o máximo que pude, para ir ver o filme. Eu quis, antes, me despir de todo preconceito, e, sobretudo, da minha crença de que Watchmen não é adaptável. Depois de ver o filme, tentei dosar minha opinião. Então, o que posso dizer é que: 1) O filme, apesar de muitos contras, funciona. 2) O roteiro não chega a conter "erros" graves, nenhuma heresia, eu diria. 3) O Andamento narrativo fica meio travado. Ter 123454143146571 lutas no estilo "Mortal Kombat" não garante um andamento satisfatório. 4) Eu não sei se é apenas implicância minha, mas acho que a a trilha sonora (embora tenha escolhas memoráveis) não foi muito bem adaptada. Tipo, acho que o momento de encaixe entre som e imagem falhou muitas vezes. E acho que não deveria tocar música nenhuma na cena do funeral do Comediante. Sempre imaginei aquela cena banhada pelo silêncio. 5) Concordo em grau, número, gênero e caso com você, Wellington, em relação ao Ozymandias.

Enfim, não é um filme ruim. E isso é o máximo que consigo dizer, na minha tentativa de ser coerente.

Wellington Srbek disse...

Olá Cleonice,
Tive a mesma abordagem que você e fui assistir o filme sem preconceitos. Mas aí... Bom, o filme falha por si só! E a trilha sonora (com exceção da música do Dylan no início) não acerta em nada. A profonação da música do Leonard Cohen para mim foi o fim da picada!
Concordo com o que disse sobre o andamento e acrescento que está na hora de Hollywood descobrir que falhas de roteiro e narrativa não são compensadas por pancadaria, sexo e efeitos visuais (pelo menos para pessoas que ainda gostam de assistir um bom filme).
Em resumo, o melhor que posso dizer é que o filme de Snyder não é lá tão ruim quanto "A Liga Extraordinária".
Grande abraço!

Uncle Bob disse...

Prezado Wellington,

Depois de ter assistido a versão do diretor (blu-ray americano), confesso que passei a admirar ainda mais o trabalho de Zac Synder.

Os 26 minutos adicionais melhoraram - e muito - a narrativa.

Já está sendo noticiada uma versão ultimate para o final do ano, que irá inserir os Contos do Cargueiro Negro na película.

Agora sim a obra irá ficar completa.

Um amigo disse que é bem provável que Watchmen - por uma série de razões - seja uma das últimas, senão - última - grande adaptação de uma HQ para as telas do cinema.

Concordo com ele.


Saudações!

Wellington Srbek disse...

Olá Roberto,
Estou ainda para assistir a esta versão do diretor. Acho que em termos de conteúdo a ser acrescentado pode favorecer ao filme, mas não corrigirá alguns dos erros fundamentais, como a mudança nos uniformes e outras coisas que citei na resenha.
O que já assisti foi ao desenho dos Contos do Cargueiro Negro e não achei grande coisa. A HQ é bem mais intensa e interessante.
Mas legal que você tenha gostado da versão ampliada do filme. Vou tentar assisti-la e de repente continuamos a conversa.
Abraços!

Jacques disse...

Eu achei o filme bem feito, apesar da mania irritante que o Zack Snider tem de colocar stop motion em tudo (como se isso fosse fazer alguma diferença, como no mega lixo Sucker Punch).
Também achei extremamente forçado o final "o mundo se une contra o Dr. Manhattan", já que ele poderia destruir o Universo inteiro com um pensamento, se quisesse.
Ou seja, isso é algo que funciona com quem não conhece o personagem, mas não com quem leu a hq há um tempão.
Até mais.

Wellington Srbek disse...

Como foi minha impressão na época, esse filme rapidamente vai consolidando sua irrelevância.