02/11/2008

Prontuário 666 traz Zé do Caixão na fantástica arte de Samuel Casal.


Quando criança, causava-me certa repulsa ver em programas de tevê o ator e diretor José Mojica Marins. Minha aversão à figura não se dava por sua barba cerrada, indumentária preta ou mesmo por sua peculiar forma de falar. O que me causava repulsa eram, é claro, suas longas e tortuosas unhas de Zé do Caixão. Evidentemente, sendo criança, eu era bastante suscetível a imagens impressionantes, o que não diminui o mérito de José Mojica em ter criado um dos personagens mais longevos e carismáticos de nossa cultura de massa. Um verdadeiro ícone do terror nacional.

Passado o tempo, deixei de ser tão impressionável e passei a admirar imagens impressionantes, como as produzidas pelo ilustrador e quadrinista Samuel Casal. Creio que a primeira vez que vi uma página desenhada por ele deva ter sido na ótima antologia de quadrinhos Ragú. Imediatamente percebi que estava diante de um gênio do traço. Voltei a rever seu trabalho em novas edições da publicação e mais recentemente nos belos livrinhos Domínio Público. Qual não foi então minha estupefação ao encontrar Prontuário 666, álbum que traz o personagem Zé do Caixão no fantástico traço de Samuel Casal.

O macabro Zé do Caixão surgiu em 1964 no filme À meia-noite levarei sua alma, retornando em Esta noite encarnarei no teu cadáver de 1967. Em busca da “mulher superior” que lhe gerará o “filho perfeito”, o sádico personagem causou controvérsia e até perseguições. Ao longo das últimas quatro décadas, ele voltaria a aparecer em longas e curtas-metragens, programas de tevê e revistas em quadrinhos, entrando de vez para o imaginário nacional. Mas, na concepção de seu criador e intérprete, restava ainda uma terceira parte de sua história a ser contada num terceiro filme: Encarnação do Demônio, lançado este ano.

Publicado pela Conrad, Prontuário 666: Os anos de cárcere de Zé do Caixão revela o que aconteceu ao personagem no hiato desde 1968, período que teria passado num manicômio e numa casa de detenção. Com roteiro de Samuel Casal e Adriana Brunstein, consultora de José Mojica no último filme, o livro é provavelmente o melhor quadrinho brasileiro de 2008 e uma das melhores HQs que li este ano. Apesar das celas pouco povoadas para um presídio brasileiro, a intensidade narrativa e as cenas de violência reforçam a credibilidade e a temática de terror da história, gerando um clima perturbador e inquietante.

Mas o melhor fica por conta das imagens criadas pelo premiado Samuel Casal. Estruturados a partir do contraste entre preto & branco, marcados de respingos, tracejados e figuras distorcidas, por si sós, os desenhos já valem o livro. Com páginas construídas numa estética de arte gráfica, num belo estilo de luzes, sombras e ângulos expressionistas, Prontuário 666 lembra obras de Peter Kuper ou Marc Hempel. Ainda a título de exemplificação, o traço conciso e caricaturizado dessa HQ parece um encontro de Bill Sienkiewicz com Flavio Colin. Mas, comparações à parte, o trabalho de Samuel Casal tem alma própria!

Estranhamente belo, particularmente interessante, o visual de Prontuário 666 se transforma ao longo das páginas, projetando o roteiro em seus melhores momentos e resgatando-o em suas partes mais fracas. Homens e ratos, pombos, gatos e lagartos se misturam e equivalem em páginas nas quais realidade, sonho e delírio se confundem. O próprio Zé do Caixão transmuta ao longo da HQ, aparecendo como unhas, um detalhe nas sombras, uma silhueta ou um vulto, para então imperar como uma presença demoníaca ou surgir numa pose de Batman, vampiro ou como uma quase-caricatura de Nietzsche.

Chegando às livrarias ao preço de R$24,00 e à venda com desconto na loja da editora, Prontuário 666: Os anos de cárcere de Zé do Caixão é imperdível para os fãs de José Mojica e Samuel Casal. Complementa a edição da Conrad a seção “Retratos da Maldade”, na qual desenhistas como Mozart Couto e Angeli homenageiam Zé do Caixão. Uma obra para quem aprecia bons quadrinhos de terror ou belos trabalhos em arte gráfica, o livro editado em formato 23cm x 16cm merecia até uma publicação maior, para valorizar ainda mais sua fantástica arte. De qualquer maneira e sobretudo, vale muitíssimo a pena conferir!

2 comentários:

Marcus disse...

Um post sobre o Zé do Caixão e eu não comentei? Como assim!?

Brincadeiras a parte, o Zé do Caixão é um verdadeiro ícone pra mim e acredito que pra muita gente também. Eu o conheci no saudoso Cine Band Trash lá no meio dos anos 90, época que alias o próprio Jose Mojica foi redescoberto, tanto aqui quanto la fora. Era fantástico ! Vê aquela figura tão diferente, falando coisas tão estranhas pra mim, me rogando pragas e passando filmes de terror (Alias foi ai que eu me interessei pelo gênero terror) e tudo isso às 3 da tarde!

Eu comprei ontem o Prontuário 666, já tava querendo ele há muito tempo, tava de bobeira em uma livraria no Aeroporto e comprei o livro finalmente. Li inteiro na viagem de volta para minha casa! E cara, que álbum FODA! Eu li inteiro na viagem, historia em quadrinhos boa como eu não via há muito tempo! E Nacional, o que torna a coisa melhor ainda! Mais incrível ainda, realmente é arte do Samuel Casal o cara rouba a cena mesmo, é algo que eu tenho que analisar com mais cuidado, mas fiquei com a sensação do tipo: “Onde eu estava que eu nunca vi esse cara antes?”, Incrível !

Um dos melhores lançamentos de 2008 com certeza !

Um Abraço do Gafanhoto !

Wellington Srbek disse...

Lembro de ter visto o Cine Trash uma ou duas vezes e também me impressionava o fato de aquele tipo de filme com aquele tipo de apresentação ser exibido na televisão à tarde.
Prontuário 666 é uma ótima HQ. E vejo que seu gosto realmente se aprimorou, Marcus. Você está no caminho certo, Gafanhoto!
Brincadeiras à parte, grande abraço e um ótimo 2009!