20/10/2008

Novidades vindas do Japão, em mangás.


Conheci meu amigo Dênio no início dos anos 90, numa ida à memorável Biblioteca Nacional de Histórias em Quadrinhos, de Antônio Gobbo. Sereno, correto e generoso, Dênio é o tipo de pessoa que sempre renova nossa fé na Humanidade. Além disso, ele possui uma coleção de mangás originais, que inclui jóias como os seis volumes em P&B da série Akira. Por esses dias, retornando de uma viagem ao Japão, Dênio presenteou-me com três mangás muito bacanas. Não entendo uma vírgula em japonês, mas isso é claro não impede que me delicie com os presentes. Aproveito então para compartilhar com vocês um pouco dessas novidades vindas do Japão.

O primeiro dos três regalos é a edição de outubro da antologia Jump Square, revista mensal com 780 páginas impressas em P&B e papel-jornal, além de aproximadamente 16 páginas em cores e papel de melhor qualidade. Esse “catálogo telefônico” em quadrinhos, com capa bastante colorida e composição dinâmica, traz capítulos de diferentes séries com cerca de trinta a quarenta páginas cada um. Voltado ao público jovem, o mangá traz em sua maioria aventuras que têm personagens adolescentes como protagonistas. Garotos de cabelo espetado e principalmente meninas em sainhas colegiais multiplicam-se pelas centenas de páginas, que trazem também alguns monstros e temas fantasiosos. Os desenhos, embora sigam os padrões básicos das HQs nipônicas, exibem uma razoável variação, de série para série.

Para citar algumas delas, abre a edição uma HQ estrelada por uma colegial que passa o tempo escrevendo e desenhando. Mais adiante, um mangá mais tradicional, com uma menina loira de longas pernas e grandes olhos, acompanhada de um bichinho falante, no qual ela dá um banho vestida apenas de vapor e espuma, o que faz com que ele se transforme num cara de cabelo espetado. Logo em seguida, vem Embalming: The Another Tale of Frankenstein, uma apropriação nipônica, em versão cyberpunk, do cientista criado pela inglesa Mary Shelley. Outra escritora inglesa parece ter inspirado o mangá Rosario + Vampire, que traz aventuras de um grupo de colegiais, em meio a poderes mágicos e seres fabulosos. Em tom bem mais sombrio, há também uma história envolvendo temas religiosos e seres espectrais.

Não faltam anúncios publicitários nos versos das capas e nas páginas em cores que se seguem, bem como na passagem de uma história para outra. Jogos eletrônicos, camisetas, bonecos e outras bugigangas, DVDs com animes e espetáculos juvenis dividem espaço com propagandas da editora e até mesmo um anúncio de utilidade pública em forma de HQ. Completam o massudo volume entrevistas com autores, matérias sobre assuntos de interesse do público, mensagens de leitores e o que parece ser uma história em prosa. De brinde, dois pequenos encartes que trazem esboços de personagens. Em resumo, Jump Square é um excelente exemplo de uma produção regular e bem-estruturada, totalmente voltada ao público consumidor e ancorada na imersão dos quadrinhos japoneses num mercado amplo.

A segunda novidade é menos recente e me proporcionou uma boa dose de nostalgia. Trata-se do sétimo volume de Ultraman Story Zero, mangá que narra a saga da família de heróis que fazia a alegria das crianças brasileiras lá pelos idos dos anos 70 e 80. Num formato 13cm x 18cm, mais de 170 páginas em papel de qualidade, capa cartonada e sobrecapa, a coletânea traz diferentes versões do Ultraman enfrentando ameaças alienígenas. O estilo de desenho não traz os exageros dos mangás comuns, seguindo uma estrutura mais próxima das HQs ocidentais. Por outro lado, há o trabalho de meios-tons em retículas, as onomatopéias “estridentes”, as linhas de movimento e a narrativa dinâmica que são marcas registradas dos quadrinhos japoneses. Isso sem falar nos fantásticos monstrengos saídos do seriado de tevê!

Completando o pacote, veio o quinto volume de Biomega, coletânea com cerca de 190 páginas, no formato 13cm x 18xm, capa cartonada e sobrecapa com impressão especial. Sucesso atual, a série criada por Tsutomu Nihei se passa num futuro desolado e terrível, povoado por seres mutantes, monstros artrópodes e vilões tecnorgânicos. Lembrando elementos de Nausicä, este mangá autoral não esconde também a forte influência de Moebius. Com personagens que explodem ou sofrem mudanças anatômicas a todo instante, a HQ traz um desenho cheio de detalhes e tracejados, com contrastes entre preto e branco que reforçam seu clima sombrio. No conjunto, Biomega não se enquadra totalmente no padrão dos mangás mais populares, exemplificando um mercado que abre espaço para trabalhos mais autorais.

Os três mangás de que falei nesta postagem são exemplos da diversificada produção japonesa. Uma publicação periódica como Jump Square, que é uma entre muitas, só é possível num mercado voltado ao público interno, que também valoriza a produção interna. Por sua vez, Ultraman Story Zero mostra como a interseção dos quadrinhos com outras mídias pode propiciar uma produção longeva, baseada em personagens e marcas locais. Já Biomega prova que, mesmo numa realidade saturada por padrões comerciais e produtos descartáveis, há também espaço para obras mais autorais e produtos de alta qualidade gráfica. É claro que, com suas tiragens astronômicas, o mercado japonês de quadrinhos é um caso único. Ainda assim, algumas de suas características deveriam servir de exemplo para editores de HQs em outros países.

16 comentários:

Anônimo disse...

Queria ver a capa e algumas páginas do mangá do Ultraman. Fiquei curioso. :P

[]s

Wellington Srbek disse...

Olá Thales,
Infelizmente não poderei te ajudar nessa, pois estou sem scanner aqui. Mas acho que você consegue ver alguma coisa sobre esse mangá, se procurar no buscador de imagens do Google.
Abraço!

Ismael Sobrino disse...

Quando leio sobre como atiram os leitores japoneses essas revistas depois de lê-las sento admiração e inveja. Li que as editoras japonesas querem editar diretamente em Espanha seus mangas.
.
Deixo o link de um quadrinho on-line de David Rubín

Wellington Srbek disse...

Hola Ismael!
O amigo do qual falo na postagem morou no Japão nos anos 90, e ele me contou que depois de terminar de ler os mangás periódicos, nas viagens para o trabalho ou escola, os japoneses os deixavam ali mesmo, nos vagões e estações de metrô. Com tantos leitores e revistas tão volumosas, existia até um serviço de coleta de mangás!
Obrigado pelo link. Vou conferir. Saludos!

Dênio disse...

Grande Srbek.

Aos leitores deste respeitável blog, informo que coincidentemente, também conheci meu amigo Wellington na Biblioteca do Gobbo, pouco antes de partir para carreira solo no Japão. Um monte de sushis e quase 20 anos depois, vejo aquele garoto cheio de idéias se transformar em um dos mais premiados roteiristas, o guerreiro do quadrinho nacional, pois pra publicar quadrinho na Terra do Pau Brasil, tem que quebrar o pau, mesmo!!! Ele sempre me elogia, mas quem merece os elogios e aplausos, é ele. Clap, clap, clap! Abração.

Wellington Srbek disse...

Bom, já que o negócio descambou de vez pra troca de elogios, tenho que também deixar registrado aqui que se não fosse por sua ajuda, amigo Dênio (que fez a editoração eletrônica de praticamente todas as minhas revistas), eu não teria conseguido fazer metade do que fiz.
Enfim, ganhar mangás é legal; mas fantástico mesmo é ter um amigo como você!
Abraço!

Barba Magnética disse...

Procure o manga BLAME! tb do Tsutomu Nihei. Sao 10 volumes se ñ me engano, e é relativamente fácil encontrar em scan. Vale contar q Tsutomu era arquiteto antes de adentrar no mundo dos mangakas, por isso seus cenários são tão detalhados e criativos.
Parabéns pelo blog.

Wellington Srbek disse...

No caso do Biomega, o que me chamou mais atenção, Barba, foi o grande detalhismos, tanto nos cenários quanto em objetos e personagens. Algo que lembra os capítulos finais de Akira e as HQs mais visualmente insanas do Moebius.
Abraço!

Barba Magnética disse...

Ah sim. Ele é muito detalhista. E os primeiros arcos de Blame! ñ tem praticamente texto, a historia é narrada pela ação em sí. Com cenários monstruosos e insanos, e destruição fora dos padroes.
Mas se eu ñ me engano essa série "Biomega" foi descontinuada. Pq ela é uma sequencia de Blame! que o Nihei fez por pressao dos editores para continuar o sucesso de Blame! Daí ele fez algumas ediçoes e largou, pq estava fazendo apenas pelo dinheiro.

Wellington Srbek disse...

Essa eu não sabia. Valeu pela informação.
De qualquer forma, esta coletânea do Biomega saiu por agora.
Abraço!

Barba Magnética disse...

Oi, Wellington.
Não sei sua posição em relação as scans, mas aí vai o link das edições de BLAME! em português.
http://www.chrono.com.br

Esse grupo de scan tb tem outros materiais do Nihei como: Abara, Noise, Blame Academy, Digimortal, Suzumega, Zebnoide e Wolverine Snikt(sim, ele fez uma mini-série para Marvel, e essa até saiu aqui no Br).

Não custa nada dar uma olhada, já que a chance desse tipo de material sair por aqui é pífia.
Abs.

Wellington Srbek disse...

Olá Barba,
Rapaz, para ser sincero, eu sou contra. Mas falo isso enquanto autor de quadrinhos, porque os scans roubam nossos direitos autorais.
Por exemplo, tem um sujeito aí que escaneou o Estórias Gerais inteirinho e colocou à disposição na Internet, o que é uma tremenda sacanagem comigo! Porque eu ralei para produzir a HQ, pagar o Colin e conseguir apoio para lançar o álbum, que custava menos de 8 reais! Aí alguém vai e coloca na Internet, e agora que o álbum saiu de novo pela Conrad a um preço acessível, algumas pessoas não vão comprar para ler, porque baixaram o scan.
Mas valeu. Abraço!

Barba Magnética disse...

Sim, compreendo o seu ponto de vista.
O scan pode mesmo ser muito danoso para os autores brsileiros. É impossivel competir com Marvel e DC's da vida, ainda mais com a puxada de tabete q acabam sendo os scans. Mas em alguns casos, à caráter de divulgação as scans podem ser benignas. Pegando aquele leitor q compra o material mesmo depois de lê-lo em scan.
Abs.

Wellington Srbek disse...

É, eu não sou contra os scans como um todo. Eu mesmo, nas minhas pesquisas sobre quadrinhos, já baixei revistas clássicas, de domínio público, que estavam disponíveis num saite inglês.
Em casos de HQs antigas ou até mesmo edições raras que não têm reedição, os scans cumprem um papel importante para pesquisadores como eu.
Abraço e valeu pelo debate!

Barba Magnética disse...

Coincidentemente, esse semana no blog
http://www.melhoresdomundo.net

estão discutindo alguns pontos de vista bem interessantes sobre os scans. Analisando até mesmo as nossas diferenças de mercados e atuações de grupos de scans aqui e nos EUA. Vale a pena dar uma olhada.
Abs.

Wellington Srbek disse...

Valeu, vou conferir.
Abraço!