12/10/2008

Editoras investem em adaptações literárias.


O descaso das editoras nacionais para com os quadrinhos brasileiros tornou-se algo quase proverbial, alcançando um de seus piores momentos entre os anos 90 e o início deste século. Se em décadas passadas revistas como Pererê, Fradim e Chiclete com Banana alcançaram grande sucesso de público, mais recentemente os editores deixaram de lado a produção nacional, voltando-se quase totalmente aos quadrinhos importados. É claro que ainda tínhamos a campeã de vendas Turma da Mônica, as tirinhas de jornal e a produção independente. Mas muito mais deveria e poderia ter sido feito com um mercado voltado preferencialmente à produção brasileira, uma vez que qualidade e talento nunca faltaram a nossos quadrinistas.

Nos últimos anos, felizmente, as coisas parecem estar mudando para a melhor, quando diversas pequenas e médias editoras passaram a investir em HQs inteiramente produzidas no país. A situação está ainda muito longe do ideal, mas já são sinais de um caminho mais produtivo e promissor. Nesse novo movimento de interesse editorial, rapidamente ganharam destaque as adaptações de clássicos de nossa literatura para os quadrinhos. Vendo uma aposta relativamente segura, que se ancora no mercado dos paradidáticos e nos sistemas de aquisição de livros pelos governos estaduais e federal, os editores têm investido seriamente nesse filão.

É claro que nem todas as adaptações de Machado de Assis & Cia. que chegam às estantes das livrarias têm a qualidade desejável, havendo também simples oportunismo por parte de alguns editores. Por outro lado, projetos editoriais bem-cuidados e trabalhos legitimamente autorais têm originado algumas HQs que dialogam adequadamente com os clássicos literários. E ao investir em trabalhos mais elaborados, as editoras começam a colher seus primeiros frutos. A adaptação do conto O Alienista de Machado de Assis, feita por Gabriel Ba e Fábio Moon, lançada pela editora Agir, acaba de receber o Troféu Jabuti de melhor livro paradidático de 2007.

Pertencente ao grupo Ediouro, a Agir tem ainda na gaveta uma criativa adaptação de Os Sertões de Euclides da Cunha, feita por Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa. Outra editora que entrou nesse filão é a Jorge Zahar, que está levando para as livrarias A Cartomante, outro conto de Machado de Assis, numa versão em quadrinhos feita por Flavio Pessoa. E a lista na pára por aí! Dona de uma ampla coleção de clássicos literários editados com notas, suplementos históricos e biográficos, a editora Ática começa a investir numa coleção de adaptações. A primeira delas é outra versão de O Alienista, a quarta a ser lançada nos últimos três anos, dessa vez produzida por Luiz Antonio Aguiar e Cesar Lobo, num álbum de 72 páginas, formato 19cm x 26cm, vendido a R$21,90.

À parte toda a questão editorial e as oportunidades de trabalho para roteiristas e desenhistas, o que realmente importa para os leitores, em especial os alunos e professores que essas HQs têm como alvo preferencial, é a qualidade dos trabalhos. A fidelidade à obra original e a utilização criativa da linguagem dos quadrinhos devem andar lado a lado. Afinal, toda adaptação de uma linguagem artística para outra é uma forma de tradução, e ao lermos uma tradução esperamos sempre encontrar nela o sentido original da obra traduzida. Felizmente, grande parte das adaptações lançadas segue essa premissa. Que venham então mais adaptações de nossos clássicos literários! Mas que venham também mais quadrinhos brasileiros originais, com histórias e temas inéditos!

8 comentários:

Ariane Rodrigues disse...

Sim, as traduções devem espelhar a obra original, mas muitas vezes os reflexos incidem sobre aspectos secundários, não menos importantes, mas secundários. Uma tarefa árdua. Recente, assisti novamente ao filme "Memórias Póstumas", adaptado pelo diretor André Klotzel. Notei em um trecho da narração em que Cubas se referia à Marcela: "Marcela me era cara" que as legendas em inglês traduziam a palavra "cara" apenas como "dear", pois neste idioma não há o sentido irônico/ambíguo dado à esta na Língua Portuguesa. O fato é que faltou o elemento principal nesse caso. Os tradutores deveriam acrescentar um outro adjetivo que contemplasse todo o significado da frase, mas certamente não comportaria o sentido estético/estilístico que o incrível Machado conferiu às palavras do narrador com essa escolha estratégica textual/discursiva. É isso.

Wellington Srbek disse...

Ótima observação e excelente exemplo, Ariane! Mas eu até me pergunto aqui se essa frase específica está mesmo no texto original de Machado...
Traduzir/adaptar é algo como correr por um fio de navalha; o que me remete ao filme "Blade Runner", adaptação de um conto de Philip K. Dick, que ganhou mais de uma versão pelas mãos de Ridley Scott, sendo que, de uma versão para outra, a inclusão de uma ou duas cenas e a exclusão de uma narração final mudou completamente a condição do protagonista do filme, dando-lhe mais significado e profundidade existencial.
Abraço!

Camila Alam disse...

Oi Wellington! Acho que esse exemplo do Blade Runner é um clássico! Costumo gostar das adaptações em quadrinhos, desde que feitas com qualidade. O Alienista dos gêmeos Gabriel Bá e Fábio Moon é espetacular! Escrevi sobre isso há um tempo atrás no meu blog. Aí vai o link:

http://camilaalam.blogspot.com/2007/09/redesenhando-escrita.html

Abraços,

Wellington Srbek disse...

Olá Camila,
Não tive ainda oportunidade de ler a adaptação que os gêmeos fizeram. Mas têm saído alguns trabalhos interessantes nessa linha. Fique de olho na Ática, pois ela está com alguns lançamentos bem bacanas no forno.
Vou conferir o link. Valeu pelo comentário. Abraço!

Ariane Rodrigues disse...

De fato, Srbek, me parece que não há essa frase específica, talvez porque na adaptação de Klotzel o filme tenha um tom mais humorístico e uma certa veia cômica. Contudo, tratando-se de texto e de textos nele inseridos, a versão desta frase é certamente muito mais rica na nossa querida Língua Materna e é só um exemplo de uma pedra rígida, mas necessária, encontrada no caminho das transmutações linguísticas. Outro Abraço!

Wellington Srbek disse...

Sim, esse fato não diminui em nada sua observação, Ariane.
E o caso do adjetivo "cara" em português é semelhante ao "blue" em inglês, que não tem como ser vertido para nosso idioma mantendo a duplicidade azul/triste do original.
Com as contribuições femininas estes comentários estão ficando melhores que a postagem em si.
Beijos para as meninas então!

Anônimo disse...

Puta que o pariu!!!!!!!!

Wellington Srbek disse...

Escreve palavrão e nem se identifica!?