05/07/2008

O maravilhoso mundo estranho de Planetary.


De tempos em tempos, uma série chega para deixar sua marca no mercado norte-americano de quadrinhos. Este é certamente o caso de Planetary, a complexa e bela revista escrita por Warren Ellis e desenhada por John Cassaday, com cores produzidas por Laura Martin e outros colaboradores. Reunindo releituras de personagens clássicos, ficção científica de última geração, uma trama conspiratória envolvente e citações a filmes e quadrinhos famosos, essa HQ conquistou uma legião de fãs, que ansiosamente aguarda por sua conclusão. Mas o que faz de Planetary uma série tão cultuada e especial?

Surgida em setembro de 1998 numa história curta promocional (baseada na origem do Hulk), Planetary estreou como uma série regular do selo Wildstorm no primeiro semestre de 1999. Planejada inicialmente como uma revista bimestral de vinte e quatro edições autocontidas, a publicação passou a sofrer atrasos e ganhou três números extras, estendendo-se pelos anos seguintes (no momento em que escrevo este texto, o roteiro para a última edição está pronto e a HQ está sendo enfim desenhada). Sua premissa básica era a seguinte: o que aconteceria se um século de História secreta, envolvendo superpoderes, monstros e maravilhas, começasse a vir à tona? Em outras palavras, uma trama ao estilo de Arquivo-X, porém tendo como base os quadrinhos de super-heróis.

É aí que entram em cena o enigmático Elijah Snow, a superpoderosa Jakita Wagner e o irreverente Baterista, que formam a equipe de campo da Corporação Planetary. Sua missão é percorrer o mundo coletando informações e catalogando fatos que outros parecem interessados em manter longe dos olhos da Humanidade. E à medida que os “arqueólogos do impossível” avançam em sua caça aos mistérios, mais provas apontam para o envolvimento de conspiradores conhecidos como Os Quatro (vilões inspirados no Quarteto Fantástico). A cada passo também, uma nova peça é somada ao quebra-cabeça que liga o passado de Elijah a importantes fatos ocorridos no século 20, bem como à identidade do misterioso Quarto Homem.

Se para Jakita, Baterista e Elijah a verdade tanto pode estar “lá fora”, quanto nos recônditos da memória, Planetary também tem sua frase marcante: “É um mundo estranho. Vamos mantê-lo desse jeito”. E embora muito de sua estrutura tenha sido enunciado já na primeira edição, o fato é que a série cresceu e se transformou ao longo do caminho (o leitor atento pode até notar algumas correções de curso). Há, é claro, algumas falhas narrativas e momentos mais fracos (como a sequência que tenta imitar uma história saída de uma revista pulp). No entanto, à medida que os autores tomavam pé de sua criação, uma intrincada trama foi tomando forma e, ao fim dos dois primeiros anos, o leitor é defrontado com algumas respostas que abrem portas para outros mistérios.

Mas Planetary é muito mais que uma história de conspiração. Um dos elementos que se destaca nas primeiras edições são as releituras de antigos personagens, seguindo o caminho aberto por Alan Moore nas séries Marvelman, Watchmen e 1963 (não é à toa que o mago de Northhampton faz uma “participação especial” na Planetary n°7 e alguns de seus conceitos, como o “Infraspace”, aparecem ao longo da série). Contudo, o trabalho de Warren Ellis possui dimensão e alcance próprios. Partindo de personagens como Fu Manchu, Doc Savage e O Sombra, passando por versões distorcidas ou gloriosas dos heróis da DC, até mergulhar na “mitologia” dos heróis Marvel criados por Stan Lee e Jack Kirby, o roteirista consegue surpreender com enredos originais e inventivos.

Outro destaque de Planetary são as interfaces de linguagens artísticas e o cruzamento de diferentes gêneros. Temos, por exemplo, o encontro de cinema e quadrinhos nas edições dedicadas aos filmes de monstros e de espionagem, ou a intertextualidade de quadrinhos e literatura nos capítulos em que aparecem Tarzan, Sherlock Holmes e Drácula (com direito a uma referência a outra série “extraordinária”). E a diversidade narrativa não pára por aí: histórias de fantasmas e filmes policiais de Hong Kong, épicos chineses e mitologia aborígine, Júlio Verne e Arthur Clarke, Akira e Cavaleiro Solitário são algumas das referências que podemos ver lado a lado nas páginas e edições de Planetary (uma pluralidade que já se percebe em suas variadas capas).

Sendo uma revista que viaja pelos mundos da ficção, Planetary tem a virtude de (quase sempre) manter-se ligada a um contexto realista. Exceto pelos monstros gigantes, a quase totalidade dos mistérios revelados na série não viola sua premissa de poderem ter sido, de alguma forma, mantidos em segredo (bom, consideremos que, no mundo de Planetary, não existe jornalismo investigativo...). Assim, mesmo para os poderes mais incríveis e para as tecnologias mais mirabolantes, existe uma base científica ou uma contextualização histórica, ora nas mais recentes teorias da Física, ora nas conspirações reais da época da Guerra Fria. Neste sentido, o que nasceu como uma atípica revista de super-heróis da Wildstorm evoluiu para uma ficção científica de primeira linha.

O mesmo pode se dizer do visual, que começa como um trabalho eficiente e acaba se tornando algo belo e fascinante (basta comparar a primeira edição e a n°17, por exemplo). A partir do terceiro ano de publicação, os desenhos de John Cassaday e as cores de Laura Martin alcançaram uma qualidade raras vezes vista nos quadrinhos comerciais. Exibindo um realismo dinâmico, seus quadros e páginas trazem uma narrativa “cinemática”, gerando o que já foi chamado de widescreen comics (não é por acaso que algumas cenas de Planetary parecem ter saído de um filme de John Woo ou da trilogia Matrix). E se todo bom roteiro de quadrinhos precisa de um visual adequado, pode-se dizer que é o trabalho de Cassaday e Martin o que torna Planetary de fato uma ótima HQ.

Com boas doses de ação, diálogos na medida e até algum humor, com sua diversidade narrativa, desconstrução de antigos personagens e visual elaborado, Planetary é uma série que merece ser lida. Uma mistura singular de super-heróis, ficção científica, tramas conspiratórias e puro maravilhamento, numa das melhores revistas norte-americanas dos últimos dez anos. Embora a série perca um pouco da força nos últimos capítulos, sua última edição (anunciada para o final do ano) é aguardada com muita expectativa pelos fãs. Enquanto isso, Warren Ellis e John Cassaday colhem os frutos de um bom trabalho, dedicando-se a projetos pessoais e também a personagens mais comerciais, como os heróis mutantes da Marvel.

No Brasil, Planetary teve algumas edições ruins, como as coletâneas em formato reduzido e páginas internas foscas, lançadas pela Devir. Seu melhor momento foi na Pixel Magazine, onde os capítulos 13 a 26 foram lançados com qualidade gráfica adequada. A Pixel também lançou três edições especiais em formato ampliado (Planetary / Batman - Noite na Terra, Planetary / Liga da Justiça - Terra Oculta e Planetary / Authority - Dominando o Mundo) e uma terceira coletânea (Planetary: Deixando o Século 20) no inadequado formato reduzido. Mas há rumores de que a editora possa relançar os primeiros capítulos, seguindo o modelo da absolute edition norte-americana. Para quem ainda não conhece, Planetary vale conferir!

14 comentários:

Marcelo Queiroz disse...

Olá, Wellington

desde que descobri o seu Blog, venho acompanhando sempre os seus comentários sobre quadrinhos, tanto autorais quanto os comerciais.

Parabéns!

Marcelo Queiroz

Wellington Srbek disse...

Valeu, Marcelo! Tentarei manter a qualidade e a periodicidade das postagens. Não deixe de divulgar o Mais Quadrinhos com os amigos. Abraço!

mad to the bone disse...

cara, depois que li o 1o TP de Planetary, corri e encomendei todos os disponíveis...

compro tudo direto dos EUA, e queria saber se a série terminou, ainda sai, etc.

tenho 3 ou 4 TPs e alguns especiais....

abraços

Wellington Srbek disse...

O que tenho também são os 3 TPs que saíram nos EUA (com as revistas 1 a 18), pois as coletâneas lançadas no Brasil são ruins de doer! Mas as edições seguintes (19 a 26) li mesmo na versão lançada na Pixel Magazine.
No momento, Mad, o último capítulo de Planetary está sendo desenhado pelo Cassaday e deve sair nos EUA no fim do ano.
Abraço!

mad to the bone disse...

com q nome saíram essas edições da Pixel? eu preciso achar as q contêm Planetary 19,20,21,22,23!!

eu tenho só 24 e 25 dos EUA...

Wellington Srbek disse...

Saíram na Pixel Magazine, acho que números 7 a 11.

DESBRAVADORES DE LIVROS disse...

Sou fascinada por HQ é sempre excelente os trabalhos.

M&N | Desbrava(dores) de Livros

Pérola disse...

Uma belissima leitura.

beijo

Wellington Srbek disse...

Tem muitos quadrinhos que são realmente excelentes, M&N! Aqui no Mais Quadrinhos tem vários textos sobre HQs que vale a pena conhecer.
Abraços!

Wellington Srbek disse...

Das séries das últimas décadas, "Planetary" foi uma das melhores. Realmente uma ótima leitura, Pérola.
Beijo!

mad to the bone disse...

vou mais longe: Planetary É DE FATO um dos 3 melhores trabalhos DE TODOS OS TEMPOS em HQ na minha opinião.

Wellington Srbek disse...

Aí eu já acho que é um pouco demais, pois existem fantásticos álbuns europeus e quadrinhos clássicos, por exemplo, que entram na certa nessa lista antes de Planetary. Mas sem dúvida é uma grande série.
Abraço!

Unknown disse...

Olá, estou fazendo meu tcc e gostaria de saber sobre a era de bronze dos quadrinhos. Utilizei um artigo seu com base teórica, mas estou precisando ainda dessas informações. Você pode me ajudar?
Grata, desde já.

Wellington Srbek disse...

Olá Robertta,
Muito legal que tenha utilizado um artigo meu e boa sorte com o TCC!
Não entendi bem sua questão, sobre qual informação você precisa... Mas se for algo mais complexo, não sei se poderei ajudar agora, por causa de compromissos pessoais e profissionais.
Abraço!