Diferente do que ocorre no Brasil, pequenas e médias editoras da Espanha investem prioritariamente em quadrinhos de autores nacionais, podendo também lançar produtos estrangeiros. Este é o caso da Diábolo Ediciones que, entre outros lançamentos de quadrinistas espanhóis, publica a antologia de terror Cthulhu. Tive a oportunidade de "intercambiar" alguns de meus quadrinhos pelas duas primeiras edições da revista, que podem ser melhor definidas como pequenos álbuns temáticos reunindo vários autores, HQs, textos e histórias ilustradas.
Coordenada por Lorenzo Pascual e Pilar Lumbreras, Cthulhu tem ótima produção gráfica, com capa plastificada e impressão em papel couché, trazendo 64 páginas de miolo em seu primeiro número e 80 no segundo. O título, é claro, refere-se à monstruosa quimera de polvo e dragão idealizada pelo escritor norte-americano H. P. Lovecraft. Alguns dos trabalhos do primeiro número são diretamente adaptados ou parcialmente inspirados em contos e poemas do autor de “A cor que veio do espaço” e “O chamado de Cthulhu”, não faltando sequer uma página da série El Joven Lovecraft (algo como Calvin feito em Expressionismo Alemão). Já a segunda edição, dedicada a histórias de fantasmas, presta um tributo ao escritor britânico M. R. James, com a adaptação de seus contos e incluindo um artigo sobre as “ghost stories” da Era Vitoriana.
À primeira vista, além da qualidade de impressão, salta aos olhos a diversidade de estilos e técnicas empregados em Cthulhu. De um traço mais fotográfico com meios-tons em computação gráfica, passando por páginas coloridas também em computação, até chegar ao mais puro contraste entre preto & branco, a publicação espanhola consegue manter uma unidade na soma das diferenças. Esta unidade vem da temática comum às histórias de terror, que os autores optam por classificar como “ficção sombria”. Há, é claro, uma variação na qualidade artística e mesmo na capacidade técnica dos autores reunidos. Mas é notável que, mesmo nas HQs mais fracas, há algo de interessante (quer seja uma idéia original, quer seja um desenho inspirado). Isto pode ser atribuído ao próprio fundamento da Cthulhu, que é o de ser uma publicação autoral.
As melhores HQs das duas primeiras edições são as assinadas por Pepe Avilés. Em “Oscuridad”, uma expedição de barco que poderia ter feito parte do filme Tubarão acaba mal quando cruza caminho com uma misteriosa criatura das profundezas. Com boa narrativa visual, que se vale de silêncios e contrastes, o autor consegue construir a tensão, envolvendo o leitor até o arrebatamento final. Já o visual em si conta com desenhos eficientes, alternando contrastes em P&B e meios-tons (a título de comparação, o traço lembra muito o estilo de Dave Gibbons em seus melhores momentos). Fechando a segunda edição, “La Advertencia” apresenta uma técnica ainda mais elaborada, com uma narrativa visual impecável, numa história de fantasmas que, no fim, escapa aos lugares-comuns do gênero. Por tudo isso, Avilés é um autor que vale a pena ser conhecido.
Talvez, porém, o mais surpreendente em Cthulhu n°s 1 e 2 não seja uma de suas HQs, e sim as histórias ilustradas criadas pelo escritor Raule e pela ilustradora Meritxell Ribas. Em “Viaje al Más Allí”, uma menina persegue a misteriosa dama que conduz seu irmão “até o umbral onde tudo termina”. Com textos curtos de quatro versos rimados (quadrinhas), a história de cinco páginas impressiona pelas elaboradas ilustrações (que parecem saídas das melhores animações de Tim Burton, como Vincent ou O Estranho Mundo de Jack). Melhor ainda é a bela, arquetípica e horripilante “En lo profundo del bosque”, com seu texto rimado e preciso, suas ilustrações sombrias e envolventes. Uma vez que as editoras brasileiras interessam-se mais por autores estrangeiros, a bela obra produzida pela dupla Raule e Meritxell seria uma ótima opção.
Em princípio, Cthulhu terá edições semestrais, dependendo da resposta dos leitores. Com seus dois primeiros números, a revista prova que mesmo uma iniciativa modesta pode fazer diferença num mercado dominado por quadrinhos comerciais. O resultado é que todos saem ganhando. A editora, por ter produtos originais e interessantes para vender. Os autores, por terem seus trabalhos publicados. Os leitores, por terem mais opções de quadrinhos para ler. E a arte dos quadrinhos que ganha em nuances, linguagens e olhares regionais ou pessoais, que se sobressaem na produção massificada predominante. Certamente, um exemplo que deveria ser seguido por mais editores mundo afora!
Coordenada por Lorenzo Pascual e Pilar Lumbreras, Cthulhu tem ótima produção gráfica, com capa plastificada e impressão em papel couché, trazendo 64 páginas de miolo em seu primeiro número e 80 no segundo. O título, é claro, refere-se à monstruosa quimera de polvo e dragão idealizada pelo escritor norte-americano H. P. Lovecraft. Alguns dos trabalhos do primeiro número são diretamente adaptados ou parcialmente inspirados em contos e poemas do autor de “A cor que veio do espaço” e “O chamado de Cthulhu”, não faltando sequer uma página da série El Joven Lovecraft (algo como Calvin feito em Expressionismo Alemão). Já a segunda edição, dedicada a histórias de fantasmas, presta um tributo ao escritor britânico M. R. James, com a adaptação de seus contos e incluindo um artigo sobre as “ghost stories” da Era Vitoriana.
À primeira vista, além da qualidade de impressão, salta aos olhos a diversidade de estilos e técnicas empregados em Cthulhu. De um traço mais fotográfico com meios-tons em computação gráfica, passando por páginas coloridas também em computação, até chegar ao mais puro contraste entre preto & branco, a publicação espanhola consegue manter uma unidade na soma das diferenças. Esta unidade vem da temática comum às histórias de terror, que os autores optam por classificar como “ficção sombria”. Há, é claro, uma variação na qualidade artística e mesmo na capacidade técnica dos autores reunidos. Mas é notável que, mesmo nas HQs mais fracas, há algo de interessante (quer seja uma idéia original, quer seja um desenho inspirado). Isto pode ser atribuído ao próprio fundamento da Cthulhu, que é o de ser uma publicação autoral.
As melhores HQs das duas primeiras edições são as assinadas por Pepe Avilés. Em “Oscuridad”, uma expedição de barco que poderia ter feito parte do filme Tubarão acaba mal quando cruza caminho com uma misteriosa criatura das profundezas. Com boa narrativa visual, que se vale de silêncios e contrastes, o autor consegue construir a tensão, envolvendo o leitor até o arrebatamento final. Já o visual em si conta com desenhos eficientes, alternando contrastes em P&B e meios-tons (a título de comparação, o traço lembra muito o estilo de Dave Gibbons em seus melhores momentos). Fechando a segunda edição, “La Advertencia” apresenta uma técnica ainda mais elaborada, com uma narrativa visual impecável, numa história de fantasmas que, no fim, escapa aos lugares-comuns do gênero. Por tudo isso, Avilés é um autor que vale a pena ser conhecido.
Talvez, porém, o mais surpreendente em Cthulhu n°s 1 e 2 não seja uma de suas HQs, e sim as histórias ilustradas criadas pelo escritor Raule e pela ilustradora Meritxell Ribas. Em “Viaje al Más Allí”, uma menina persegue a misteriosa dama que conduz seu irmão “até o umbral onde tudo termina”. Com textos curtos de quatro versos rimados (quadrinhas), a história de cinco páginas impressiona pelas elaboradas ilustrações (que parecem saídas das melhores animações de Tim Burton, como Vincent ou O Estranho Mundo de Jack). Melhor ainda é a bela, arquetípica e horripilante “En lo profundo del bosque”, com seu texto rimado e preciso, suas ilustrações sombrias e envolventes. Uma vez que as editoras brasileiras interessam-se mais por autores estrangeiros, a bela obra produzida pela dupla Raule e Meritxell seria uma ótima opção.
Em princípio, Cthulhu terá edições semestrais, dependendo da resposta dos leitores. Com seus dois primeiros números, a revista prova que mesmo uma iniciativa modesta pode fazer diferença num mercado dominado por quadrinhos comerciais. O resultado é que todos saem ganhando. A editora, por ter produtos originais e interessantes para vender. Os autores, por terem seus trabalhos publicados. Os leitores, por terem mais opções de quadrinhos para ler. E a arte dos quadrinhos que ganha em nuances, linguagens e olhares regionais ou pessoais, que se sobressaem na produção massificada predominante. Certamente, um exemplo que deveria ser seguido por mais editores mundo afora!
4 comentários:
Em Portugal, um grupo de amadores, alguns meus companheiros noutros projectos, prepara-se para lançar no fim deste mês a HQ "Murmúrios das Profundezas", de inspiração lovecraftiana.
O link para o blog do projecto:
http://murmuriosdasprofundezas.blogspot.com/
Olá Gustavo,
Parece que Lovecraft realmente inspira os quadrinistas. Já tínhamos os trabalhos de Moebius, Druillet, Breccia, Moore e agora dos novos autores ibéricos. Vou conferir o blog de teus amigos. Grande abraço!
Não me agrada essa corrente de opinião que fala de criar quadrinhos comerciais como um primeiro passo para obter uma indústria. Em Espanha é comum falar disso mas eu não creio que esse seja um caminho.Um caminho muito velho e enferrujado que não atrairá a pessoas que não lessem antes esse tipo de histórias.
Ainda que só seja um simples leitor ao seguir o trabalho de Bernet como progrediu desde comics comerciais no seu tempo em Alemanha como Andrax até Torpedo, Kraken ou IvanPire, quadrinhos bem mais conhecidos hoje por autorais do que por sua adscrição a um gênero. Ao igual que as histórias desta revista resultam sugestivas por ser obras pessoais.
As empresas Marvel e DC abandonam o sistema de criação de quadrinhos em série sempre que sua ingente produção o permite. E se entram em crise de vendas procuram autores. Eu creio que um suporte comercial que persegue unicamente o entretenimento quiçá requer maiores investimentos para sua própria manutenção. Um circuito fechado mantido artificialmente de difícil implantação em Espanha. Por isso sigo com entusiasmo esta revista, por trás dela há artistas que melhores ou piores sempre trabalham com suas próprias percepções e registos vitais.
Gustame ver de falar dos 'tebeos' noutras terras.
Hola amigo Ismael!
Sim, o caráter autoral e a qualidade editorial de CTHULHU foram os elementos que mais se destacaram para mim. Desejo a ela e à Diábolo vida longa e muito sucesso!
Postar um comentário