29/06/2008

Local, mais um bom álbum autoral da Devir.


Ao longo dos anos, a Devir notabilizou-se pela publicação de álbuns autorais. O melhor exemplo disso são os álbuns de Lourenço Mutarelli, publicados pela editora a partir dos anos 90. O mais recente lançamento nessa linha é Local: Ponto de Partida, primeiro de dois volumes com a série criada pelos norte-americanos Brian Wood e Ryan Kelly.

Lançados por uma pequena editora, entre 2005 e 2006, os seis capítulos reunidos nessa edição são na verdade seis HQs autocontidas, que têm alguns pontos em comum. A exploração de diferentes possibilidades narrativas de acordo com a temática da história, os ótimos desenhos com contrastes e texturas reticuladas, o fato de cada capítulo se passar numa cidade da América do Norte e a presença da personagem Megan McKeenan são alguns desses fatores comuns.

Embora não seja necessariamente o “fio condutor” da narrativa, Megan é o principal ponto de interseção das histórias, aparecendo em geral como protagonista, mas também como mera coadjuvante, testemunha ou vítima. Cada capítulo avança um ano na vida da personagem, ao passo que ela muda de cidade para cidade, evolvendo-se em situações complicas ou até perigosas, e demonstrando dificuldade em estabelecer relacionamentos duradouros.

Conhecido no Brasil pela série DMZ da Vertigo, em Local Brian Wood demonstra boa habilidade narrativa e capacidade de imprimir verossimilhança às personagens. Sem efeitos bombásticos ou pirotecnias surpreendentes, o roteirista utiliza a ambientação e os elementos cotidianos para contar histórias críveis e originais. Embora a qualidade varie ao longo dos capítulos, sendo o primeiro e o terceiro de longe os melhores, o saldo geral é positivo.

Mas, certamente, Local não seria tão interessante e eficiente sem os desenhos de Ryan Kelly, também conhecido no Brasil por trabalhos para o selo Vertigo. Seu desenho lembra uma mistura de Paul Pope e Joe Sacco, mas tem expressividade e caráter próprios. Sua habilidade técnica mostra-se indispensável para a condução da narrativa, deixando a desejar apenas em algumas diferenciações fisionômicas de personagens masculinos.

Um dos elementos que fundamentam a série Local é o fato de cada capítulo se passar numa diferente cidade dos Estados Unidos ou Canadá. Mas o que deve despertar interesse em leitores desses países acaba se tornando um “ruído” para o leitor estrangeiro, que não tem as mesmas referências locais. Somam-se a isso as dispensáveis notas contextuais e observações dos autores após as HQs, apesar de as páginas de esboços serem um acréscimo interessante.

Para além de quaisquer problemas de identificação, a ambientação urbana das histórias torna-as acessíveis a qualquer leitor. E se os autores ainda nos dizem qual a “trilha sonora” para cada capítulo, as eventuais associações entre quadrinhos, cinema e música acrescentam um tom contemporâneo ao trabalho. Local até parece uma HQ da Vertigo, na qual o sobrenatural e a fantasia foram substituídos por elementos cotidianos e clima de rock.

Enfim, com algumas histórias interessantes, originalidade narrativa e bons desenhos, Local: Ponto de Partida é sem dúvida uma boa pedida. A edição, que traz alguns deslizes de revisão, tem 200 páginas em formato 16,5cm x 24cm, sendo vendida a R$32,00.

2 comentários:

Gustavo Carreira (requiem) disse...

Caro Wellington, deixo-te, na sequência da entrevista a Serpieri, o link para um blog português onde consta uma excelente matéria sobre HQ's eróticas.

http://refensdabd.blogspot.com/

Wellington Srbek disse...

O blog realmente vale uma conferida, e obrigado por divulgar o Mais Quadrinhos lá, Gustavo.