Seria muito difícil e até mesmo fútil apontar qual a melhor história em quadrinhos que já li. Para uma arte tão diversificada e abrangente, não faltariam motivos para escolher ora um, ora outro trabalho. Mas certamente posso dizer quais são minhas HQs preferidas. Neste caso, no topo da lista estariam as primeiras histórias produzidas pelo trio Alan Moore, Steve Bissette e John Totleben para o personagem Swamp Thing da DC Comics. Publicada este ano pela Pixel, A Saga do Monstro do Pântano traz oito histórias lançadas em 1984, num volume com capa dura, papel especial e ótima impressão. Fazendo jus à importância e à qualidade da obra, essa luxuosa edição é a única no mundo a trazer a história “Pontas Soltas”, até então inédita no Brasil. O livro tem preço de lançamento de R$54,00, mas pode ser comprado com desconto aqui.
A primeira vez que li as histórias de Alan Moore para o Monstro do Pântano foi em 1994, nos exemplares em formatinho da editora Abril, emprestados por um amigo. Para mim, a leitura daquelas HQs foi como uma epifania! Até então, eu não tinha visto nada comprável àquela capacidade de inventar e jogar com as passagens de quadros e páginas, de criar uma atmosfera envolvente e um propósito mais profundo para as histórias. Algum tempo depois, comprei a coletânea The Saga of the Swamp Thing e descobri que as revistas em formatinho não apenas reduziam o tamanho dos desenhos, mas também traziam cortes no texto de legendas e balões. Ler a série no original só reforçou e ampliou minha admiração pelo trabalho. Nos últimos dez anos, aquelas histórias voltariam a ser publicadas no Brasil (pela Metal Pesado e pela Brain Store), dessa vez em P&B, formato americano e com texto mais completo. Porém, nenhuma dessas edições se compara à mais recente, pela Pixel.
Além das HQs publicadas em The Saga of the Swamp Thing n°s 20 a 27, o volume de 196 páginas traz uma introdução escrita por Alan Moore e uma pertinente (mas um tanto incompleta) seção de "Notas do Pântano". Na história de abertura, “Pontas Soltas”, desenhada por Dan Day e John Totleben, o roteirista inglês limpa o terreno (eliminando situações e coadjuvantes indesejados) para implantar as mudanças que planejava. Basicamente, Moore mata o Monstro do Pântano (como também fez com o Capitão Britânia) para depois, usando uma abordagem “desconstrutivista”, reinventá-lo completamente. E é exatamente esse o propósito de “A Lição de Anatomia”, um marco dos quadrinhos norte-americanos, que lançou as sementes de alguns dos movimentos e revistas mais importantes das últimas décadas (a série The Sandman e o selo Vertigo, por exemplo).
Fazendo referência ao famoso quadro de Rembrandt: A Lição de Anatomia do Doutor Tulp, a segunda história de Moore para o Monstro do Pântano é uma verdadeira aula de quadrinhos. Usando como pretexto uma seção de autópsia, o roteirista faz uma dissecação da suposta origem do personagem, substituindo-a no final por outra explicação, mais racionalista e incrivelmente inventiva. No capítulo seguinte, o processo de reinvenção é aprofundado, e encontramos o incomum herói “Imerso” no pântano que é seu lar, enquanto sua mente vagueia em sonhos e revisões de seu passado. Não faltando citações ao monstro de Frankenstein, a fonte literária mais marcante aqui é, na verdade, Hamlet de William Shakespeare, do qual Moore pegou emprestado o emblemático diálogo com uma caveira (símbolo de humanidade) e a cena de um banquete de vermes (que na HQ ganha outro significado, relacionado à nova origem do personagem).
Já em “Um outro mundo verde” a viagem de auto-conhecimento do Monstro do Pântano segue por um plano mais metafísico, levando-o a entrar em contato pela primeira vez com o Verde (uma dimensão relacionada às fontes vitais do planeta). Com o título tirado de um disco do músico inglês Brian Eno (que Moore considera a maior influência em sua abordagem dos quadrinhos), o capítulo marca o início da militância ecológica do personagem. Este é também o momento em que a série começa a realmente fincar raízes no terror, pela perspectiva em que o roteirista via esse gênero, tendo como referência o trabalho de escritores como Stephen King e Peter Straub (que, em 1984, lançariam em parceria o livro O Talismã).
Mas nem só de monstros e coisas terríveis se faz A Saga do Monstro do Pântano. Afinal, o capítulo seguinte já mostra as “Raízes” de outro elemento fundamental para a fase de Alan Moore na Swamp Thing: o envolvimento amoroso entre o personagem e a bela Abigail. O relacionamento dos dois se desenvolve no capítulo seguinte, que introduz novos monstros à história, e cujo título foi emprestado da gravura “O sonho da razão produz monstros” do artista espanhol Francisco de Goya (um dos mestres da arte grotesca no Ocidente). Já nos últimos capítulos do volume, “...um tempo de correr...” e “...por demônios guiado”, o roteirista põe à prova sua proposta de um novo quadrinho de terror, explicada por ele numa entrevista em vídeo da época: “Para realmente assustar as pessoas, você deve de alguma forma basear o terror nas experiências delas, em coisas das quais elas tenham medo”.
No que diz respeito ao visual, A Saga do Monstro do Pântano também não deixa a desejar. Contando com a talentosíssima dupla Steve Bissette e John Totleben (além do auxílio de Rick Veitch em alguns momentos), as HQs trazem desenhos expressivos e diagramações diversificadas que só contribuem para dar ritmo e ambientação às histórias. Diga-se de passagem, o que se estabeleceu entre Moore, Bissette e Totleben foi de fato uma colaboração criativa, pois enquanto o roteirista influía nas escolhas de enquadramentos, os desenhistas traziam idéias e sugestões para os enredos. Bons exemplos são a participação do personagem Etrigan (uma sugestão dos desenhistas em homenagem ao mestre Jack Kirby) e posteriormente a criação do personagem John Constantine (já que os artistas queriam desenhar um personagem inspirado no cantor Sting, na época envolvido em campanhas ecológicas).
Talvez este texto explique porque A Saga do Monstro do Pântano é minha história em quadrinhos preferida. Com ela teve início a trajetória de Alan Moore à frente da Swamp Thing, um trabalho que o levaria à consagração no mercado norte-americano e abriria espaço para produzir a importantíssima Watchmen. A Pixel programou o lançamento do próximo volume da série para o primeiro semestre de 2008. Para os antigos fãs, esta será uma oportunidade para ter essas HQs em edições à altura. Para aqueles que ainda não leram, é uma oportunidade imperdível para conhecer um trabalho inaugural. E quem sabe A Saga do Monstro do Pântano também não se torna a sua história em quadrinhos preferida?
Para saber mais sobre Alan Moore e Monstro do Pântano, clique nas palavras em destaque abaixo.
A primeira vez que li as histórias de Alan Moore para o Monstro do Pântano foi em 1994, nos exemplares em formatinho da editora Abril, emprestados por um amigo. Para mim, a leitura daquelas HQs foi como uma epifania! Até então, eu não tinha visto nada comprável àquela capacidade de inventar e jogar com as passagens de quadros e páginas, de criar uma atmosfera envolvente e um propósito mais profundo para as histórias. Algum tempo depois, comprei a coletânea The Saga of the Swamp Thing e descobri que as revistas em formatinho não apenas reduziam o tamanho dos desenhos, mas também traziam cortes no texto de legendas e balões. Ler a série no original só reforçou e ampliou minha admiração pelo trabalho. Nos últimos dez anos, aquelas histórias voltariam a ser publicadas no Brasil (pela Metal Pesado e pela Brain Store), dessa vez em P&B, formato americano e com texto mais completo. Porém, nenhuma dessas edições se compara à mais recente, pela Pixel.
Além das HQs publicadas em The Saga of the Swamp Thing n°s 20 a 27, o volume de 196 páginas traz uma introdução escrita por Alan Moore e uma pertinente (mas um tanto incompleta) seção de "Notas do Pântano". Na história de abertura, “Pontas Soltas”, desenhada por Dan Day e John Totleben, o roteirista inglês limpa o terreno (eliminando situações e coadjuvantes indesejados) para implantar as mudanças que planejava. Basicamente, Moore mata o Monstro do Pântano (como também fez com o Capitão Britânia) para depois, usando uma abordagem “desconstrutivista”, reinventá-lo completamente. E é exatamente esse o propósito de “A Lição de Anatomia”, um marco dos quadrinhos norte-americanos, que lançou as sementes de alguns dos movimentos e revistas mais importantes das últimas décadas (a série The Sandman e o selo Vertigo, por exemplo).
Fazendo referência ao famoso quadro de Rembrandt: A Lição de Anatomia do Doutor Tulp, a segunda história de Moore para o Monstro do Pântano é uma verdadeira aula de quadrinhos. Usando como pretexto uma seção de autópsia, o roteirista faz uma dissecação da suposta origem do personagem, substituindo-a no final por outra explicação, mais racionalista e incrivelmente inventiva. No capítulo seguinte, o processo de reinvenção é aprofundado, e encontramos o incomum herói “Imerso” no pântano que é seu lar, enquanto sua mente vagueia em sonhos e revisões de seu passado. Não faltando citações ao monstro de Frankenstein, a fonte literária mais marcante aqui é, na verdade, Hamlet de William Shakespeare, do qual Moore pegou emprestado o emblemático diálogo com uma caveira (símbolo de humanidade) e a cena de um banquete de vermes (que na HQ ganha outro significado, relacionado à nova origem do personagem).
Já em “Um outro mundo verde” a viagem de auto-conhecimento do Monstro do Pântano segue por um plano mais metafísico, levando-o a entrar em contato pela primeira vez com o Verde (uma dimensão relacionada às fontes vitais do planeta). Com o título tirado de um disco do músico inglês Brian Eno (que Moore considera a maior influência em sua abordagem dos quadrinhos), o capítulo marca o início da militância ecológica do personagem. Este é também o momento em que a série começa a realmente fincar raízes no terror, pela perspectiva em que o roteirista via esse gênero, tendo como referência o trabalho de escritores como Stephen King e Peter Straub (que, em 1984, lançariam em parceria o livro O Talismã).
Mas nem só de monstros e coisas terríveis se faz A Saga do Monstro do Pântano. Afinal, o capítulo seguinte já mostra as “Raízes” de outro elemento fundamental para a fase de Alan Moore na Swamp Thing: o envolvimento amoroso entre o personagem e a bela Abigail. O relacionamento dos dois se desenvolve no capítulo seguinte, que introduz novos monstros à história, e cujo título foi emprestado da gravura “O sonho da razão produz monstros” do artista espanhol Francisco de Goya (um dos mestres da arte grotesca no Ocidente). Já nos últimos capítulos do volume, “...um tempo de correr...” e “...por demônios guiado”, o roteirista põe à prova sua proposta de um novo quadrinho de terror, explicada por ele numa entrevista em vídeo da época: “Para realmente assustar as pessoas, você deve de alguma forma basear o terror nas experiências delas, em coisas das quais elas tenham medo”.
No que diz respeito ao visual, A Saga do Monstro do Pântano também não deixa a desejar. Contando com a talentosíssima dupla Steve Bissette e John Totleben (além do auxílio de Rick Veitch em alguns momentos), as HQs trazem desenhos expressivos e diagramações diversificadas que só contribuem para dar ritmo e ambientação às histórias. Diga-se de passagem, o que se estabeleceu entre Moore, Bissette e Totleben foi de fato uma colaboração criativa, pois enquanto o roteirista influía nas escolhas de enquadramentos, os desenhistas traziam idéias e sugestões para os enredos. Bons exemplos são a participação do personagem Etrigan (uma sugestão dos desenhistas em homenagem ao mestre Jack Kirby) e posteriormente a criação do personagem John Constantine (já que os artistas queriam desenhar um personagem inspirado no cantor Sting, na época envolvido em campanhas ecológicas).
Talvez este texto explique porque A Saga do Monstro do Pântano é minha história em quadrinhos preferida. Com ela teve início a trajetória de Alan Moore à frente da Swamp Thing, um trabalho que o levaria à consagração no mercado norte-americano e abriria espaço para produzir a importantíssima Watchmen. A Pixel programou o lançamento do próximo volume da série para o primeiro semestre de 2008. Para os antigos fãs, esta será uma oportunidade para ter essas HQs em edições à altura. Para aqueles que ainda não leram, é uma oportunidade imperdível para conhecer um trabalho inaugural. E quem sabe A Saga do Monstro do Pântano também não se torna a sua história em quadrinhos preferida?
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3 comentários:
Por mero acaso, ando a ler os TPB, em inglês, de "Swamp Thing" do Moore (vou iniciar o 3º) e estou a gostar muito. Só fiquei com inveja vossa ao saber que essas edições da Pixel são em papel de luxo, ao contrário do papel de jornal usado pela Vertigo :(
Olá Gustavo,
Eu também tenho a coleção completa nos TPs da Vertigo, que não têm capa dura, mas têm a vantagem do texto original de Moore, sem passar pelas interências dos tradutores, que nem sempre acertam. Uma história bem especial que virá à frente em sua leitura é LOVING THE ALIEN. Uma das minhas preferidas!
Definitivamente a Pixel que me deixar pobre e maluco de vez !
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