08/12/2007

Fun Home, um retrato de família nada comum.


Dando continuidade à proposta de publicar quadrinhos autorais numa linha mais alternativa, a Conrad está lançando Fun Home - Uma Tragicomédia em Família. Escrito e desenhado por Alison Bechdel, o livro é um relato autobiográfico sem muitos pudores ou meias-palavras. Ganhador do Eisner Award de Melhor Não-Ficção, com 240 páginas, formato 16cm x 23cm, o livro tem o preço de R$ 42,90 e pode ser comprado com desconto na loja da editora.

Filha de professores de literatura, Alison e seus dois irmãos passaram os primeiros anos de vida numa casa do século 19, que seu pai compulsivamente reformava e decorava. Havia também a residência dos avós paternos, a Casa Funerária que dá título ao livro, na qual as crianças tinham contato direto com cadáveres e apetrechos de embalsamamento. Crescendo num ambiente familiar sem muito carinho ou atenção, a autora identificava-se com a Vandinha da Família Addams e, desde cedo, começou a notar que seus gostos e comportamento não correspondiam aos padrões esperados de uma menina. Já na juventude, quando finalmente escapou do ambiente sufocante de seu lar, Alison descobriu sua homossexualidade, mas acabou arrastada de volta à sombra de seu pai. Morto em circunstâncias não completamente explicadas, Bruce Bechdel deixa para trás uma velha casa em estilo neogótico e muitos segredos envolvendo sua própria homossexualidade.

Com um texto elaborado e repleto de referências literárias, detalhados desenhos em um estilo próximo ao cartum e aquarelados em tom verde, Fun Home revela-se um trabalho de fôlego e coragem. Em alguns pontos, a identificação visual dos personagens poderia ser mais marcada e no geral a obra segue divisões de página muito regulares, o que às vezes dá a impressão de se tratar mais de uma “história ilustrada” do que propriamente uma história em quadrinhos. Apesar disso, a reconstituição de diferentes décadas e ambientes, a representação de fotografias, mapas, diários e páginas de livros dão à HQ o caráter de autêntico retrato de uma família e sociedade. Partindo de referências à mitologia grega, passando Albert Camus, Oscar Wilde, Marcel Proust e James Joyce, o relato autobiográfico de Alison Bechdel é uma vida que se conta através de personagens e citações literárias. Esta característica, aliás, só reforça a autenticidade do livro, uma vez que a autora se refere à sua vida na antiga casa como: “uma natureza morta com crianças”.

O subtítulo Uma Tragicomédia em Família, parece mais uma opção editorial que realmente uma escolha autoral. Quadrinho escrito para um público adulto, com uma abordagem direta de temas considerados tabus, Fun Home não tem muito de “tragédia” e certamente quase nada de “comédia”. Definível como um “drama” sem sentimentalismos, o livro nos lembra que as aparências enganam e que amor e dedicação não são complementos inseparáveis dos termos “família” e “pai”. Seguindo a linha dos quadrinhos autobiográficos, gênero que tem Robert Crumb como um de seus expoentes e Maus de Art Spiegelman como obra-prima, Fun Home é uma história para gente grande, que fala de temas sérios sem rodeios. O trabalho de uma autora corajosa, feito com amor e dedicação.

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