01/12/2007

Uma entrevista com o mestre Colin.


Flavio Colin é um dos mais importantes nomes da história dos quadrinhos. Se o mercado nacional não fosse monopolizado pelos enlatados ianques, nipônicos e tupiniquins (se nas bancas realmente houvesse espaço para HQs com temática adulta e estilo original), certamente Colin teria alcançado o merecido reconhecimento. Afinal, ao lado de gênios como Will Eisner, Jack Kirby, Osamu Tezuka, Moebius e Hugo Pratt, Flavio Colin é um dos grandes artistas da história dos quadrinhos. Um mestre que deveria dispensar qualquer apresentação. Fiquem então com esta “singela entrevista” que ele me concedeu por carta, em 1998, pouco depois de concluirmos o álbum Estórias Gerais.

Começarei com uma pergunta que costumo fazer em entrevistas: como criador, o que são os quadrinhos para o senhor?

Os quadrinhos são uma arte verdadeira, difícil e desgastante, pois muitas vezes se realiza em sequência, desdobrando-se em inúmeros episódios e aventuras. É também uma arte fascinante, que tem se afirmado no mundo todo até hoje, apesar do cinema e da tevê. Como arte e como divulgação e cultura, tornou-se tão importante que atraiu, através de várias gerações, brilhantes roteiristas e desenhistas geniais. É um meio de comunicação fundamental.

O que o levou a se tornar um desenhista de quadrinhos?

Ingressei nos quadrinhos por gostar de desenhar e de ouvir e contar histórias.

Qual a razão da preferência pelas temáticas da cultura popular e da história do Brasil?

Não sou xenófobo, mas prefiro temas nacionais, não só por uma questão de patriotismo (sem ufanismos exagerados), como também por constatar uma geral e lamentável desinformação do povo brasileiro sobre o Brasil. Além disso, tendo dimensões continentais, nosso país encerra em seu território tipos e costumes dos mais variados e curiosos, às paisagens mais belas e contrastantes. Nossa história está cheia de episódios incríveis, coloridos, dramáticos e românticos que prestam (muitas vezes até pela originalidade) a inesgotáveis roteiros para quadrinhos; enriquecidos ainda pela fabulosa galeria de personagens. Que interessantíssimas histórias em quadrinhos dariam os milhares de “causos” narrados pelo povo, por todo o nosso território! Se revistas com estes temas fossem publicadas, nosso povo teria, certamente, mais respeito e carinho por si próprio e se sentiria gratificado, sem a obrigatoriedade de recorrer à cultura e propaganda exóticas e idolatrar figuras que nada têm a ver conosco.

Num país como o Brasil, qual deve ser o papel dos autores de quadrinhos?

Somos, infelizmente, um país de milhões de analfabetos e semi-alfabetizados. Os livros são caros e escassamente ilustrados. Os quadrinhos (texto curto, objetivo e com muito espaço para o desenho) destacam-se como divertimento, informação e cultura. Este deve ser o objetivo dos criadores de quadrinhos. Nada de didatismos sisudos de difícil assimilação. A criatividade, a concisão, a simplicidade e a eficiência são fundamentais. A informação correta e inteligente facilita a comercialização do produto.

Quais sugestões o senhor daria para quem deseja se tornar um quadrinista?

Sendo uma arte difícil, os quadrinhos devem levar o roteirista e o desenhista (este principalmente) a procurar conhecer o mais profundamente possível a técnica necessária. Ler bastante e atualizar-se, praticar continuamente, buscando o aprimoramento do traço e a consolidação do estilo.

Considerando três elementos: autores, editoras e público, por que os quadrinhos nacionais até hoje não conseguiram se estabelecer?

Acho que os quadrinhos nacionais não se firmaram no Brasil por vários motivos, entre os quais (e principalmente) o fato de termos sido sufocados ainda no berço pelo quadrinho norte-americano, melhor estruturado comercialmente e tecnicamente mais evoluído. E também pela facilidade e baixo custo com que o material importado entra em nossa casa, roubando o pão de nossas bocas. Pelo que sei, é mais cômodo e lucrativo importar quadrinhos produzidos por entidades já organizadas, do que montar esse tipo de organização aqui dentro. Por que fazer se pode-se comprar pronto? Se o produto for bom, até se admite a importação, embora eu esteja certo de que podemos fazer o mesmo com os roteiristas e desenhistas nativos. Mas a maior parte do que o leitor compra nas bancas (e adora) é de qualidade pra lá de duvidosa. E como está alienado há décadas, desdenha o produto nacional, simplesmente porque o desconhece. É o “não provei e não gostei”. Espero que os jovens roteiristas e desenhistas brasileiros consigam um dia mudar esta mentalidade, podendo sobreviver profissionalmente com dignidade e justo retorno financeiro.

O senhor participou de movimentos em defesa do quadrinho nacional, que incluíam propostas como a reserva de mercado. Na sua opinião, qual seria a forma dos autores nacionais terem espaço nas revistas e bancas?

Todo movimento em prol da nacionalização dos quadrinhos fracassou e fracassará por incapacidade de transpor e demolir a sólida muralha da alienação e da acomodação de nossas editoras carentes de patriotismo e coragem. Mas, o produto nacional, se bem produzido e editado, também dará resultado financeiro compensador.

Que autores de quadrinhos o senhor admira?

Prefiro não citar nomes para não cometer injustiças, ensejar má interpretação e ressentimentos. Admiro alguns desenhistas e roteiristas meus companheiros de profissão. É baseado no trabalho e no talento deles que condeno o descaso e a alienação dos editores de quadrinhos no Brasil. Eles são a evidência clara de que possuímos técnica e competência para nos nivelarmos ao que de melhor as editoras insistem em importar. Que importem, mas nos publiquem!

Finalizando, o que os quadrinhos lhe trouxeram?

Não gostaria de concluir esta singela entrevista externando o meu rancor e a minha desilusão em relação aos quadrinhos brasileiros. A minha revolta contra o bloqueio do meu trabalho e o pagamento mesquinho que me oferecem, mais a humilhação e desgastes que sofri não devem servir de exemplo. Apesar de tudo, vacilos e desenganos, desenhar quadrinhos sempre me trouxe muita satisfação (pelo menos enquanto estou à prancheta) e, sobretudo, a alegria de realizar um trabalho que amo. Sob este aspecto, sinto-me plenamente gratificado, por isso ainda não desisti. Até quando? Não sei.

2 comentários:

Anônimo disse...

Wellington, vasculhando teu blog encontrei essa entrevista e pude conhecer um pouco mais sobre o Mestre Colin, este muito admirado por diversos blogueiros os quais costumo acompanhar as publicações. Não vou mentir, passei a conhecer seu trabalho em Fantasmagoriana, pois desconhecia essa produção nacional (eu e quantos... a frustração do artista não é infundada). Vou compartilhar o link :)

Wellington Srbek disse...

Olá Fernanda,
Obrigado pela visita! E legal que tenha descoberto a entrevista que fiz com o grande Mestre Colin.
No link a seguir você encontrará muitas outras postagens sobre meu trabalho com ele e também sobre a importância dele para os quadrinhos brasileiros:
http://maisquadrinhos.blogspot.com.br/search/label/Flavio%20Colin
Grande abraço e boas leituras!