01/12/2007

Mozart Couto, um maestro dos quadrinhos.


Os quadrinhos brasileiros sempre se destacaram pela qualidade excepcional dos desenhos. Não importando o tema ou o gênero do roteiro, nossas HQs sempre se notabilizaram pelo talento de seus desenhistas. Um exemplo é o desenhista Mozart Couto. Com um traço original, que tanto se adapta ao clima sombrio das histórias de terror, quanto à luminosidade épica das histórias de ficção & fantasia, Mozart tornou-se um dos nomes mais conhecidos de nossos quadrinhos. Um verdadeiro maestro de uma sinfonia de cores, luzes e sombras. Saiba um pouco mais sobre este artista e sua obra nesta entrevista exclusiva concedida em 2001.

Fale-nos de como você descobriu os quadrinhos, e quando decidiu tornar-se um quadrinista.

Desde bem criança, gostava de quadrinhos. Várias pessoas na minha família gostavam (por parte de pai e de mãe; aliás, meus pais leram muito quadrinhos na infância), e isso acabou contribuindo para que eu começasse bem cedo a pensar que seria um quadrinista. Com dezesseis anos, acho que comecei a acreditar que seria quadrinista, só não sabia como, nem a quem procurar. Com dezessete ou dezoito, mandei material para a Ebal que recusou. Um ano depois descobri as revistas da Grafipar nas bancas, abertas à colaboração de autores nacionais, daí, enviei umas histórias e entrei para o quadro de colaboradores.

Inicialmente você se tornou mais conhecido pelas HQs de terror. A opção por este gênero foi uma escolha pessoal ou uma imposição do mercado (como aconteceu com outros quadrinistas brasileiros)?

Nem tanto. Eu gostava de fazer coisas do gênero. Queria fazer um terror um pouco diferente daquelas histórias clássicas de vampiros e lobisomens, mas eu gostava. Já o erótico, sempre fiz por exigência do mercado.

Atualmente o gênero ficção & fantasia caracteriza a maioria de suas HQs. Através destes quadrinhos, o que você pretende expressar?

Um universo (a ser explorado) que o ser humano ainda não explorou com o cuidado necessário. Todo um universo ligado ao que trazemos no nosso inconsciente individual e coletivo.

Mesmo num estilo “acadêmico” e em gêneros específicos (como terror ou ficção), seus desenhos nascem de um traço muito original. Quem foram seus mestres? Fale-nos um pouco deles.

Foram muitos, desde os conhecidos desenhistas de super-heróis dos anos 60/70, até os líderes da “revolução francesa” da Métal Hurlant, como Moebius, e mais recentemente, autores japoneses. Os brasileiros da época do Shimamoto, Colin, Jayme Cortez, Seto, também têm sua parcela de “culpa” nessa história. Aliás, desde muito cedo eu dividia meu interesse pelas histórias do Horácio, do Maurício de Sousa, com os personagens de Disney e Pernalonga, pouco depois passei a me interessar pelos heróis, e pelas revistas de terror publicadas em São Paulo naquela época, só com autores brasileiros.

Sendo um dos desenhistas mais talentosos dos quadrinhos, a que você atribui o fato de vermos tão raramente seus trabalhos?

Por uma razão muito simples: não temos mercado sólido de HQ no Brasil. Temos revistas variadas, publicações “flutuantes”, algumas já estabelecidas porque dirigidas para um público específico, mas não temos um mercado que possa dar espaço mais constante para um quadrinista que gosta de trabalhar com HQ adulta e de ficção.

Qual seria o caminho para a produção brasileira conquistar o devido espaço e o merecido reconhecimento?

Isso é muito difícil de responder, mas acho que leitores, autores e editores têm que pensar parecido. Conseguirem se desvencilhar dos parâmetros que usam para determinar o que é “bom” (muita gente ainda pensa que o que é “bom” é só o que os americanos fazem), e partirem para uma produção livre. Mas o leitor precisa estar aberto para o que verá, e aprender a gostar desse “quadrinho diferente” que pode aparecer. O resto ficaria por conta de resolver problemas de investimentos e retornos financeiros.

Você lançou um saite com seus trabalhos. A Internet é uma opção para a profissionalização dos quadrinhos brasileiros, ou apenas mais um meio de divulgação de nossos talentos?

Por enquanto tenho visto como meio de divulgação, mas penso que a profissionalização pode surgir na medida em que os meios atuais de acesso melhorarem, o comércio eletrônico ficar mais comumente usado e que novas formas de veiculação dos quadrinhos por esse meio forem sendo criadas. Mas isso ainda está muito confuso porque está muito novo.

Em algumas de suas HQs, há referências à cultura oriental. Sua trajetória como autor de quadrinhos reflete uma espécie de busca espiritual?

Sim. Eu penso que na Índia se foi mais longe a nível de “viagem interior”. O pensamento oriental, principalmente o indiano, dos yogues, sempre esteve muito arraigado naturalmente em mim, mesmo antes de eu ter acesso a essas leituras. Já passei por várias fases nessa “busca”, e isso refletiu nos meus quadrinhos, às vezes de forma metafórica, noutras de forma mais explícita. Eu continuo nesse “processo”, e você pode ver isso na minha HQ “Koan”, que está em minha homepage. Tenho, além dessa, outras histórias bem atuais e inéditas, que mostram não só minhas transformações internas como transformações na própria técnica de desenhar e escrever, resultantes das anteriores. Esse material deverá sair numa coletânea muito interessante que trará trabalhos de todas minhas “fases”. Mas isso ainda está em projeto.

Como o quadrinista Mozart Couto se define?

Como uma pessoa que trabalha com muita honestidade.

Para finalizar, uma pergunta que costumo fazer: como criador, o que são os quadrinhos para você?

A maneira mais límpida de colocar meu “interno” para o outro.

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