14/11/2007

Uma entrevista com Will Eisner.


O norte-americano Will Eisner foi um dos grandes mestres da história dos quadrinhos. Nascido em 1917, ele iniciou sua carreira nos anos 30, sendo um dos responsáveis pelo desenvolvimento da narrativa, estética e temática da “arte sequencial” (nome pelo qual ele chamava os quadrinhos). Dominando a arte de contar uma história com imagens, Eisner levou para as páginas de suas HQs o cotidiano e os conflitos pessoais dos habitantes das grandes cidades, representando-os através de um estilo inconfundível. Em suas obras, a subjetividade e o cotidiano são elementos predominantes, evidenciando o trabalho de um observador atento que relata com consciência e lirismo a vida através dos quadrinhos.

Em outubro de 1997, o inventor das graphic novels esteve em Belo Horizonte (MG) para participar da 3ª Bienal Internacional de Quadrinhos. Na época, eu trabalhava como crítico de quadrinhos para um jornal de BH, e tive a oportunidade de entrevistá-lo pouco antes de sua vinda. O tema de nossa conversa feita por fax foram os quadrinhos como forma de arte.

O senhor já esteve no Brasil antes. Quais são suas expectativas em relação a Belo Horizonte?

Sim, eu já estive no Brasil várias vezes. Falaram-me muito sobre Belo Horizonte, de que é um lugar muito bonito. Espero encontrar colegas aí, para trocar idéias sobre os quadrinhos.

Em 1996, comemorou-se no mundo inteiro o que seria o centenário dos quadrinhos. O senhor concorda com quem diz que Yellow Kid foi a primeira história em quadrinhos? O que nos diz dos trabalhos de Rudolph Töpffer e Wilhelm Bush (considerados por muitos os verdadeiros criadores da linguagem dos quadrinhos)?

Definir a origem dos quadrinhos é muito difícil, pois a utilização literária de imagens data de séculos atrás. A Igreja na Europa usou esta forma de comunicação durante a Idade Média. Creio que podemos considerar Yellow Kid como sendo o começo da publicação em massa dos quadrinhos, ele foi a primeira tira diária a ser publicada. Certamente, Töpffer foi muito importante, mas ele não foi parte da ampla popularização desta mídia.

Qual seria o papel social dos quadrinhos na atualidade, e qual seu significado histórico?

Os quadrinhos são uma forma de literatura popular, como tal, eles refletem as transformações de nossa cultura. Eles continuam proporcionando um veículo narrativo profundamente ligado à sociedade moderna. Historicamente, os quadrinhos têm dado voz às relações sociais. Os quadrinhos de jornal, muitas vezes, lidam com relações étnicas e servem como uma introdução à compreensão de vizinhos que tenham uma origem cultural diferente.

O que o senhor acha dos quadrinhos publicados pelas grandes editoras norte-americanas?

Os quadrinhos publicados pelas grandes editoras nos Estados Unidos geralmente seguem a tendência dominante nos gostos e interesses dos jovens. Super-Heróis, o sustentáculo das grandes editoras, fornecem um suporte mitológico para as fantasias destes jovens. Mas algumas das grandes editoras estão atendendo a gostos mais sofisticados. Um desenvolvimento muito positivo.

Em seus trabalhos, o senhor nos mostrou que as histórias em quadrinhos podem ser muito mais que apenas diversão, assim, eu lhe devolvo uma pergunta de seu último livro The Graphic Storytelling [inédito no Brasil na época da entrevista]: “até onde os quadrinhos podem ir na abordagem de temas sérios”?

Eu sempre acreditei que os quadrinhos são capazes de lidar com um conjunto de temas mais amplo e mais significativo. Enquanto uma linguagem literária, esta mídia deve ser capaz de lidar com todo o conjunto dos conflitos humanos. Como o cinema e o teatro, a Arte Seqüencial também tem certas limitações, como a ausência do som e da música. No caso do cinema, é o fato dos personagens terem pouca profundidade. O futuro dessas artes reside em sua habilidade em superar o estigma de sua forma e trabalhar conteúdos mais sérios.

Suas obras lidam com as dimensões trágica e cômica da vida. Na sua opinião a vida se assemelha mais a uma tragédia ou a uma comédia?

Nossa!... A vida é tragicômica. Em meu trabalho eu lido com o que penso ser a questão fundamental, que é a batalha pela existência. Por isso, crio obras para um público adulto, que tenha mais experiência de vida.

Qual o futuro dos quadrinhos na era da computação?

A nova era do computador não alterará a estrutura básica dos quadrinhos. A história em quadrinhos é fundamentalmente uma narrativa contada com imagens. Ela não está irrevogavelmente ligada à impressão. Quando a tecnologia dos computadores evoluir, os quadrinhos encontrarão um lugar, pois sua linguagem se adequa claramente a ela. As regras da narrativa gráfica ainda se aplicarão.

4 comentários:

Loot disse...

Um grande senhor, deve ter sido uma honra entrevistá-lo.

O mundo da BD sentirá sempre a sua falta.

Cumprimentos

Wellington Srbek disse...

Certamente! Num mercado tão repetitivo, um autor original como Eisner sempre será uma ausência sentida. Felizmente toda a obra dele está sendo reeditada e estará disponível.

Andre Carvalho disse...

Boa recordação Wellington!! Que falta o Mestre Eisner faz entre nós, e pensar que ele continuou até idade avançada, com maestria, seus últimos trabalhos refletem sua experiência de viva e artística numa síntese muito bonita!! Parabéns pela entrevista!!

Wellington Srbek disse...

Obrigado, André!
Legal que gostou da entrevista.
Abraço!