24/10/2010

Os 50 anos da Pererê!


Quem acompanha este blog desde o início deve se lembrar de uma postagem sobre a revista Pererê de Ziraldo. Aquele texto trouxe um resumo de meu livro inédito sobre essa importantíssima série de nossos quadrinhos. Passaram-se alguns anos e, infelizmente, o livro continua inédito. Mas, para celebrar os 50 anos da revista criada por Ziraldo e aproveitando a data de seu aniversário, publico aqui um trecho de “Pererê, uma aventura brasileira”. Parabéns então a Ziraldo e vida longa a Pererê e sua turma!

Em 1960, Ziraldo trabalhava no Departamento de Promoções e Relações Públicas de O Cruzeiro, uma das mais bem-sucedidas revistas e editoras da época. Entre trabalhos de Péricles, Millôr Fernandes, Carlos Estevão e Borjalo, a cada semana a revista publicava um novo cartum de Ziraldo, protagonizado pelo personagem Pererê. Trazendo temas variados numa abordagem humorística, os cartuns tinham pouco texto escrito (ou mesmo nenhum), valorizando o estilo de desenho sintético de seu autor.

Provavelmente, os leitores de O Cruzeiro que acompanhavam a série de cartuns notaram uma diferença na edição que chegou às bancas em 8 de outubro. Logo na primeira página da revista era anunciado que o Pererê estava mudando de casa: o personagem deixava O Cruzeiro para estrear uma nova revista em quadrinhos mensal criada especialmente para ele. Nas duas semanas seguintes, a Pererê ganhou anúncios de página inteira em O Cruzeiro, o que evidencia o investimento da editora no novo projeto.

Lançada naquele mesmo mês de outubro de 1960, em meio aos movimentos em favor da nacionalização das histórias em quadrinhos (o estabelecimento de reservas de mercado em favor dos desenhistas e personagens brasileiros), Pererê tornou-se rapidamente um sucesso, equiparando-se em vendagem a Luluzinha, a revista em quadrinhos de maior sucesso publicada pela editora de O Cruzeiro. No formato de 26 cm de altura por 18 cm de largura (semelhante ao dos comic books norte-americanos), Pererê foi a primeira revista em quadrinhos em cores inteiramente produzida por autores brasileiros com personagens brasileiros. Cada edição totalizava 36 páginas, com capas impressas em papel envernizado e miolo impresso em papel-jornal (desse total, em média, 4 páginas eram utilizadas para a veiculação de anúncios de revistas em quadrinhos também publicadas por O Cruzeiro).

Quando a revista chegou às bancas pela primeira vez, Juscelino Kubitschek ainda era o presidente, embora Jânio Quadros já tivesse sido eleito para sua sucessão e João Goulart reeleito para a vice-Presidência (a votação para os dois cargos fazia-se então em separado). Alcançando a impressionante tiragem de 120 mil exemplares, Pererê teve 43 edições, lançadas entre outubro de 1960 e abril de 1964, um dos períodos mais agitados e conturbados de nossa história. Voltada para o público infantil, com uma produção gráfica relativamente simples e trazendo na capa um selo de “Aprovado pelo Código de Ética” (copiado das revistas norte-americanas), Pererê não levantava suspeitas ou questionamentos sobre as mensagens que veiculava. Descrita por Ziraldo (em depoimento concedido a mim em agosto de 1999) como a “maior curtição de sua vida”, a revista era produzida segundo ele com “total autonomia criativa”:

“Era uma revista infantil. Eu podia contar as minhas histórias como quisesse. A Pererê era até um pouco, digamos, ‘comunista’ para a época. O editor nem ligava. Vai ver, nem lia. A revista fazia o maior sucesso. Bastava isto pra ele. Eu adorava bolar as histórias. Eu sabia que sabia fazer isto muito bem, diferente dos velhos clichês, nada de luta do mal contra o bem. Você vê que não tem, nunca teve bandido nas minhas histórias. Era tudo curtição, rememoração das fantasias de infância. Era um barato. E o artista gráfico deitava e rolava nas onomatopéias...”

Na produção das edições de Pererê, Ziraldo contava com o auxílio de uma equipe de profissionais de artes gráficas. Assim ele descreveu o processo de produção da revista:

“Eu fazia a revista com três meses de antecedência. Ou quatro, não me lembro. Tanto que fui dispensado em dezembro de 63 e a revista foi até abril de 64. Eu bolava as histórias, fazia tudo a lápis. Tinha três profissionais comigo. Um fazia o nanquim em cima do meu traço. Nunca aprendeu a fazer o traço. Chamava-se Paulo Abreu. Morreu logo depois que a revista parou. O outro era um famoso e grande letrista de quadrinhos de todas as publicações brasileiras, trabalhara na Ebal, no Globo, em toda parte. Um craque. Chamava-se João Barbosa. Também já morreu. O outro era o que indicava as cores no overlay, com papel de seda e lápis de cor (o cara do fotolito tinha que adivinhar a proporção das cores). Esse se chamava Heucy Miranda. Aliás ainda se chama, aprendeu a desenhar tudo, é um grande animador de desenho-animado e desenha o Pererê melhor do que eu. Uma figura!!!”

Apesar da qualidade e de todo o sucesso, a revista acabou sendo cancelada pela editora de O Cruzeiro (na capa do último número, a data indicada é "1 de abril de 1964", dia do golpe militar que destituiu o então presidente João Goulart, pondo fim ao período democrático iniciado em 1946). De qualquer forma, basta a leitura de algumas das histórias de Pererê para se perceber a originalidade e a qualidade dessa obra-prima dos quadrinhos.

(Talvez continue algum dia no livro “Pererê, uma aventura brasileira”...)

12 comentários:

Lillo Parra disse...

Wellington,

Quem sabe nessas comemorações de 50 anos não pinta uma chance?
Muito boa a matéria. E bem bacana a contextualização histórica. Humor sutil, colocando o leitor à par do que acontecia politicamente e culturalmente na época, o que nos dá uma dimensão mais apropriada do visceral trabalho do Ziraldo.

Parabéns,

Lillo

Wellington Srbek disse...

De repente aparece uma oportunidade, Lillo!
A matéria foi mesmo para marcar o aniversário da Pererê, que é uma obra importantísisma de nossos quadrinhos e merece ser mais conhecida.
Grande abraço!

Luana Cavalcante disse...

Adorei o post! Geralmente deixam de lado as publicações nacionais. Me lembro muito bem dessa publicação. Meu pai costumava comprar muitos quadrinhos infantis pra mim. Além de Maurício de Souza, claro, Ziraldo. Tenho orgulho de dizer que aprendi a ler aos 5 anos lendo quadrinhos.

Parabéns pelo blog. Te sigo há um tempo. Coincidentemente meu post no meu blog (que é sobre tudo), essa semana é sobre minhas aquisições na Fest Comix. Dá uma passada lá!

Rockisses! :P

Wellington Srbek disse...

Olá Luana!
Legal que tenha gostado da postagem. Sempre procuro falar de quadrinhos brasileiros e celebrar datas importantes aqui no Mais Quadrinhos. E eu não poderia deixar os 50 anos da Pererê passar em brancas nuvens!
Bacana suas aquisições. Aquela HQ da Mulher-Maravilha produzida pelo George Pérez eu gostei muito quando li em formatinho, décadas atrás. Ela influenciou até na minha decisão de fazer o curso de História, por toda a coisa da mitologia grega que ela traz.
Abraço e até a próxima!

Daniel disse...

Yo! Wellington! gostei muito do seu blog! parabéns!.Me surpreendi ao ver que você é Roteirista e Editor de quadrinhos,já que tbm pretendo seguir pelo mesmo caminho,porém mais pro lado mangaka mesmo. hehe xD! .Pois gosto muito de mangás/HQs/animes,sou muito fã mesmo!. Se possivel,será que você poderia add meu e-mail ou msn?,gostaria muito de conversar com alguém do ramo! xD! e-mail .: danz-07@hotmail.com / msn .: daniel_cabo@hotmail.com . Obrigado pela atenção e parabéns mais uma vez xD!

Wellington Srbek disse...

Olá Daniel,
Tudo beleza? No meu curso de quadrinhos sempre aparecem jovens como você, que querem seguir a linha dos mangás. Embora eu goste de todo tipo de quadrinhos, mangá não é muito minha praia. Mas ficam aí seus contatos para outros leitores do Mais Quadrinhos que queiram produzir mangás como você.
Abraço e continue acompanhando o blog!

Daniel disse...

Olá Wellington!
Tudo beleza sim,e com vc?,na verdade nunca fiz nenhum curso em relação a area de mangás apenas desenho o que sei,e venho sempre melhorando nisso,já tenho 5 histórias guardadas,não sei se lançarei todas no estilo mangá,algumas pensei até em escrever em livro.Mas,por hora começei a produzir meu 1 vol. de uma de minhas histórias com a ajuda de um amigo,que sabe fazer Arte Final,essas coisas.Você poderia me dar seu e-mail ou msn?,agradeçeria se possível! xD!

Wellington Srbek disse...

Olá Daniel,
Não adiantaria eu te passar meu e-mail, Daniel, pois estou muito ocupado com trabalhos e não teria como te dar atenção agora. Mas se quiser saber um pouco de minha experiência como autor, visite a seção Extras do http://www.maisquadrinhos.com.br/.
Abraço e boa sorte nas suas produções!

Daniel disse...

Olá Wellington!
Que pena,mas agradeço mesmo assim,porém,quem sabe não deixa pra depois,né?!quando você estiver com tempo!.Por hora desejo sucesso a você com seus trabalhos! e pode deixar que vou continuar a ver o blog,principalmente a seção extras xD!
Abraço e até mais! xD!

Wellington Srbek disse...

Olá Daniel,
Valeu por compreender e pelos votos de sucesso! Abraço e boa sorte!

Jaison disse...

Ahh, olha eu aqui de volta! Eu não sabia dos 50 do Pererê, só veicularam os 30 anos do menino maluquinho por aí. Virou até logo da google no domingo eu acho. Boa sacada! Inté...

Wellington Srbek disse...

Oh, sumido!!!
Realmente, Jaison, uma das funções deste blog é divulgar os marcos importantes de nossos quadrinhos, dos quais poucos têm ou dão notícia.
Foi no domingo mesmo, por causa do aniversário do Ziraldo, que ele transformou no aniversário dos dois personagens principais dele, que são também alter egos dele: Pererê (desde 1960) e Menino Maluquinho (desde 1980).
Abraços e volte sempre!