15/04/2010

Uma “revolução”!?


Na última semana, muito se comentou sobre preços e formatos de revistas, em resposta à divulgação pela Panini do que vinha sendo chamado de “revolução editorial” (à qual a editora tem se referido oficialmente como “a mudança”). Muitos leitores foram pegos de surpresa ao constatarem que as transformações que prometiam mudar sua forma de consumir quadrinhos não passavam de um rearranjo editorial, com troca de títulos, diminuição de páginas em uns, acréscimo em outros (leitores mais experientes já viram algo similar nos tempos em que a Abril publicava os super-heróis Marvel e DC). No fim, não houve nada parecido com uma “revolução” e tudo não passou de “muito barulho por nada”. Ou quase nada...

Em seu comunicado oficial, a multinacional que domina atualmente o mercado de quadrinhos no Brasil afirma: “Tanto as revistas mensais da Marvel quanto as da DC Comics assumem uma nova estrutura, visando deixá-las mais baratas e acessíveis ao novo leitor, e também àqueles já veteranos no mundo dos comics”. O comunicado dá a entender que os leitores sairão ganhando com as mudanças, pois pagarão menos pelos quadrinhos que lerão. Mas isso é, na melhor das hipóteses, um sofisma. A razão é simples: a diminuição no número de páginas foi maior que a diminuição no preço das revistas; ou seja, os leitores vão pagar menos, mas vão levar muito menos. Aí vem a pergunta: por que recorrer a esse tipo de retórica, em vez de ser direto e claro com os leitores?

Se eu fosse um consumidor dos produtos da Panini, eu preferiria uma abordagem mais sincera, explicando que as mudanças se devem à diminuição nas vendas das revistas e aos aumentos nos custos gráficos. Porque aí sim as medidas da editora tornam-se mais compreensíveis, como uma opção de reestruturação dos títulos, em vez de um aumento automático nos preços praticados até então. Porém, ao tentar disfarçar o remanejamento da sua linha editorial com a retórica de “uma nova era” (ou de “uma revolução”), a Panini acabou angariando a desaprovação da mídia especializada e dos próprios leitores que, é claro, não demoraram muito para perceber a manobra. O que talvez ainda falte a muitos perceber é que, no fim das contas, não há realmente o que lamentar.

Como venho dizendo há muito tempo neste blog, a maior parte dos quadrinhos mensais da Marvel e DC Comics não passa hoje, na melhor das hipóteses, de mero produto comercial descartável (ou de mero lixo cultural, como eu dizia em outros tempos). Embora muitos fãs falhem em perceber, por baixo da camada brilhante e dinâmica, das cenas bombásticas e dos desenhos detalhados, não há muito que se aproveitar. Falta história, falta habilidade narrativa, falta originalidade, falta o que realmente faz de uma HQ algo que deva ser lido e mereça ser lembrado. Nem sempre foi assim e nem sempre é assim, pois já se fizeram muitas e ainda se fazem algumas revistas mensais de qualidade. Mas então o que falta à Panini para fazer uma verdadeira revolução editorial?

Não sei os detalhes dos contratos que a multinacional e seus representantes no Brasil assinaram com a Marvel e a DC Comics. Não sei que obrigações e que limitações esses contratos impõem. Contudo, reservo-me o direito de uma pequena especulação: em vez de republicar quase tudo que as editoras norte-americanas lançam, não seria mais interessante, para o mercado de quadrinhos e para os leitores de super-heróis, se a Panini selecionasse mais o material, lançando apenas os produtos mais relevantes e de melhor qualidade? Os meios para essa seleção já estão dados no próprio processo de publicação, já que as HQs chegam às bancas com meses de diferença em relação à sua publicação original, o que permitiria se saber o que teve ou não uma boa repercussão.

Contudo, realizar tal seleção dá mais trabalho que simplesmente publicar quase tudo que se tem à disposição (talvez a última vez que os quadrinhos norte-americanos passaram por uma seleção editorial no Brasil tenha sido com a Pixel Magazine). Uma revolução de fato no mercado brasileiro seria a Panini lançar uma linha de quadrinhos brasileiros. Mas isso jamais acontecerá (infelizmente!). A editora tem ao menos o mérito de publicar a Turma da Mônica, que vende mais que qualquer quadrinho estrangeiro em nosso mercado (felizmente!). E foi com a marca de Panini que chegou às bancas a Turma da Mônica Jovem, a versão mangá dos personagens de Maurício de Sousa, que fez escola editorial e é provavelmente a série mais vendida em nosso mercado hoje.

Desde que assumiu a publicação dos super-heróis Marvel e DC Comics, a Panini teve alguns acertos louváveis (como a publicação de volumes com HQs clássicas), mas também cometeu equívocos imperdoáveis (como erros de revisão em publicações de luxo). Ao continuar inundando as bancas com revistas de baixa qualidade, a editora pode estar cometendo um erro definitivo. Afinal, os quadrinhos continuam sendo um segmento editorial ameaçado por crises periódicas e pela progressiva diminuição de seu público. Neste sentido, a verdadeira “revolução” será feita sempre por aqueles que publicarem HQs de qualidade a preços justos, contribuindo assim para a formação de novos leitores e a permanência dos atuais. Pois só desta forma, conquistando novos leitores e cativando os atuais, os quadrinhos irão se manter uma arte relevante também no século 21.

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