02/08/2009

Quadrinhos independentes em entrevista, parte2.


Parte final de nossa entrevista e as questões de Lídia Basoli abordam especificamente alguns de meus álbuns e revistas, como Estórias Gerais e Solar, gerando uma conversa interessantíssima e bastante informativa. Não deixem de ler!

Fale um pouco da sua relação com o mestre Flavio Colin.

Desde que descobri os quadrinhos de verdade eu me tornei um fã absoluto do trabalho do mestre Colin. Em 1997, quando produzia a revista Caliban, eu descobri o endereço dele e enviei uma carta com os dois primeiros números da revista. Para minha surpresa ele respondeu sem demora (sua carta foi até publicada no número 3 da revista). Mantivemos contato e eu falei a ele sobre trabalharmos juntos numa história. Quando tive a idéia para o que viria a ser o álbum Estórias Gerais não pensei em outro desenhista! Fiz o convite, acertamos os detalhes financeiros e começamos a trabalhar no projeto. Durante e depois da produção do EG mantivemos uma correspondência regular e vários contatos por telefone. Além do EG, produzimos algumas HQs menores, somando com as capas 190 páginas desenhadas. Infelizmente, com sua morte não pudemos realizar um novo álbum sobre o qual havíamos conversado. Era uma grande alegria e honra para mim o fato de ele me considerar e chamar de amigo. Fiquei realmente muito triste com sua morte, pois era uma pessoa realmente muito querida (embora não tenhamos jamais nos encontrado pessoalmente). Os quadrinhos brasileiros perderam ali seu maior gênio e um dos maiores artistas dos quadrinhos mundiais.

Solar e Caliban foram duas produções suas dos anos 1990. Depois houve Mirabilia e as propostas de álbum Estórias Gerais e Quantum e tantas outras. Como está sua produção hoje?

Idéias para novos personagens, histórias e edições nunca me faltaram. O que costuma faltar para realizá-las são tempo e recursos. Já concluí meu trabalho de roteiro para Solar: Solo Sagrado, que pode ser a última revista independente que lançarei. Assim, hoje minha produção autoral está parada. Eu ainda teria muitos quadrinhos para criar, mas se acontecerem provavelmente todos os meus futuros trabalhos autorais sairão por editoras.

Há entre essas produções alguma que lhe foi mais especial? Por quê?

Gosto muito de álbuns e revistas temáticos como Fantasmagoriana, Quantum, Apócripha e Alienz. E gosto de meus quadrinhos de terror e suspense, como Mirabilia, Mystérion, Monstros e Muiraquitã. Mas, enquanto personagem, tenho uma relação especial com o Solar (tanto que o estou relançando agora) e também, enquanto obra, com o álbum Estórias Gerais (que é meu trabalho mais bem acabado, premiado e reconhecido).

Qual a sua opinião sobre o trinômio “produção, divulgação e distribuição” para os quadrinhos independentes de BH e do Brasil?

A produção é a paixão e o que nos faz estar aqui; a divulgação é o que pode nos levar a algum lugar; e a distribuição é em grande parte o que limita nossas possibilidades.

Em uma das respostas você coloca que Solar: Solo Sagrado pode ser a última revista independente que você vai lançar e também que a saída para os quadrinhos brasileiros não está na produção independente. Dessa forma, qual a saída que você vê para a maioria da produção sobre quadrinhos que está sendo produzida hoje no Brasil? O que deve ser melhorado ou de que maneira poderia ser divulgado os quadrinhos e os quadrinistas brasileiros?

Bom, eu vejo a produção de quadrinhos de maneira profissional. Por isso mesmo, pago aos desenhistas que trabalham nas minhas revistas, para poder exigir qualidade e cumprimento de prazos (o que nem sempre consigo, infelizmente). Embora minhas edições se paguem e se esgotem com o tempo, elas não rendem o bastante para pagar por meu próprio trabalho de roteirista e editor (como costumo dizer, meus quadrinhos se sustentam, mas não me sustentam). Só que eu cheguei a um ponto em que não posso mais me dedicar aos quadrinhos apenas por paixão, por isso Solar: Solo Sagrado pode ser minha última revista independente. Se eu continuar produzindo quadrinhos autorais deverá ser através de editoras.
Quanto à segunda parte de sua pergunta, já venho trabalhando com quadrinhos independentes há anos e para mim é muito claro hoje que há limitações na produção independente que não podem ser superadas. É claro que é possível fazer bons trabalhos no esquema independente, mas nada se compara aos recursos e às possibilidades de uma publicação num esquema mais profissional ou editorial mesmo. No meio independente hoje, o que chega mais perto de uma publicação profissional são os álbuns lançados pela Graffiti, nos quais os autores recebem para produzir os trabalhos (pois acredito realmente que todos devemos receber por um trabalho de qualidade). E respondendo à questão sobre a “saída” para os quadrinhos brasileiros, na minha opinião a única saída para termos no Brasil uma produção sustentável e que se desenvolva com o tempo (gerando trabalhos cada vez melhores e mais rentáveis) seria um meio-termo entre a eficiência empresarial e comercial dos estúdios Maurício de Sousa e a qualidade artística e autoral da Graffiti. Se as editoras investissem em quadrinhos brasileiros com potencial comercial e qualidade autoral (como aconteceu com revistas como Aventuras do Anjo, Pererê, Fradim, Chiclete com Banana e a própria Turma da Mônica) teríamos um mercado que se sustentaria e daria emprego a vários quadrinistas que hoje só têm a opção de publicar de forma independente.

Deixe um recado para quem está começando a trabalhar com quadrinhos.

Trabalhe muito para melhorar sempre. Estude os grandes mestres e os principais artistas dos quadrinhos. Não abandone os estudos regulares, pois um diploma poderá lhe fazer falta! Leia muito sobre História, Arte, Filosofia, Ciência. Não apenas copie os japoneses e os norte-americanos, o Alan Moore, o Moebius ou o Angeli. Busque seu próprio caminho. Tente lançar suas revistas ou publique pela Internet. Talvez não seja uma boa estratégia fazer dos quadrinhos o plano A profissional para sua vida. Enfim, faça o melhor que puder, divirta-se no processo e boa sorte!

4 comentários:

Uno de dos disse...

"A produção é a paixão e o que nos faz estar aqui; a divulgação é o que pode nos levar a algum lugar; e a distribuição é em grande parte o que limita nossas possibilidades."

O senhor Srbek parece um maestro de artes marciais!
Apocripha e Alienz são dois 'tebeos' maravilhosos, seria bom vê-los publicados na Espanha num álbum ou nalguma revista. E quiçá no 2016 uma editora européia ou brasileira publique uma Biblioteca Flavio Colin como hoje publicam as obras de Eisner, Carlos Giménez ou Hugo Pratt.

Wellington Srbek disse...

Olá Brucamsi,
Muitíssimo obrigado pelas elogiosas palavras!
Ah sim, seria fabuloso ter Apócripha e Alienz publicadas em teu país! Tenho já o Tierra de Histórias publicado pela De Ponent, mas seria fantástico ter estes outros trabalhos mais metafísicos.
Colin é um gênio que merece certamente todo o reconhecimento internacional e seria muito bom ver algo como uma coleção mais completa de seus trabalhos.
Saludos e volte sempre!

sergio luiz BH disse...

Welington,
Parabens pela entrevista.
Excelente!!!
Grande abraço

Wellington Srbek disse...

Olá Sérgio,
Legal que tenha gostado da entrevista e valeu pela participação! Volte sempre!