02/02/2009
Super-heróis: um fenômeno dos quadrinhos (I).
Poucos gêneros de quadrinhos alcançaram o sucesso mercadológico e a renovável popularidade das HQs de super-heróis. Com seus superpoderes, roupas colantes coloridas e aventuras cheias de ação física, Super-Homem e a miríade de personagens que se seguiu a ele são um fenômeno cultural que merece ser abordado de uma forma mais séria. Sem desconsiderar a pura paixão que motiva os leitores a acompanharem as aventuras de seu herói favorito em revistas, animações, filmes e jogos, os super-heróis podem ser vistos em termos mais objetivos, sendo analisados de forma conceitual, como proponho fazer neste texto.
De início, seria interessante fazer-se um “recorte espaço-temporal”, que situe o fenômeno analisado. No caso dos quadrinhos de super-heróis, podemos localizar sua origem histórica no mercado norte-americano de quadrinhos, em abril de 1938, quando foi lançado o primeiro número da revista Action Comics. Afinal, aquela edição trazia já em sua capa a estréia do Super-Homem, personagem criado pelos jovens Jerry Siegel e Joe Shuster, considerado consensualmente como o primeiro dos super-heróis. Contextualizadas numa grande metrópole norte-americana dos anos 30, mas trazendo elementos de ficção científica, as primeiras HQs do Homem de Aço foram um sucesso imediato, ganhando versões em episódios radiofônicos e animações para o cinema, além de influenciarem o surgimento de outros personagens do mesmo gênero.
Desde que surgiram, os quadrinhos de super-heróis mostraram-se bastante permeáveis a influências de outros gêneros, como as tiras de aventura, os filmes de gângsteres e as histórias de ficção científica. Mas o que havia de especial nas HQs do Super-Homem, que garantiu seu avassalador sucesso com o público infanto-juvenil? Na minha opinião, foram exatamente os três fatores que caracterizam o gênero super-herói desde sua origem (e que se mantêm presentes até hoje, apesar de algumas mudanças e revisões ao longo do tempo):
1. Tramas maniqueístas baseadas na ação física. Em outras palavras, é a versão para entretenimento do velho conflito entre o “bem” e o “mal”. São aventuras que mostram o protagonista (o herói que representa valores positivos) enfrentando um ou mais antagonistas (os vilões que representam valores negativos) para defender a integridade física de personagens coadjuvantes (como a mocinha em perigo que representa o prêmio a ser conquistado) e garantir a manutenção da ordem social estabelecida (pois no final, vencida a ameaça, tudo deve voltar à normalidade representada pelo “jeito americano”). Na maioria das vezes, a resolução do conflito iniciado com o surgimento do vilão e os eventos acarretados por seu plano maquiavélico se dá através de ação física, com o herói colocando em prática suas habilidades atléticas e especialmente a força de seus punhos.
Até este ponto, temos uma descrição da dinâmica das HQs de super-heróis que já estava presente, por exemplo, nas tiras de aventura dos anos 30. Na verdade, porém, o que destacou o novo gênero foram as duas características seguintes.
2. Um elenco de personagens principais com poderes e/ou habilidades extraordinárias. Embora o Super-Homem não voasse em suas primeiras HQs, ele era capaz de dar saltos que ultrapassavam a altura dos arranha-céus de Metrópolis e de correr a velocidades incríveis, além de ter uma força física superior à das pessoas comuns e de ser invulnerável a balas e outras agressões físicas. Não é por menos que qualquer garoto da época gostaria de ser o Homem de Aço! Ou talvez o Batman (criado por Bob Kane e Bill Finger em 1939) que, embora não possuísse a mesma força que o alienígena vindo de Krypton, em compensação tinha as habilidades de um acrobata, a inteligência do melhor detetive de todos os tempos e dinheiro o bastante para comprar ou construir os equipamentos mais bacanas do planeta, como um carrão todo estiloso ou um infalível cinto de utilidades.
Ainda assim, poderes e habilidades extraordinários existem em outras narrativas antigas (como as sagas dos heróis mitológicos) ou modernas (como os próprios mangás japoneses). Logo, o que diferencia definitivamente o gênero super-herói dos demais é a característica seguinte.
3. As fantasias coloridas ou os aspectos físicos incomuns. Na cultural ocidental dos últimos setenta anos, uma colorida roupa colante com um símbolo característico (um “S” ou uma silhueta de morcego) é o signo de identificação máximo dos super-heróis (algo que se torna muito evidente nas sátiras que se fazem a eles). Deixar de lado o terno e os óculos do desajeitado e pacato Clark Kent, para combater o crime vestindo uma chamativa roupa azul e vermelha com um grande “S” no peito, sempre foi um dos grandes trunfos do Super-Homem na conquista de seus fãs. Mesmo porque, as sociedades modernas, com sua massificação e opressão da individualidade, tendem a gerar o desejo individual de se destacar na multidão (como sugere a bela capa da revista All Star Comics, que ilustra esta postagem). Neste sentido, pela identificação do leitor com o protagonista da história, os super-heróis teriam algum papel na fantasia individual da superação do anonimato. Isso pode ser ainda mais marcante no caso de personagens como o Homem-Aranha, que usa uma fantasia que esconde sua identidade por completo (e que, portanto, faz com que ele possa ser qualquer um dos leitores de suas HQs). Há, por outro lado, os personagens que não necessitam de uma fantasia colorida ou de um símbolo no peito para representar seus poderes. Nesses casos, os poderes já são evidenciados por aspectos físicos incomuns, que muitas vezes identificam o herói com uma certa estigmatização, como é o caso do Coisa, do Hulk, do Fera e do Surfista Prateado, entre outros.
Apesar de se tratar de um modelo conceitual, a análise dos super-heróis que proponho aqui possui um exemplo perfeito: as HQs clássicas do Capitão Marvel (criadas pelo talentoso cartunista C.C. Beck). Lançado pela Fawcett Comics em 1940, o carismático personagem logo se tornaria o super-herói mais popular entre os leitores e o campeão de vendas do mercado norte-americano (até ter sua publicação interrompida pelo infame e absurdo processo judicial no qual os editores do Super-Homem acusavam a Fawcett Comics de ter plagiado seu personagem). Com um visual bastante chamativo, o Capitão Marvel possuía um trunfo que nenhum outro super-herói poderia igualar: a palavra mágica “Shazam!”, que transformava o garoto Billy Batson no “mortal mais poderoso da Terra” (e isso sim é conseguir uma identificação direta do personagem com seu público-alvo!). Sucesso imediato, o herói logo ganhou a companhia de Mary Marvel e Capitão Marvel Jr. (formando a Família Marvel), além do tigre falante Tawky Tawny (Sr. Malhado). Para completar, ele enfrentava alguns dos vilões mais interessantes de todos os tempos: o gênio do crime megalomaníaco Dr. Silvana e o Sr. Cérebro, uma minhoca alienígena que quer dominar a Terra. O resultado era uma divertida série de ação, que cativou gerações de leitores.
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