21/11/2008

Garth Ennis em coletânea e encadernado da Pixel.


O irlandês Garth Ennis beneficiou-se da chamada “invasão britânica” que tomou conta dos quadrinhos da DC Comics nos anos 80. Afinal, foi o trabalho de outros autores britânicos (como Alan Moore, Jamie Delano, Neil Gaiman e Grant Morrison) que estabeleceu o terreno onde Ennis pôde desenvolver seus peculiares roteiros. Estreando na revista Hellblazer, ele se consagraria com Preacher, série que traz uma trama conspiratória, em meio a um pouco de sexo, muitas blasfêmias e bastante violência. Para os fãs do controvertido roteirista, a Pixel lançou recentemente a coletânea Hellblazer: Hábitos Perigosos e o encadernado Preacher: Memórias, que estabelecem várias pontes entre quadrinhos e cinema.

Publicada em 1991, Hábitos Perigosos marcou a estréia de Garth Ennis no mercado norte-americano, sendo uma das histórias mais festejadas pelos fãs de John Constantine. Dividido em seis partes, esse arco começa com a notícia de que o personagem está à beira da morte. Fumante compulsivo, o mago inglês acorda um dia tossindo sangue e acaba descobrindo que está com um câncer em fase terminal. Encarando a própria morte, Constantine tem um assunto ainda mais preocupante para tratar, pois (após anos envolvendo-se em exorcismos e invocações) sua alma é um prêmio cobiçado por forças infernais. Revendo amigos, despedindo-se de familiares, conferenciando com forças celestiais ou abissais, enchendo a cara e fumando muito, aos trancos e barrancos ele chega ao limiar de sua vida. No último instante, porém, o mago reverte a situação, mudando seu destino e enganando o próprio Diabo.

Criado por Alan Moore, Steve Bissette e John Totleben para a revista do Monstro do Pântano, Constantine foi desenvolvido por Jamie Delano na revista Hellblazer. Mas muitos consideram que a melhor fase do personagem foi a das edições escritas por Ennis, iniciada com Hábitos Perigosos. O fato é que, embora os desenhos de seus colaboradores sejam péssimos, o texto do roteirista irlandês vale a edição. Fora uma ou outra inconsistência, a intensa trama prende e envolve o leitor com um terror cru que não recorre a teorias conspiratórias e outros subterfúgios que se tornaram tão comuns ultimamente. Preferida por muitos leitores, não é por menos que Hábitos Perigosos forneceu vários elementos para o roteiro do filme Constantine. Contudo, além das diversas interferências hollywoodianas (como trazer o personagem com cabelos negros e usando uma arma), o filme não tem a força da HQ.

Preacher: Memórias reúne três edições lançadas pela Pixel, num total de quatro HQs especiais: “O cavaleiro altivo”, “A história de você-sabe-quem”, “Guerra de um homem só” e “Cassidy: Sangue & Uísque”. A primeira delas mostra Jesse Custer e Tulipa no tempo em que eram namorados e assaltantes de carro. A aventura passada no Texas tem muito dos chamados road movies, com suas perseguições de carros, paisagens ermas, crimes e violência (ou seja, um quadrinho que poderia ter sido feito por Quentin Tarantino). A segunda história abre com uma sátira ao filme Forrest Gump: O Contador de Histórias, na qual o personagem interpretado no cinema por Tom Hanks é substituído pelo desfigurado Cara-de-Cu. A história desse adolescente incomum (repleta de violência familiar, delinquência juvenil, niilismo e várias referências à cultura grunge) fez a cabeça de muitos leitores, mas é a menos interessante desse encadernado.

Mais interessante é a terceira HQ da edição, que conta a história de Herr Star, um assassino frio que trabalha para a organização Graal. Com muitas situações escatológicas (tanto no sentido relativo ao fim-do-mundo, quanto no relativo aos excrementos), a história lançada em 1998 aborda temas que se tornaram populares nos últimos anos, com o livro (e o filme) O Código Da Vinci de Dan Brown. Mas a melhor (e menos pervertida) das quatro histórias é a última, que enfoca Cassidy, o vampiro mulherengo e beberrão da série Preacher. Fugindo da polícia, o morto-vivo gente-boa acaba chegando a Nova Orleans, onde encontra um pedante e egocêntrico sugador de sangue, que parece saído dos livros de Anne Rice (e lembra o personagem interpretado por Tom Cruise em Entrevista com o vampiro). No geral, os desenhos servem bem às quatro histórias, com destaque para a terceira, desenhada por Peter Snejbjerg.

Com direito a palavrões, tramas envolvendo demônios e religião, dejetos humanos e uísque, as duas edições devem agradar aos fãs de Garth Ennis. A história dessa coletânea com John Constantine é um marco dos quadrinhos com temática adulta da DC Comics, sendo uma precursora do selo Vertigo. O encadernado com as histórias de Jesse Custer & Cia. é um tanto irregular e vale mesmo pela última HQ, que ironiza o universo gótico de Anne Rice e seu Entrevista com o vampiro. Para quem ficou interessado, Hellblazer: Hábitos Perigosos tem 160 páginas, custando R$37,90; Preacher: Memórias tem 244 páginas, ao preço de R$22,90.

14 comentários:

Noturno disse...

Muito boa sua análise, Wellington! Eu deixei passar o encadernado do Hellblazer, mas confesso que fiquei com muita vontade de dar uma conferida depois que eu li seu texto.

Abraço!

Anônimo disse...

Constantine pra mim só se tiver um bom desenhista e artefinalista que sustente o grafismo do personagem.
Talvez seja coisa de desenhista...mas não consigo ver além de uma "passada de olhos" de algum trabalho desse personagem.
Abs,
Zerramos

Wellington Srbek disse...

Legal, Noturno! Como eu disse, os desenhos são péssimos, mas o roteiro realmente vale ser lido.
Por isso mesmo, Zerramos, acho que seria legal você reavaliar a questão. Era muito comum na virada para os anos 90 as HQS de terror da DC terem ótimos roteiros e péssimos desenhos. Isso faz com que elas não sejam exemplos de quadrinho-arte, mas ainda assim as histórias merecem ser lidas.
Abraços!

Noturno disse...

Por mais que no gênero "quadrinhos" seja essencial a arte (e quanto melhor, maior a qualidade), eu dou muito valor à história.

Image Comics, nos primórdios, por exemplo, não é pra mim.

Vou dar uma conferida sim nesse material. Até porque sou fã do Ennis.

Abraço!

Anônimo disse...

Valeu, Wellington, vou seguir o conselho e deixar um certo preconceito de lado e correr atrás.
Vamos ver no que dá...
Abs,
Zerramos

Wellington Srbek disse...

Beleza, pessoal, abraços e boas leituras!

Bira disse...

O Garth Ennis é muito louco!
Apesar disso, escreve bem pacas!
Hauahuahhauhauhauha
Ótimo texto, Srbeck!

Wellington Srbek disse...

Bom revê-lo por aqui, Bira!
Legal que tenha gostado do texto.
Grande abraço!

Anônimo disse...

Excelente texto adoro Hellblazer. Sei la, eu meio que nado contra a maré quando falam de Garth Ennis. Confesso que não sou grande conhecedor de sua obra, mas o que eu li me soa extremamente forçado. Não sei por que, mas eu sempre fico com a impressão, que o Garth Ennis faz questão de fazer esse tipo de historia, só pra mostrar quanto ele é "mal" ou "fora dos padrões", ou qualquer coisa do tipo.

Não que eu tenha problema com historias desse tipo extremamente, que sejam violentas ou com humor negro, mas não sei por que com Garth Ennis tenho essa impresso, coisa que não ocorre, por exemplo, quando assisto a algum filme do Tarantino , por exemplo, que também usa bastante da violência e de humor negro também.

Mas em fim essa é uma opinião minha, é uma questão de gosto pessoal.
Excelente Blog ! Tchau !

Wellington Srbek disse...

"Hábitos Perigosos", que foi a primeira história que Garth Ennis fez para os EUA, eu gosto. Acho que o que aparece nela é justificado e justificável.
Já Preacher, quase como um todo, eu acho muito ruim, pois ali o Ennis está completamente fora de controle; é uma tampa de boeiro atrás de outra, só degradação humana, podridão e cusparadas. O tipo de coisa, gratuitamente doentia, que não me agrada nem um pouco.
Enfim, concordo com você. Pena mesmo que não tenha se identificado pelo nome...

Marcus disse...

Incrível eu pensei que eu era o único que tinha essa opinião em relação ao Garth Ennis. Faço das palavras de nosso amigo Anônimo e de tio Srbek minhas também. Também acho que Ennis força a barra demais às vezes.

Eu particularmente também não curto o estilo do cara. Mas como eu sou viciado, eu vou acaba comprando coisas como Hábitos Perigosos e a serie do Preacher, nem que seja pra fala que eu tenho.

Abraços Srbek de seu Padawan!

Wellington Srbek disse...

Grande Gafanhoto!
Eh, eu não gosto muito desse estilo de quadrinho-vômito do Garth Ennis. Não é que eu seja retrógrado, mas não dá só pra destruir e degradar, né? Tem que propor algo também, como fazem o Moore e até o Morrison.
Na resenha, fui mais pelo lado de uma análise técnica justamente porque minha opinião sobre Preacher já é negativa.
Aliás, Marcus, sugiro que compre o "Hábitos Perigosos", mas Preacher...
Abraço!

Anônimo disse...

Olha, também acho que o Ennis força muito a barra. Hellblazer na mão dele começou legal, com "Hábitos Perigosos", mas a conclusão da fase dele foi muito mal costurada. A sensação que deu foi de que todas as soluções que o personagem teve foram muito oportunas, parece que o Ennis tava com preguiça de pensar, ou seja, não conveceu. Ali ele já tava com o estilo bem próximo do que faria em Preacher. Então...
Eu particulamente gosto muito da fase do Delano. Não é querendo dizer que é datado, mas uma das maiores qualidades das histórias de Hellblazer do Delano é que elas "cheiram" a decada de 80. E eu não acho isso ruim. Serve e muito bem como pano de fundo das histórias. Pena que o final da fase dele, que ouvi excelentes elogios, ainda não foi publicada aqui.
Caetano.

Wellington Srbek disse...

Olá Caetano,
Aí você falou outra coisa com a qual concordo, que é o diferencial nas HQs norte-americanas / britânicas dos anos 80. Há algo de muito característico e especial em coisas como Monstro do Pântano do Alan Moore, os primeiros Sandman de Neil Gaiman, o Homem Animal do Grant Morrison e o Hellblazer do Jamie Delano (do qual eu até conheço pouco). Esses trabalhos, que têm a ver com a tal "invasão britânica", eram bons e inovadores, como se os roteiristas estivessem explorando um território ainda intocado nos quadrinhos. Por isso mesmo, salvo raríssimas exceções, da segunda metade dos anos 90 para cá não houve nada que se comparasse a essa quantidade de trabalhos de alta qualidade (refiro-me é claro aos roteiros especificamente, pois muitos desenhos nessas séries eram ruins de doer).
Abraço!