26/05/2008

Talento Monstruoso: uma entrevista com Steve Bissette, parte4.


Parte final de nossa entrevista exclusiva e Steve Bissette explica em detalhes tudo que aconteceu com a minissérie 1963 e seu “Anual perdido”. Para completar, algumas palavras sobre Zé do Caixão e Macunaíma!

Wellington Srbek: Outro projeto que gerou controvérsia ao longo dos anos foi a minissérie 1963, lançada pela Image Comics em 1993. Embora Alan Moore tenha dito no fim dos anos 80 que ele jamais escreveria uma nova história de super-heróis, após os problemas financeiros causados pela abortada série Big Numbers, ele retornou ao gênero com um pastiche dos primeiros quadrinhos da Marvel. Em termos de qualidade, a minissérie tem seus altos e baixos. De qualquer forma, 1963 é mais lembrada hoje por seu “Anual perdido”. Qual foi seu envolvimento nesse projeto?

Steve Bissette: Eu fui o “ponto zero”, podemos dizer. Tudo começou com um telefonema para mim, em 1992. Larry Marder estava ligando em nome de um dos sócios fundadores da Image, Jim Valentino, que na verdade não estava tão interessado que eu trabalhasse com a Image, mas sim que através de eu trabalhar com a Image ele conseguisse que Alan Moore trabalhasse com a Image. Era Alan que Jim realmente queria – mas eu era o único acesso aberto para eles, via a amizade de Larry COMIGO. Alan já tinha esconjurado participar de convenções anos antes (para saber as razões, leia o excelente The Naked Artist: Comic Book Legends de Bryan Talbot, p.19-20) e cultivava uma imagem de ser, bem, inacessível. Ele já tinha declarado, numa entrevista ao The Comics Journal, que a Image Comics era “a cocaína de crack dos quadrinhos” (comparada à Marvel que seria a “cocaína” dos quadrinhos), e a Image buscava legitimação e o envolvimento de criadores mais renomados para elevar seus próprios produtos. Valentino na verdade queria convencer Alan e eu a trabalharmos em Shadowhawk, sua revista na Image com o justiceiro que quebrava espinhas. Nós não estávamos nem um pouco interessados nisso, mas – bem, eu liguei para Alan e Rick Veitch, após falar com Larry e então com Jim Valentino. Pareceu-me que era algo que merecia alguma consideração fazermos nosso próprio quadrinho para a Image, e Alan e Rick concordaram.
Valentino estava jogando verde, na verdade, e o telefonema de Larry para mim pegou Alan, Rick e eu no momento certo. Estávamos cada um de nós em diferentes estágios de desencantamento com o experimento de Kevin Eastman na Tundra Publishing. Alan estava numa maré financeira particularmente baixa, e foi durante esse período que ele me ligou pedindo conselhos de como sair do atoleiro fiscal em que estava, pelo qual eu me sentia parcialmente responsável. A Taboo pagava apenas 100 dólares por página, e From Hell – mesmo com a recente aquisição e as reedições pela Tundra – devorava tanto de seu tempo, que Alan tinha pouco tempo ou energia sobrando. From Hell, Lost Girls e seu romance A Voz do Fogo eram todos trabalhos monumentais, mas rendiam muito pouco. Com isso, Alan não tinha tempo para se dedicar a trabalhos que pagassem melhor – caso os encontrasse. Assim, minha sugestão inicial, que na época ele aceitou como viável, foi a edição dos roteiros de From Hell na forma de livro, o que levou ao mal-fadado From Hell: The Compleat Scripts. Borderlands Press e Spiderbaby Grafix (minha firma) ambas pagaram a Alan pelos direitos e eu paguei a Eddie Campbell para fazer novas ilustrações, tudo com o objetivo de poder subsidiar melhor o trabalho de Alan e Eddie na série – isso acabou mal, contudo. O Volume 1 foi um grande sucesso e o Volume 2 estava ilustrado, diagramado e pronto para impressão, quando a compra dos direitos para o filme From Hell descarrilou nosso projeto. Nesse momento, Alan ficou cheio da grana e o projeto de edição dos roteiros passou a ser um problema para o pessoal do filme, por questões legais – Alan e Eddie tinham esquecido de mencionar o projeto durante a negociação dos direitos do filme. Boderlands ficou furiosa, e com razão, [mas] eu não vi vantagem em entrar numa batalha legal contra Alan e Eddie pelo quê era, no final das contas, uma obra deles, e convenci a Boderlands que devíamos simplesmente nos conformar. É uma pena, pois era um ótimo projeto; que era bem-sucedido e poderia continuar a ser, mas eu não ia me envolver em batalhas legais com Alan e Eddie, ponto final. Assim, um projeto bem-sucedido, originalmente concebido para resgatar Alan financeiramente, sem que ele precisasse fazer qualquer trabalho, foi afundado. C’est la vie.
Bom, não estou contando isso para reabrir velhas feridas, mas para explicar como Alan estava numa situação-limite em 1992. O que quer que se pudesse conceber para fazê-lo ganhar mais dinheiro NÃO poderia envolver o tipo de tempo e energia hercúleos requeridos pela roteirização de From Hell e Lost Girls – e lembre-se também de que Alan ainda estava cambaleando no desastre de Big Numbers, que o tinha esgotado tanto emocional quanto financeiramente. Graças a 1963 e à Image Comics, Alan estava fora de sua cratera fiscal no início de 1993 – mas muito chão foi percorrido entre 1992 e 1993, e isto foi nosso projeto para a Image.
Alan estava pessoalmente desgostoso com o rumo que os quadrinhos de super-heróis tomaram no fim dos anos 80 e início dos anos 90, e se sentia responsável por essa tendência graças a Watchmen. Logo, em mais ou menos uma semana de telefonemas e faxes (o e-mail não existia ainda) entre mim, Alan e Rick, nós resolvemos que: (a) SE fizéssemos qualquer coisa para Image, nós três trabalharíamos no “Método Marvel” para que Alan evitasse ter que escrever trabalhosos roteiros completos, e (b) o projeto teria que remediar a depravação e a negatividade dos quadrinhos de super-heróis daquele momento. Logo, Alan concebeu 1963, que seria composta de seis edições de falsos quadrinhos de 1963 – escritos, desenhados, coloridos e impressos como se tivessem sido publicados em 1963, refletindo esse conceito em cada aspecto de sua forma final – culminando num Anual Gigante à moda antiga, que traria os personagens de "1963" confrontando os personagens da Image de 1993. Esse seria o veículo para Alan confrontar o que os quadrinhos de super-heróis haviam sido – aquilo com o quê havíamos crescido – e o que o gênero havia se tornado, usando diretamente “a cocaína de crack” dos quadrinhos, o elenco de personagens da Image.
Bom, a mosca na sopa desde o início foi a Image. Deixe-me explicar isso – e entenda desde o início que se trata apenas de minha percepção dos eventos. Eu estou certo (eu sei) que você terá uma perspectiva diferente de Rick ou Alan, caso eles sequer se dêem ao trabalho de discutir a questão. Eis todos os fatores no conceito do Anual e o que aconteceu (ou, mais importante, não aconteceu):
1. Por sua própria natureza, o Anual requeria que TODOS os criadores da Image participassem do projeto e permitissem que usássemos seus personagens. Essa concepção cresceu exponencialmente para o conceito de que Rick e eu deveríamos desenvolver o Anual inteiro a partir das notas de Alan (que se tornariam um roteiro) e desenhar NOSSOS personagens de “1963”, e cada criador da Image deveria então desenhar SEU respectivo personagem nas páginas e quadros apropriados.
2. Desde o primeiríssimo telefonema, era ALAN que a Image queria. Era com ALAN que Jim Valentino queria trabalhar, não comigo ou Rick Veitch. Como Larry Marder mais tarde colocou, Rick e eu éramos literalmente “os rebocadores”, puxando o grande navio para o ancoradouro. Nós permanecemos sendo os rebocadores por todo o processo; para muitos dos sócios da Image, nós éramos meros peões no seu jogo de xadrez da indústria dos quadrinhos.
3. Compreenda também que os sócios da Image eram todos altamente competitivos, muitas vez infantilmente competitivos. Eram todos jovens, um deles (Rob Liefeld) mal saído da adolescência, e estavam engajados em disputas imaturas uns com os outros. Se quiser compreender esse aspecto da Image, Spittin' Image de Don Simpson diz tudo; esse continua sendo, na forma como vejo, o retrato mais fiel do que realmente estava acontecendo ali.
4. Valentino era o membro mais velho, e de muitas maneiras o cara que não fazia parte da turma – mesmo assim, ELE tinha de repente “faturado” Alan Moore. Logo, Valentino era agora um alvo – ao menos dois dos sócios da Image tinham agora a intenção de passar por cima dele – e Alan Moore era o prêmio.
Assim, sem seguir por toda essa história em detalhe (novamente, veja a entrevista de Rick Veitch para o The Comics Journal e a minha própria no n°185 para as particularidades), no fim Todd McFarlane passou a perna em Valentino telefonando para Alan Moore diretamente (uma vez que eu tinha feito a ponte entre a Image e Alan, a porta enfim estava aberta).
Todd passou a perna em 1963, ao fazer as quatro edições com os quatro roteiristas convidados – Frank Miller, Dave Sim, Neil Gaiman e Alan – todas publicadas antes de lançarmos 1963 Book One: Mystery Incorporated em abril de 1993. O impacto direto que isto teve sobre 1963 e Alan foi o recebimento de um gordo cheque, e Alan passar a trabalhar para Todd também na minissérie Violador. Logo, ele teria menos e menos tempo para dedicar a 1963, e menos e menos razões para devotar tempo a nosso projeto, já que seus dramas financeiros tinham acabado.
Jim Lee passou a perna em Jim Valentino ao anunciar – em meio a uma insana conversa cruzada entre intermediários, em julho de 1992, na San Diego Convention – que ele faria o Anual. A bizarra “conversação”, conduzida inteiramente por subalternos, foi dirigida a mim e a Rick quando caminhávamos da mesa da Tundra para o salão onde acontecia um debate da Image (na verdade, era mais como um comício!). Valentino tinha combinado conosco, através de telefonemas para Alan, que ele poderia anunciar que o projeto 1963 estava acontecendo. O que não sacamos totalmente era que Jim Lee estava agora se insinuando no processo – ele, através de seu subalterno, estava TIRANDO o Anual de Valentino. Nós não compreendemos completamente o que estava acontecendo; devíamos ter dito “não”. Mas estávamos sendo levados da mesa para o salão e tínhamos pessoas em cima da gente pressionando para que Jim Lee “fizesse” o Anual – como eu disse, nós deveríamos ter apenas dito “não”. Mas, quando chegamos ao salão, onde literalmente centenas de fãs em polvorosa assistiam aos sócios da Image num estranho debate semelhante a um comício, Jim Lee já tinha, com nossa cumplicidade, arrebatado de Valentino o Anual. No palanque, com nossa aquiescência, Valentino anunciou que tinha Alan Moore e 1963 – e Jim Lee literalmente roubou sua glória ao imediatamente anunciar que ELE faria o Anual. A multidão foi à loucura, Jim Valentino parecia apagado e Lee tomava seu lugar ao sol – e Rick e eu ainda não sabíamos bem o que tinha acabado de acontecer.
Bem, com o tempo, nós descobrimos. Eu continuo achando que perdemos controle do importantíssimo Anual daquele momento em diante. Rick meio que me culpa por não ter continuado à frente do projeto com ele, e eu não posso negar que perdi minha paixão pelo empreendimento durante a primavera de 1993. Uma vez que Alan se enchia de grana com Spawn, tornou-se cada vez mais difícil mantê-lo envolvido [com 1963]. Eu apenas vi umas poucas páginas do roteiro para o Anual, que nós deveríamos estar desenhando pela época em que terminamos o trabalho em 1963 n°4 – mas nós não conseguimos. Dois dos sócios da Image – Erik Larsen e Mark Silvestri – informaram-nos de que estavam a bordo, mas nenhum dos outros respondiam a nossas ligações e questionamentos. Contudo, não podíamos fazer o Anual sem eles. Na verdade, nós estávamos batendo de cara com o caos da Image.
Não conseguimos ter Jim Lee ao telefone uma vez sequer – eu ainda tenho uma cópia do fax que Lee nos enviou, com seu desenho de Planet (da revista Mystery Inc.), dizendo para não nos preocuparmos que ele estava a bordo – mas, até onde sei, não ouvimos mais nada dele. Ele tinha apenas “pegado” o Anual para roubar o aplauso de Valentino na San Diego Con. Não compreendemos inicialmente como os jogos de poder e ego na Image estavam afetando Valentino, mas agora estávamos aprendendo em primeira mão.
Mais frustrante para mim pessoalmente foi a contínua desconexão de Alan do processo. Isso acabou resultando na minha desconexão do processo também. Eu não descobri até anos mais tarde que Alan teve uma crise pessoal que agravou isso – o que mostra quão à margem de tudo eu tinha sido relegado. Eu vim a descobrir isso após anos sendo culpado pelo colapso do Anual; não posso dizer que estou em paz com como tudo acabou. Ao menos eu compreendo, em retrospectiva, um pouco mais de tudo que aconteceu, mas isso não muda os acontecimentos ou permite uma mudança nos acontecimentos.
Para mim, tudo se resume ao fato de os participantes-chave – Alan, Jim Lee, os sócios da Image – não poderem ser reunidos para completar o Anual. Era um conceito de Alan e os sócios da Image só se importavam em falar com Alan – mas ele não estava tomando qualquer iniciativa para isso acontecer.
Bom, compreenda, Rick e eu cultivamos isso também. Não estou falando mal do Alan. Rick e eu (bem estupidamente) tínhamos assumido todas as incumbências editoriais desde o início, sem pagamento extra por esse trabalho; nós fizemos isso inicialmente para nos certificarmos de que a série aconteceria, e devido a nosso amor e preocupação com Alan, que não tinha vontade de coordenar coisa alguma – ele só queria se divertir um pouco e ganhar alguma grana; então nós orientamos tudo para que tomasse o mínimo de tempo possível de Alan. Rick e eu nos tornamos os editores, incentivadores e auxiliares; enquanto a série se arrastava e os projetos de Todd McFarlane com Alan levavam a mais e mais trabalhos para a Image, foi se tornando crescentemente impossível manter Alan envolvido [com 1963].
Rick e eu acabamos montando as páginas de editorial e seções de cartas, que antes Alan tinha saboreado fazer. Foi um processo de erosão, que crescentemente afetou o Anual, que absolutamente REQUERIA o envolvimento de Alan. Afinal, os sócios da Image queriam trabalhar com ALAN, não comigo ou Rick – nós éramos na melhor das hipóteses, como foi deixado claro para nós, apenas funcionários. Intermediários.
Deveríamos estar trabalhando no Anual quando 1963 n°s 4, 5 e 6 estavam sendo letrerados, arte-finalizados e coloridos, mas nada tinha sido feito. Em abril de 1993, eu dei um basta: formalmente anunciei a todos envolvidos via fax que eu desenharia minha parte no Anual, mas não mais desempenharia funções editoriais, já que nem Alan Moore ou Jim Lee sequer atendiam telefonemas sobre o assunto. Eu sentia então e ainda penso hoje que foi uma avaliação e uma ação razoáveis – eu esperava, na época, que isso pudesse motivar alguma ação imediata, um mutirão para realizar o Anual, mas tudo o que fez foi deixar o Rick puto comigo. Ninguém se importou que eu estivesse recuando – exceto Rick, que sentiu que eu tinha deixado a peteca cair em nossa parceria. Não houve mutirão, para minha surpresa e desalento; foi como se eu fosse totalmente dispensável, e eu perdi toda a paixão pelo projeto.
Compreenda também que meu casamento de treze anos estava se desmantelando na época, sob circunstâncias muito penosas, e nós temos dois filhos. No verão de 1993, eu voltei minha atenção para a mais imediata crise dentro de minha própria família e deixei a sorte decidir as coisas. Alan se afastou cada vez mais, embora tenhamos mantido um hesitante contato telefônico durante aqueles meses, Rick estava cada vez mais puto comigo, e eu cada vez me importava menos. O Anual jamais aconteceu – nenhuma surpresa para mim – e nunca acontecerá.
O Anual, por natureza, era tão ligado a seu tempo – ao que estava acontecendo nos quadrinhos, nos quadrinhos de super-heróis e na Image em 1992-93. Nós não tínhamos idéia, salvo pelas ocasionais ligações sinistras de Larry ou Jim V., que porcariada a Image tinha se tornado também (o que logo se manifestou quando Rob Liefeld foi isolado e exorcizado do grupo). Mas não tínhamos controle sobre isso – e eu pensava então, e penso agora, que Jim Lee devia ter feito o que Jim Valentino fez para o resto da série, e honrosamente nos pastoreado através do processo necessário para completar o Anual. Mas até onde vejo, o único interesse dele era marcar presença sobre Valentino e o projeto, como um cão marcando seu território; era uma mentalidade de matilha em ação. Jim Lee não se importava com 1963 ou o Anual – ele anunciou publicamente que daria uma pausa nos quadrinhos na primavera de 1993. E foi isso, até onde me competia saber, e era tarde demais para convencer Valentino a assumir o comando – para ele bastava daquele projeto. Rick e eu não éramos da turma, na melhor das hipóteses, e agora éramos completamente dispensáveis. Alan estava trabalhando com diversos sócios da Image em todo tipo de projeto, para o benefício de todos. Nós – e 1963 – tínhamos servido a nosso propósito. Fomos descartados.
Francamente, como Larry Marder explicou pacientemente para mim na época, Rick e eu éramos “apenas rebocadores” – nós não éramos pares ou iguais aos olhos dos sócios da Image – e simplesmente não tínhamos força bastante para puxar os monstruosos navios Jim Lee e Alan Moore para o mesmo ancoradouro. Foi assim que tudo ficou, e é assim que ainda está.
Todo mundo ficou com um gosto ruim na boca pelo Anual não existir – foi um constrangimento para a Image e para Alan, por anos um ponto de atrito entre mim e Rick, e um poço sem-fim para perguntas como a sua, Wellington. Não importa quantas vezes eu ou Rick a respondemos, ela sempre volta.
Mas nós todos ganhamos um monte de dinheiro com 1963, o que tornou mais ridículo então e agora o fato de o Anual nunca ter acontecido. Se o tivéssemos completado, nós ainda estaríamos ganhando dinheiro com as coletâneas.
Compreenda, no entanto, que dinheiro era parte do problema. Ganhamos mais dinheiro com 1963 do que eu jamais tinha ganhado com quadrinhos. Jamais. Mas, uma vez que já não estávamos trabalhando a partir daquela estranha e divina conjunção de inspiração, fome e necessidade, a simples vontade de trabalharmos juntos se dissolveu.
No fim, a curto prazo, a Image conseguiu o que queria: Alan Moore. Uma vez que eles tinham Alan trabalhando nas coisas deles, Rick, eu e 1963 não éramos mais desejáveis ou imperativos. Alan conseguiu o que precisava na época: dinheiro sem o tipo de trabalho duro e obsessivo que projetos como From Hell e Lost Girls pediam. A curto prazo, Rick e eu ganhamos o bastante para nos livrarmos de vez da Tundra (que estava implodindo na época) e o bastante para finalmente publicarmos de forma independente. Ninguém precisava, ou teve, o Anual no fim.
A longo prazo, Rick e eu acabamos lidando com as consequências, a ainda lidamos. Depois que Alan encerrou todo contato comigo, há pouco mais de uma década atrás, uma sociedade simplesmente não era mais viável. Eu insisti num acordo legal para formalmente encerrar a sociedade sobre 1963, e ao fim de 1999 esse acordo foi devidamente negociado e assinado por todas as partes. Os três personagens que eu co-criei e desenhei – The Fury, N-Man e The Hypernaut – e todos os personagens e conceitos associados pertencem a mim. No caso de The Fury e N-Man, eu de fato desenhei os personagens, embora eu não tenha querido inicialmente pedir por Hypernaut, uma vez que Alan completamente concebeu e desenhou o personagem; mas ele insistiu, então que seja assim. Entretanto, eu não poderei jamais reimprimir as histórias que Alan escreveu com aqueles personagens, por decisão dele. Todos os outros direitos autorais pertencem a Rick e Alan, incluindo os títulos das revistas, exceto The Fury.
De tempos em tempos, Rick e eu colhemos pedidos e convites para reimprimir 1963 em forma de livro; nós pegamos nosso caminho através de vários campos minados, centímetro a centímetro, e Rick e eu estamos tranquilos quanto ao que podemos ou não podemos fazer. Pagaremos para sempre por todas as questões legais que não resolvemos em 1992-93 e pelo Anual não existir. O tempo dirá o que se dará, se é que algo se dará, disso tudo. Estou fazendo minhas próprias coisas com meus três personagens, que em algum momento verão a luz do dia.

WS: Muito obrigado pela entrevista, Steve!

SB: Eu fico constantemente admirado com quão global a leitura de alguns dos trabalhos que fiz realmente é. Minha profunda gratidão a todos no Brasil que tenham posto os olhos em Swamp Thing ou algo mais em que eu tenha dado uma mão. Eu espero que isso retribua, em alguma medida, todo o prazer que eu tive, ao longo dos anos, nesses trabalhos.
Eu devo ainda acrescentar que sou um grande fá dos filmes e quadrinhos de José Mojica Marins, em especial dos filmes e quadrinhos de seu personagem Zé do Caixão dos anos 60. Tive o privilégio de conhecer, entrevistar e jantar com José quando ele veio a primeira vez a uma convenção de terror em Nova Jersey, há mais de uma década atrás, e graças ao DVD eu consegui assistir a todos os seus filmes desde então.
Eu também adoro muitos outros filmes e quadrinhos brasileiros, embora eu tenda a gravitar em torno dos filmes mais incomuns – como a adaptação do livro Macunaíma de Mário de Andrade feita por Joaquim Pedro de Andrade, e o maravilhoso Como era gostoso o meu francês, feitos mais ou menos na mesma época (1969-71). Graças a vários fãs no Brasil, recentemente pude trocar cópias de lançamentos em DVD desses filmes, bem como alguns dos recentes filmes de zumbis, de baixo orçamento, feitos em seu país. Eu adoro todos!

4 comentários:

Amalio Damas disse...

Esta foi a melhor maneira de conhecer este blog. Logo na primeira vez que acesso, leio uma entrevista com um dos remanescentes de uma das maiores obras da nona arte produzidas até hoje, que foi o Monstro do Pântano. Além disso, fiquei com mais raiva ainda da Image, porque nunca vamos poder ler 1963, como acontece com Miracleman. Agora deu pra entender direitinho o que os "gênios" queriam o tempo todo, ver quem tinha o maior pau e conseguia juntar mais dinheiro. Parabéns Wellington, tanto pelo blog, quanto pela entrevista.

Wellington Srbek disse...

Seja bem-vindo, Amalio! Bom saber que gostou da entrevista e do blog. Não deixe de divulgar com os amigos e voltar sempre!
Você já deve ter notado, mas já temos aqui textos sobre a série do Monstro do Pântano, os quadrinhos de Alan Moore e também sobre a Image.
Grande abraço e boas leituras!

Thivá F.S disse...

Nossa, ótima entrevista. Pra ser sincero, não conhecia o projeto 1963, mas sou um grande fã de Steve Bissette. Que história!
Parabéns.

Wellington Srbek disse...

Que bom que gostou da entrevista, Thivá!
Eu também sou fã do trabalho dele e fiquei feliz demais em poder entrevistá-lo.
Grande abraço e volte sempre!
W.S.