21/02/2008

Harvey Kurtzman: cartunista, roteirista, editor e gênio dos quadrinhos.


Completam-se hoje quinze anos do falecimento de Harvey Kurtzman. Cartunista, roteirista e editor de grande talento, ele foi um dos nomes de destaque na extinta EC Comics, além de ser o criador da Mad, um importante colaborador da Playboy e um dos artistas mais influentes dos quadrinhos norte-americanos. Tendo emprestado seu nome a um conceituado prêmio, o quadrinista nascido em Manhattan em 1924 é, no entanto, relativamente pouco conhecido no Brasil (principalmente considerando a importância de sua obra).

Harvey Kurtzman começou a desenhar quando criança (com giz na calçada em frente à sua casa), ganhando mais tarde concursos de desenho que o incentivaram a continuar. Cursando uma escola técnica de Artes, ele conheceu alguns dos desenhistas que se tornariam seus parceiros na futura carreira, como John Severin e Will Elder. Com o advento da Segunda Guerra Mundial, o aspirante a cartunista teve que servir em bases militares nos Estados Unidos, mas logo retornou à sua grande paixão. Páginas de HQs e cartuns para jornais e revistas se seguiram nos primeiros anos de sua trajetória profissional, notoriamente a série Hey Look!. Mas seu destino eram mesmo as revistas em quadrinhos.

Foi na revolucionária editora EC Comics (conhecida pela revista de terror Tales from the Crypt) que Kurtzman despontou como um dos mais talentosos artistas dos quadrinhos norte-americanos. Dono de um traço que chamo de cartunizado (que concilia simplificações próximas ao estilo cartunístico, com proporções próximas ao desenho acadêmico), o artista logo conquistou um lugar fixo na editora. Com histórias de ficção científica para as revistas Weird Science e Weird Fantasy, ele também se firmou como um roteirista muito popular entre os leitores. Atento ao resultado dos trabalhos, Kurtzman costumava desenhar esboços detalhados de cada uma das páginas dos roteiros feitos para outros desenhistas.

Talentoso e eficiente, o quadrinista acabou acumulando funções de editor. Foi assim que, após o advento da Guerra da Coréia (1950-1953), Kurtzman convenceu o dono da EC Comics, William Gaines, a mudar o enfoque de sua revista bimestral de aventuras, a Two-Fisted Tales, para algo mais sério e voltado ao clima do momento. Com isso, surgia um dos melhores e mais influentes quadrinhos de guerra já feitos. Com capas desenhadas por Kurtzman, inicialmente as temáticas das HQs variavam muito, indo da conquista espanhola das Américas, até a Segunda Guerra Mundial, passando por contos de contrabandistas da Amazônia, imperadores romanos e piratas sanguinários. Com o tempo, porém, histórias com relatos da Guerra da Coréia, bem como denúncias das atrocidades de outros conflitos passaram a predominar.

Publicada no momento em que os Estados Unidos mergulhavam numa nova guerra, Two-Fisted Tales não fazia a apologia patriótica que se esperava. Como explicou o próprio Kurtzman: “os quadrinhos de guerra até aquele momento tinham mostrado só um lado. Os americanos eram os mocinhos e todos os outros eram maus. Os soldados americanos eram caras bonitos e durões com nervos de aço. Os inimigos pareciam sub-humanos e eram covardes sem-orgulho. Eu queria fazer um quadrinho de guerra que mostrasse a verdade” (The New Two-Fisted Tales, 1993). Com boas histórias, narrativa eficiente e desenhos de qualidade, a revista tornou-se um grande sucesso, motivando o lançamento de outra antologia de guerra, a Frontline Combat.

Mas o que tornou Harvey Kurtzman um nome conhecido internacionalmente foi outro gênero editorial. Com o sucesso mercadológico da EC Comics, William Gaines resolveu lançar uma nova publicação editada por Kurtzman, porém dessa vez no gênero do humor. Lançada em 1952, editada, escrita e totalmente esboçada por Kurtzman, Tales Calculated to Drive you Mad era uma revista em cores, trazendo HQs curtas desenhadas por Will Elder, John Severin, Jack Davis e Wally Wood. Já na capa-cartum ilustrada pelo próprio editor, a primeira edição da Mad deixava clara sua proposta de um humor inteligente e baseado principalmente em sátiras culturais. Ao longo das primeiras edições não faltaram paródias a filmes e quadrinhos de terror, faroeste, ficção científica, aventura e super-heróis, além de personalidades dos esportes e da cultura norte-americana da época.

A versão comic book da Mad durou até meados de 1955, quando a revista passou a ser publicada em formato magazine e em P&B. Essa mudança foi proposta por Kurtzman, que buscava mais reconhecimento social e recompensa financeira por seu trabalho. No final das contas, a Mad não apenas passou a vender mais, como acabou sendo a única publicação da EC Comics a sobreviver à “caça às bruxas” que levou à imposição do nefasto Código de Ética dos Quadrinhos (de cuja influência a nova versão da revista escapava). Ainda assim, no ano seguinte, Kurtzman deixou a EC Comics, após se desentender com seu patrão. De fins dos anos 50 até o início dos anos 60, o cartunista, roteirista e editor participou de vários projetos e iniciativas para fazer decolar uma nova publicação de humor, lançando títulos como a Help! e abrindo espaço para novos talentos como Robert Crumb e Gilbert Shelton.

A última criação de sucesso produzida por Kurtzman foi a série Little Annie Fanny, veiculada pela revista Playboy entre 1962 e 1988. Em quadrinhos desenhados e pintados inicialmente por Will Elder, a sátira traz sua bela, ingênua e bem-dotada protagonista, em várias situações de conotação sexual. Mas o trabalho mais significativo de Kurtzman foram mesmo as revistas que ele criou e editou nos anos 50 e 60. Produções como Two-Fisted Tales e Mad reinventaram os quadrinhos de guerra e a sátira em quadrinhos, recebendo seguidas reimpressões. Mais que isso, seu trabalho contribuiu para ampliar as possibilidades temáticas das HQs norte-americanas, além de redefinir os padrões do humor. Seus quadrinhos com “conteúdo” e suas sátiras inteligentes influenciariam criações importantes, como os roteiros de Alan Moore, a série Os Simpsons e os filmes de Monty Python. Gênio dos quadrinhos, Harvey Kurtzman faleceu em 21 de fevereiro de 1993, em decorrência de um câncer no fígado.

Nenhum comentário: