18/01/2008

Virtudes variadas: uma entrevista com David Lloyd, parte3.


Parte final de nossa entrevista exclusiva, e David Lloyd fala porque ele prefere HQs curtas e também sobre sua nova graphic novel que será lançada no Brasil em 2008.

Wellington Srbek: Você já trabalhou com três outros importantes roteiristas britânicos: Grant Morrison, Garth Ennis e Jamie Delano. Como foi trabalhar com eles em Hellblazer?

David Lloyd: Bem, eles são todos grandes escritores. Mas trabalhar com Jamie foi diferente de trabalhar com os outros dois, porque criamos “O Horrorista” numa maneira ao “estilo-Marvel” - ou seja, trabalhando inicialmente com croquis da ação página por página, a partir dos quais eu desenhei os esboços, e a partir dos quais Jamie escreveu o texto final. Eu sempre considerei que esta forma de criar quadrinhos dá ao desenhista muito mais condições de fluir melhor a narrativa visual. Tudo que fiz com Jamie, eu fiz dessa mesma forma. Grant e Garth forneceram roteiros completos. Uma vez eu sugeri ao Garth que trabalhássemos em algo da mesma forma que eu trabalho com o Jamie, mas ele levantou as mãos para o alto horrorizado com tal perspectiva! Um roteirista sacrifica algo de seu controle se trabalha ao estilo-Marvel, e alguns roteiristas não querem isso.

WS: Você parece ter uma preferência por HQs curtas ou séries limitadas, e um gosto por experimentar diferentes técnicas.

DL: Uma razão é que me entedio facilmente, outra é que eu gosto de HQs curtas. Acho que poderia passar toda a minha carreira fazendo HQs curtas de vários tipos, se isso fosse comercialmente viável. Mas nos dias de hoje revistas de antologia sempre têm dificuldades para sobreviver. E, sim, eu gosto de experimentar se possível. Muita coisa nesse negócio [dos quadrinhos] está enraizada em práticas tradicionais voltadas a métodos de produção rápida e, como a experimentação geralmente toma tempo, não é sempre que se pode experimentar. Mas como eu disse, eu me entedio fácil - e a emoção de descobrir uma nova forma de representar algo, ou usar uma nova técnica, nunca se acaba para mim. Eu acho que a aventura de criar algo em arte é uma coisa preciosa, e eu quero preservar isso.
Uma outra parte da questão é que eu nunca quis me tornar um desenhista que vai de um trabalho para outro apenas para manter as contas em dia. Há muitos desenhistas que fazem isso, e eu os respeito por seu profissionalismo - mas eu enlouqueceria fazendo isso. Eu trabalho em coisas que acho interessantes de se trabalhar - e raríssimos projetos de longo prazo têm esse grau de atração para mim. O que aconteceria se eu ficasse entediado no meio de um projeto longo? O resto dele seria um inferno. No começo de minha carreira eu trabalhei em qualquer coisa que aparecia porque eu precisava, mas logo descobri que seria uma boa idéia ter sempre no banco um fundo de reserva que me poupasse da necessidade de pular de um trabalho a outro, a toda hora. E ter essa reserva foi muito importante quando eu quis criar minha própria graphic novel: Kickback. Se eu não tivesse podido escapar da ralação de trabalhar nos roteiros de outras pessoas, como eu teria encontrado tempo para trabalhar nela?

WS: Fale-nos, por favor, de seu novo livro São Paulo, lançado pela Casa 21.

DL: Ele é parte de uma série encomendada pela editora a vários artistas, tendo como tema cidades do Brasil. Eles são retratos dos lugares - texto e ilustração - como vistos do ponto de vista dos ilustradores. Existem volumes sobre o Rio, Belo Horizonte e Salvador, entre outros - estou certo de que você conhece os livros. E me pediram que fizesse o livro sobre São Paulo. Eu pensei muito seriamente antes de aceitar o trabalho. É um desafio e uma grande responsabilidade - retratar uma das maiores cidades do mundo em ilustração e texto não é uma tarefa para se aceitar levianamente, a menos que você seja louco. E pareceu uma responsabilidade e um desafio ainda maiores quando eu fui para São Paulo fazer a pesquisa. Eu descobri que muitas pessoas conheciam e gostavam de meu trabalho lá, e esperavam ansiosamente para ver o que eu faria de sua cidade. Foi muito diferente de minha prática usual de contar uma história sobre pessoas ficcionais num mundo ficcional, onde a verdade é uma escolha e não uma realidade. Definitivamente, no entanto, eu podia apenas responder ao que eu via e ouvia em minha jornada pela cidade naquela viagem de pesquisa, e compilar o livro com aquelas percepções, que foi o que fiz. Eu não sei quão bem, ou mal, os paulistanos responderam a ele. Muitas coisas amáveis me foram ditas sobre o livro quando voltei à cidade para o lançamento [no último mês de dezembro] e depois dele por algumas pessoas, mas não tenho noção de qual seja o consenso geral. Espero que, em geral, seja bom.

WS: Como está a indústria de quadrinhos na Grã-Bretanha hoje, e como você vê o futuro dos quadrinhos em geral, como linguagem e indústria?

DL: Na Grã-Bretanha, não há “indústria” de quadrinhos enquanto tal. Poderíamos ter tido uma aqui, se as editoras tivessem se importado o bastante com nossos talentos locais para mantê-los empregados no Reino Unido, em vez de deixá-los ser exportados no atacado para os Estados Unidos. Mas os editores não se importaram. Enquanto nação, nós não vemos realmente os quadrinhos como uma parte essencial da cultura, como os Estados Unidos e outros países vêem. Nós temos apenas uma revista que é importante em termos artísticos - e que ainda é um campo fértil para muitos novos talentos britânicos - a 2000AD. O resto é principalmente uma mistura de produtos de mercado licenciados ou títulos infantis.
É impossível fazer qualquer previsão sobre os quadrinhos em geral, porque eles variam de país para país e cobrem um enorme campo de estilos. Mas o mangá parece que ocupará um lugar permanente em cada país para o qual tenha sido exportado. Isso é o máximo que eu me arriscaria a especular com alguma certeza.

WS: No quê você está trabalhando agora? Algum novo projeto?

DL: Bem, em março ou abril, [a graphic novel] Kickback estará nas lojas no Brasil - e será algo inédito para os brasileiros. É o primeiro trabalho substancial que pude escrever para mim mesmo - anteriormente eu tive tempo apenas para escrever umas poucas histórias curtas e uma edição única de uma série. Ser um desenhista/roteirista é a melhor e mais satisfatória coisa para se fazer como criador nessa linguagem, se você tem algo que queira dizer com ela. Kickback é um suspense sobre um policial corrupto numa polícia corrupta, que decide mudar sua forma de vida - mas a história é tanto sobre porque ele é corrupto, quanto sobre como ele supera os obstáculos para alcançar uma mudança. Ela tem todos os elementos de uma história policial de ambientação urbana, mas ela é mais sobre as pessoas na situação, do que a situação em si. Eu espero que todos gostem dela aí.
O novo trabalho este ano começa com a ilustração de uma HQ curta para uma coletânea francesa de histórias sobre crianças que foram separadas de seus pais durante a Segunda Guerra Mundial. Depois uma história de fantasmas para outra publicação francesa. E então estarei começando o trabalho numa nova graphic novel, sobre a natureza da qual eu ainda estou por me decidir.

WS: Bom, muito obrigado por esta entrevista!

DL: Realmente não há de quê.

8 comentários:

Anônimo disse...

Opa, muito boa a entrevista! Ótima tradução também! Com certeza um dos pontos altos do blog que já começa o ano bem!

Abraços!

Gustavo Carreira (requiem) disse...

Grande entrevista (pela qualidade e extensão) ;)
Abraço

Wellington Srbek disse...

Valeu, pessoal! Também gostei muito de fazer a entrevista. E olha que depois que as respostas chegaram eu ainda teria outras perguntas complementares para fazer... Fica para outra ocasião. Não deixem por favor de divulgá-la e divulgar o blog, para termos cada vez mais leitores e o Mais Quadrinhos também começar a gerar alguma receita. Grande abraço!

Ismael disse...

Eu deixei os links en La Cárcel de papel e no Entrecomics, dois dos weblogs espanhois mais conhecidos. Tambén solicitei a criação dunha seção de blogs estrangeiros nun agregador de blogs de comics.

Anônimo disse...

bacana a entrevista e a tradução. abrangente e interessante.

Wellington Srbek disse...

Muchas gracias, Ismael!
Olá Hiroshi, farei o possível para realizar outras entrevistas interessantes como esta no futuro.
Abraço a todos e continuem divulgando!

I'm a Rock disse...

Srbek, muito bem executada e interessante a entrevista com o D. Lloyd! Admiro o trabalho dele após a entrevista fiquei ansioso para conferir Kickback. Fiquei sabendo do lançamento dos desenhos de SP no traço dele mas ainda muito pro meu atual orçamento...
Moya em "História da História em Quadrinhos" nos compêdios coloridos descreve a arte de Lloyd em V de Vingança como "funcional". Fica-me até hoje presa na garganta a sensação de qualificação injusta.
Abraços.

Wellington Srbek disse...

Certamente, os desenhos dele, em especial no V de Vingança, são muito mais que "funcionais". Se você pegar as páginas em P&B, fica ainda mais evidente a expressividade do traço. Mesmo porque, num mundo de desenhos estilosos e exagerados, um traço realista e contido como o dele acaba se tornando a grande estilização.