Dear
Leonard,
Começo me desculpando por chamá-lo pelo
primeiro nome, em vez de utilizar um mais solene “Mr. Cohen”. Mas você gostava de
chamar o público de suas apresentações de “friends”, então me sinto convidado a
chamá-lo de Leonard. Você que, com suas canções singulares e arrebatadoras, se
tornou alguém tão familiar nos últimos 15 anos. Alguém tão
significativo para mim, que ler a notícia de seu falecimento foi como
levar um soco no peito. Um forte golpe, que me deixou com um aperto no coração e sem muitas palavras com as quais responder. Foi algo como perder um amigo de longa data, ou um grande mestre.
Lembro-me que, ainda criança, eu já tinha
ouvido canções como “Suzanne” e “So long, Marianne”, pois trechos delas tocavam
numa propaganda de TV anunciando coletâneas de discos com sucessos de décadas
passadas, nesse caso, dos anos 60. Mas nosso primeiro encontro
realmente significativo para mim foi em 1994, numa sala de cinema, logo na
abertura de Assassinos por Natureza de Oliver Stone, em que somos magnetizados por seu timbre ecoante e abismal na
incomparável “Waiting for the miracle”. E você volta a emprestar sua voz a cenas do filme, e é com ela que vemos subirem os créditos ao final, ao som da profética “The
Future”.
Eu era então jovem e absolutamente dedicado
ao ofício dos quadrinhos, de forma que música e poesia eram periféricas em
minha vida. Isso mudaria, porém, no começo de 2001, quando um fim de namoro deixou-me sentindo totalmente perdido. Fiquei sem a amada da época e sem um rumo certo, prosseguindo como uma sombra de mim mesmo. Quando consegui me organizar um pouco melhor, era hora de encontrar novos sentidos e resolvi começar por “descobrir o rock”. Fiz uma lista de músicas e saí
para comprar CDs com clássicos dos Beatles e dos Stones, The Doors e mais. A maior
parte desse “mais” sendo Bob Dylan, em vários CDs e vinis.
Eu já começava e me tornar fã de carteirinha
de Dylan, quando me lembrei daquela voz incrível na abertura daquele filme de 1994. Foi aí que meu amigo e mestre nos quadrinhos, Nilson Azevedo, contou-me
de quem era aquela canção e quão fantástico era o cantor e compositor
canadense chamado “Leonard Cohen”. Naqueles meados de 2001, Nilson fez algo que
eu mesmo faria para outras pessoas ao longo dos anos seguintes, que é oferecer essa senha, hoje menos secreta, quase pop até, para um universo
inteiro de melodias e letras, beleza e sabedoria. E bastou ouvir sua coletânea "The Greatest Hits" para logo voltar às lojas de discos, obstinadamente em busca de CDs e vinis que tivessem o nome “Leonard Cohen” na
capa.
“Time out of mind” de Dylan e o seu “Songs
of love and hate” me resgataram da “avalanche” que havia coberto minha alma e me
ajudaram a encontrar um rumo novo em 2001. Claro que os processos de cura deixam suas
cicatrizes, e um coração partido jamais se refaz o mesmo de antes, mantendo
algumas fissuras. O que é parte dos maravilhosos paradoxos da vida, pois como nos conta uma de suas lindas canções: “há uma falha em todas as coisas /
é assim que a luz adentra”. E o coração partido se regenerou, para amar mais
e de novo, depois e agora, tendo ganhado fissuras pelas quais a poesia, de Dylan, de Drummond e a sua em especial, chegou para fazer de mim alguém outro.
E você, dear Leonard, nos ensinou tanto sobre a vida e o mundo, sobre amor ao próximo e amar a Humanidade! É claro que você ter
ensinado não quer dizer que nós aprendemos, não é mesmo? De qualquer forma,
com o tempo que passa, como têm feito sentido para mim seus versos que falam: “não
se prenda ao que já passou / ou ao que ainda está por vir”... Viver o presente, cada momento plenamente, outro ensinamento seu, um discípulo budista de origem judaica, que
citava Jesus em várias de suas canções e talvez tenha sido a melhor personificação de um monge-trovador, a cantar as verdades e os reveses, as delícias e as amarguras do
amor, físico e espiritual.
Não vou aqui repetir a lista de suas
canções que mais gosto, pois na certa acabaria por deixar alguma de fora. Afinal, você é o único músico de quem tenho todos os discos. Que Dylan não me
ouça dizer isso... E como foram excelentes seus mais recentes discos de estúdio
e os CDs e DVDs de apresentações ao vivo! Nestes últimos, em particular, é
possível ver como você se sentia realizado durante sua Grand Tour,
entrando correndo no palco, reverenciando seus virtuosos companheiros e
companheiras de turnê, brincando com as plateias pelo mundo, saindo de cena
dançando e sorrindo. Confesso que achei seu último disco de estúdio muito
sombrio, mas o título já nos avisava disso, e de fato estamos em tempos pouco
iluminados.
Mas já me delonguei demais nesta carta, dear
Leonard. Passa do meio-dia, de um dia chuvoso e frio. Dizem que hoje teremos a
maior Lua dos últimos 70 anos, mas por aqui parece que só um milagre permitirá
que a vejamos. De qualquer forma, continuemos esperando pelos milagres, certo?
Bem, levei alguns dias para poder sequer pensar em te escrever algo, e acabei
escrevendo mais do que imaginaria a princípio. Pois, na verdade, tudo que
está dito nas linhas acima pode ser resumido num: Obrigado, mestre, por tantos belos ensinamentos, por tantas belas canções
de amor e sabedoria, trilha com a qual sigo a estrada da vida!
W. Srbek
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