Nasci
em 1974. A antiga República brasileira completava então 85 anos; e aquela velha senhora
dava sinais de que não ia nada bem. Após viver uma crise da meia-idade nos anos
30, com o Estado Novo ditatorial de Vargas, a República brasileira vivia a pior fase de uma nova
Ditadura militar instaurada em 1964, e que ainda se prolongaria por mais de uma década. Nossa
República não tinha na época nada de democrática, estava decrépita e
necessitava urgentemente de ares de liberdade.
Mas
esse sopro de liberdade só começaria a ventilar em 1979, com a Lei da Anistia,
que permitiu o retorno ao país de vários exilados políticos. E ainda teríamos
que chegar a 1985 para termos um civil ocupando o cargo de presidente da república, ainda que ele não tenha sido eleito de forma direta, e que quem assumiu
o cargo não tenha sido sequer aquele eleito indiretamente. A derrota do movimento
das Diretas Já, em 1984, foi o primeiro susto na nova República que lutava para
nascer. O falecimento do presidente eleito indiretamente pelo Colégio
Eleitoral, o Sr. Tancredo Neves, com a posse de seu vice, o Sr. José Sarney, não
foram bons augúrios para a nossa recém-nascida República democrática.
A
primeira eleição direta para presidente viria apenas em 1989, com a escolha do
Sr. Fernando Collor de Mello, um midiático “caçador de marajás” e “salvador da
pátria”. Mas ele acabaria envolvido em denúncias de corrupção, tendo sido
destituído de seu cargo pelo Congresso Nacional, que não pôde ignorar as
matérias que circulavam na imprensa ou as manifestações nas ruas,
de pessoas com camisas pretas e caras pintadas em faixas de verde e amarelo.
Presidente destituído, assumiu seu vice, o Sr. Itamar Franco, que aos trancos e
barrancos nos ajudou a manter nossa democracia, de quebra estabelecendo uma tão
desejada estabilidade monetária, após anos de planos econômicos frustrados,
sucessivas trocas de moeda e inflação fora de controle.
Quem
tem idade ou interesse o bastante para ler este texto sabe bem o que veio
depois: 8 anos de Governo FHC, seguidos de 8 anos de Governo Lula, o primeiro
com seu autoritarismo e privatizações nebulosas, o segundo com seu populismo e
denúncias de compra de apoio parlamentar. Ainda assim, nossa democracia prosseguiu, e
elegemos a presidente Dilma, para um excelente início de mandato em 2011, que
agora vai se tornando algo que ninguém sabe muito bem para que lado vai. Ainda
temos eleições diretas, mas depois da violenta repressão policial aos
manifestantes, na quinta-feira 13 de junho em São Paulo, endossada pelas três esferas
do poder constituído, eu me pergunto: o que temos além de uma democracia formal,
de irmos às urnas de vez em quando para votar? O que é esta "República" brasileira?
Volto
então àquela velha senhora nascida em 1889. Nascida por meio de anseios de
parte da elite brasileira, descontente com o governo do Imperador Dom Pedro II.
Nascida, não se deve esquecer, por meio de um golpe de Estado militar. Pois, como
relatou uma testemunha dos fatos, na proclamação da república no Brasil não
houve uma efetiva participação do povo: “que assistiu a tudo aquilo
bestializado”. E aí está talvez a grande contradição política de nosso país, pois, se “república” traduz-se como “coisa pública”, não pode haver algo “público”
sem propriamente a participação do povo. E sem bases republicanas, de participação,
direitos e deveres, não há democracia que se estabeleça de fato e plenamente.
Quando
se instaurou o regime republicano no Brasil, escolheu-se para nossa bandeira o
lema positivista: “Ordem e Progresso”, privado de seu terceiro elemento: "Amor". E isso diz muito do país que se formou
nas décadas e no século que se seguiram. Em nome da “ordem pública” e do “progresso
econômico”, as manifestações populares foram e têm sido regularmente reprimidas
pela força policial. Mas a verdade é que nenhuma república
se faz sem a participação do povo, e nenhuma democracia se mantém sem o
respeito pela liberdade de expressão. A
nova República nascida em 1985, que ganhou sua certidão de nascimento com a “Constituição
Cidadã” de 1988, não veio para seguir os passos de sua antecessora de 1889,
embora muitas vezes esteja repetindo os mesmos erros.
Mas uma cidade, um
estado, um país não são seus prédios, suas fábricas, suas fazendas. Um país é seu povo. E somos muito mais que a “Pátria de Chuteiras”. E
podemos ser muito mais do que somos hoje. Se trabalharmos de fato por isso, podemos vir a ser um país justo,
democrático e, é claro, verdadeiramente republicano.
(Ilustra
esta postagem uma versão da bandeira do Brasil desenhada por Henfil, grande
brasileiro, defensor da democracia e da liberdade, falecido há 25 anos.)