08/07/2010

1963: uma série que marcou época e virou história (II).


Reunindo uma equipe renomada que, além de Steve Bissette e Rick Veitch, contava com Dave Gibbons e John Totleben, entre outros, 1963 estreou com estardalhaço. Quando chegaram às lojas em 1993, Mystery Incorporated, The Fury, Tales of the Uncanny, Tales from Beyond, Horus e Tomorrow Syndicate traziam de fato algo que, se não era exatamente “novo”, era na certa inovador. Com personagens inspirados nos heróis Marvel tradicionais (Quarteto Fantástico, Hulk, Homem-Aranha, Thor, etc.), as revistas imitavam os estilos de desenho, diagramação e colorização dos anos 60 (proposta criativa que seria repetida com perfeição na revista Tomorrow Stories Special n°2); a imitação era tão completa que Moore produziu editoriais, seções de cartas e até anúncios publicitários de época (neste caso antecipando o que faria em 1999 na minissérie The League of Extraordinary Gentleman).

O fato é que toda a concepção de 1963, da criação à edição, tinha como modelo as revistas clássicas criadas por Stan Lee, Jack Kirby, Steve Ditko & Cia. Deixando de lado seus roteiros extensos e absurdamente detalhados, o “Afável Al Moore” se inspirou no chamado “Método Marvel”, escrevendo apenas indicações gerais para os desenhistas e trabalhando os diálogos após as páginas serem desenhadas. Mas, para muitos, a imitação do tom bombástico dos editoriais dos anos 60 e mesmo a forma pomposa como os nomes dos autores aparecem nos créditos das HQs, resultou mais numa autopromoção de Moore, do que propriamente numa homenagem aos quadrinhos clássicos. Chamadas às vezes de pastiches dos quadrinhos da Marvel, as seis edições da minissérie variam em qualidade, algumas aproximando-se mais, outras menos, da proposta estética que as originou.

Desenhada por Veitch e arte-finalizada por Gibbons, Mystery Incorporated sustenta-se como uma boa releitura do Quarteto Fantástico (apesar das similaridades com a revista Doom Patrol n°53, criada por Grant Morrison e Ken Steacy um ano antes). Maior destaque vai para o traço “Steve Ditko” da HQ com o personagem Hypernaut e o traço “Jack Kirby” da história com N-Man, ambas desenhadas por Bissette (para as revistas Tales of the Uncanny e Tales from Beyond, respectivamente). Pelo conjunto, a melhor revista é Horus – Lord of Light, que substituiu a mitologia nórdica do Thor da Marvel pela mitologia egípcia, num ótimo roteiro de Moore, desenhado por Veitch e Totleben. As demais histórias deixam a dever, embora a minissérie conte ainda com uma boa edição final, que reúne os diversos personagens e estabelece uma ponte para o “Universo Image” de 1993, anunciando o “Anual Gigante” que reuniria passado e presente.

Essa edição especial de oitenta páginas completaria a proposta estética de 1963, contrapondo os ingênuos heróis do “passado” aos violentos e sombrios personagens dos anos 90. Entretanto, as coisas começaram a dar errado e a já controversa minissérie acabou tendo um final tumultuado. Uma vez que envolveria os principais personagens da Image (Spawn, Wild C.A.Ts., Youngblod, etc.), o “Anual Gigante” precisaria contar com a participação de seus criadores (Todd McFarlane, Jim Lee, Rob Liefeld, entre outros), que na época já não se entendiam muito bem. Além disso, teria faltado empenho de Moore no final, uma vez que a minissérie já havia resolvido seus problemas financeiros e que o esperto Todd McFarlane o havia contratado (a peso de ouro, segundo consta) para produzir uma HQ do Spawn e em seguida as minisséries Violador e Feudo de Sangue (alguns dos piores trabalhos assinados pelo roteirista inglês).

Numa trajetória que envolveu disputas e trapaças, o “Anual Gigante” acabou não sendo realizado e, como efeito colateral, Moore rompeu seu contato com Bissette. Mais tarde, os direitos autorias sobre os personagens de 1963 foram divididos entre os três autores principais, num acordo que inviabilizaria a republicação da minissérie (até o momento). Mas, apesar dos problemas e controvérsias, a incompleta minissérie cumpriu seu papel, inaugurando o subgênero das revistas de super-heróis retrô e das recriações metalinguísticas (linha seguida pelo próprio Moore na sua brilhante fase à frente da série Supremo, que transformou um plágio do Super-Homem numa homenagem metaficcional às HQs clássicas do herói). Muito comentada e imitada nas décadas que se seguiram, 1963 deu início a uma nova fase, em que os quadrinhos de super-heróis se voltaram ao passado para reencontrar seu caminho.

(Para quem quiser saber mais detalhes sobre os quadrinhos de Alan Moore e ler minha entrevista exclusiva com Steve Bissette, basta clicar nos marcadores abaixo.)

8 comentários:

Do Vale disse...

Essa minissérie do Violador é horrível... =) E ainda teve Feudo de Sangue, lembra?

Será que Astro City é um produto dessa empreitada de Alan Moore?

Wellington Srbek disse...

Olá Do Vale,
Bem lembrado! Vou acrescentar Feudo de Sangue (tem até aqui no blog uma postagem em que falo dos trabalhos que trazem a assinatura mas não o talento de Moore e essas minisséries são o tema principal).
Astro City é um negócio vergonhoso, que surgiu de diferentes trabalhos do Moore. O primeiro capítulo é um plágio do primeiro capítulo do Marvelman, muita coisa da série saiu de Watchmen e parte das ideias foram mesmo "emprestadas" de 1963. Claro que como autor você pode e deve se inspirar no trabalho de outros autores, mas daí a copiar simplesmente as ideias alheias...
Abraços!

Anônimo disse...

Se você gosta de quadrinhos não deixe de visitar o meu projeto Bolim Studio Project
Quadrinho Brasileiro

Wellington Srbek disse...

Propaganda feita...

Lillo Parra disse...

Essa é uma história de bastidores típica do Moore, né? Mesmo quando o cara tenta fazer algo bacana é encrenca de todo lado. Isso sem falar nas adaptações do cara para o cinema (embora todas as críticas que ele possa ter feito ainda seriam pouco para a Liga Extraordinária, o filmizinho ruim). De qualquer forma, pelo que você escreveu é uma série que merece ser lida. E deve ser legal ler essa "versão" do Moore para uma das fases mais marcantes dos quadrinhos de super-heróis, quando Stan Lee e Cia mudaram toda a forma de se publicar gibis de super heróis. De certa forma, entendo como um contra-veneno àquilo que ele e o Miller desencadearam anos antes, com Watchmen e o Cavaleiro.
Em relação ao seu texto, parabéns. Li a primeira parte, li a segunda e depois reli as duas na sequência, sem parar. Ficou banaca pacas de se ler.

Abraços,

Wellington Srbek disse...

Pois é, Lillo, além de genial o Moore também parece ser meio genioso. Esse lance do rompimento com o Bissette, pelo que consegui apurar, foi meio repentino. Mas como ele não fala muito sobre o assunto, acabamos sempre tendo um lado da questão ou informações incompletas...
Bacana que tenha relido e gostado dos textos no conjunto! Farei o possível para manter a qualidade.
As edições de 1963 ainda se consegue encontrar em lojas como a Mile High Comics e a Midtown Comics. Como as tiragens foram grandes, os preços continuam bem acessíveis.
Abraços!

Anônimo disse...

Hey!
Muito interessante. Sabia pouco dessa fase criativa-experiemental do Moore. Muito bom o artigo, bem informativo.

Abraços!

Paulo Fernandes

Wellington Srbek disse...

Bacana ter gostado, Paulo! Um dos objetivos deste blog é ser um banco de informações sobre quadrinhos, e é sempre legal quando vocês curtem o trabalho.
Tem muitos outros textos sobre Moore aqui, não deixe de conferir.
Abraço!