26/10/2009

SOLAR em novo ensaio espanhol e entrevista para o Universo HQ.


Meu leitor e amigo de terras de España, Ismael, que já havia escrito um interessantíssimo ensaio sobre SOLAR: Renascimento, publicou agora em seu blog um novo ensaio que ilumina boa parte da simbologia oculta nas páginas de SOLAR: Solo Sagrado. A análise de Ismael é tão atenta que em alguns pontos ela traz à tona elementos simbólicos que não haviam sido conscientemente dispostos por mim (dando uma prova de que muitas vezes uma obra ultrapassa as intenções conscientes de seu autor, ampliando-se nas leituras feitas pelos leitores). Não deixem então de conferir os ensaios iniciáticos de Ismael, a quem fica aqui registrado meu agradecimento.

Mais SOLAR! Quando lancei a revista SOLAR: Renascimento, o colaborador do Universo HQ Lielson Zeni fez uma extensa entrevista de preparação para uma resenha que ele escreveu, com questões gerais sobre meu trabalho e específicas sobre o personagem Solar. A parte principal dessa entrevista acaba de ser publicada numa matéria do amigo Sidney Gusman, podendo ser lida aqui. Aproveitando a oportunidade, com o consentimento de Lielson, reproduzo aqui as partes de nossa conversa que ficaram de fora da matéria. Assim, todos poderão conhecer um pouco mais sobre meu trabalho e minhas ideias. Mas não deixem também de ler as demais perguntas no Universo HQ!


Como você começou a ler quadrinhos?

Quando criança, eu costumava ganhar revistas em quadrinhos, especialmente de super-heróis, pois eu adorava o desenho animado Superamigos. Também ganhava algumas com personagens de seriados da tevê, como Sítio do Pica-Pau Amarelo e Spectromen. Durante toda minha infância, a maior influência cultural que tive foi a televisão, e eu era fã de coisas como Jornada nas Estrelas e os heróis da Hanna-Barbera. No início de 1987, meu desenho preferido era Thundercats e com o sucesso do programa foi lançada uma revista em quadrinhos. Quando vi a propaganda, fiquei louco para comprar a revista, mas quando consegui ir a uma banca, ela já tinha acabado. Comecei então a folhear as revistas de super-heróis que estavam em exposição e uma cena com um monte de super-heróis reunidos chamou minha atenção. Era uma página da Heróis da TV n°91, de uma aventura dos Vingadores desenhada por John Byrne. Gostei tanto que comprei e foi com aquela revista, meio por acaso, que comecei a ler e colecionar quadrinhos. E aqui ainda estou, 22 anos depois.

Como essa leitura se tornou em vontade de produzi-los?

Na verdade, meu caso foi diferente, pois comecei a escrever e desenhar quadrinhos em 1986, antes de comprar a primeira revista de minha coleção. Eu tinha 11 anos e estava naquela fase em que os adultos começam a implicar com a gente para pararmos de brincar com bonecos Comandos em Ação e Transformers. Para evitar as implicâncias, eu guardei os brinquedos e passei a brincar no papel, criando minha primeira HQ, que foi uma supersaga de ficção científica intitulada: “X – A Batalha Final”. Não havia qualquer qualidade artística ou pretensão autoral naquelas 20 páginas arte-finalizadas com caneta esferográfica e coloridas com lápis de cor. Mas foi com ela que tudo começou para mim, como uma brincadeira criativa. Depois que comecei a colecionar quadrinhos em 1987, passei a desenhar e escrever quadrinhos de super-heróis, que basicamente copiavam os X-Men e os Vingadores da Marvel.

Sei que você lê muita literatura e filosofia. Quais são suas influências principais dessas áreas? É influenciado pelo cinema e artes plásticas? E quem são seus quadrinistas de referência?

As influências da literatura e filosofia variam de roteiro para roteiro. Faço muita pesquisa e as influências acabam dependendo de cada trabalho. Em ALIENZ, por exemplo, temos elementos da Física Quântica e da Teoria do Caos. Em SOLAR, temos os mitos indígenas brasileiros. Realmente depende do trabalho. Em relação às artes acontece a mesma coisa, pois pode ser a influência de Guimarães Rosa em ESTÓRIAS GERAIS ou de Ingmar Bergman em FANTASMAGORIANA. Especificamente no caso dos quadrinhos, como queria me tornar um bom autor de quadrinhos, procurei pesquisar e estudar o maior número de autores possível. Mestres como Jack Kirby, Hugo Pratt, Moebius e Flavio Colin influenciaram muito meu trabalho, assim como John Byrne que me transformou num leitor de quadrinhos e Frank Miller que foi o responsável por eu me apaixonar de vez por essa linguagem artística. E há, sobretudo, a influência de Alan Moore, que é meu roteirista favorito e alguém com quem aprendi muito.

De onde surgiu a ideia de usar leis do incentivo pra publicar?

Surgiu da mais pura falta de alternativas para publicar a série SOLAR. Em meados dos anos 90, a situação para os autores brasileiros era ainda pior do que é hoje e eu não conseguiria uma editora para minha HQ. Ao mesmo tempo, eu precisava conseguir recursos para pagar ao desenhista Ricardo Sá para ele poder continuar a se dedicar à série e também para pagar a impressão da revista. As leis de incentivo estavam surgindo e, em 1995, consegui a aprovação para os 7 primeiros números da revista SOLAR, pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. Embora já tivessem acontecido outras iniciativas com financiamento público, acredito que a SOLAR tenha sido a primeira revista em quadrinhos a ser aprovada por uma lei de incentivo.

Qual o maior entrave para publicação de uma revista de HQ no Brasil?

Em termos diretos, o desinteresse dos editores e o preconceito de grande parte dos leitores em relação aos quadrinhos brasileiros. Em termos mais estruturais, as baixíssimas taxas de leitura e a péssima distribuição de renda na sociedade brasileira.

Você acha que o futuro das HQs é os álbuns em livrarias ou acredita em uma volta à distribuição em bancas?

Acho que o futuro dos quadrinhos, se eles quiserem ter um futuro a longo prazo, seria uma conciliação entre veiculação gratuita pela Internet, edições periódicas mais baratas e edições em álbuns e livros mais elaborados. Os quadrinhos precisam continuar formando leitores jovens, por isso veiculações pela Internet e edições mais acessíveis são uma alternativa importante. Ao mesmo tempo, o público mais maduro e com maior poder aquisitivo pode investir nas coletâneas e edições especiais, que ajudam inclusive os quadrinhos a deixarem de ser vistos como uma arte menor ou como apenas “coisa de criança”.

Muita gente acha que o principal problema dos quadrinhos nacionais é, salvo exceções, o roteiro. O que você pensa disso?

Eu penso que isso é uma bobagem. O principal problema dos quadrinhos brasileiros é a falta de interesse dos editores e leitores brasileiros em geral. Além disso, basta ver os trabalhos de autores como Lourenço Mutarelli para sabermos que temos sim ótimos roteiros de quadrinhos no Brasil. Há é claro muita porcaria sendo publicada por aí, mas isso não justifica se dizer que no Brasil não se escrevem bons quadrinhos. Pessoalmente, a resposta que dou para isso são as próprias HQs que escrevo, coisas como ESTÓRIAS GERAIS, FANTASMAGORIANA, QUANTUM, APÓCRIPHA, MUIRAQUITÃ, ALIENZ, entre outros trabalhos.

Como funcionam suas parcerias com os desenhistas? Quem é responsável pela aparência de Gabriel e de Solar, por exemplo?

Sua pergunta tem dois sentidos: um profissional e outro criativo. No primeiro sentido, busco estabelecer uma relação que seja o mais profissional possível com os desenhistas, assinando contratos e pagando pelo trabalho, que passa a ser de direito exclusivo meu. Pagar aos desenhistas foi uma necessidade que surgiu já na primeira versão do Solar, pois sendo um pai de família o desenhista Ricardo Sá não poderia se dedicar ao projeto apenas por diversão. Quando passei a trabalhar com outros desenhistas, mantive esse acordo profissional, pois sou um editor exigente e para exigir qualidade tenho que oferecer uma contrapartida, que no caso é pagar pelas páginas. Esse esquema funcionou bem por muito tempo e possibilitou que obras como ESTÓRIAS GERAIS fossem produzidas e possam hoje ser reeditadas. No outro sentido, criativo, eu passo para o desenhista todas as informações básicas sobre os personagens e ele vai trabalhando o visual até chegarmos a um resultado satisfatório. Assim, tudo começa com minhas ideias, mas tem a marca final do estilo do desenhista. O próprio Gabriel variou muito no traço dos diferentes desenhistas que trabalharam na versão original e também no desenho do Rubens Lima nesta versão atual.

8 comentários:

johnfeijaum disse...

Olá Wellington... Sou fã de quadrinhos e também desenho e escrevo(não tão bem quanto desenho) quadrinhos... Estou fazendo uma produção de HQ como meu projeto final de graduação em design gráfico. Foi muito bom você falar sobre a lei incentivo, pois como um projeto de graduação tenho que defender seu ambito comercial e é a parte mais difícil.

Wellington Srbek disse...

Olá João,
Realmente eu produzi vários quadrinhos através das leis de incentivo, Solar (original) 1 a 7, Caliban 1 a 7, Estórias Gerais (primeira edição), Quantum e Fantamagoriana. Mas desde 2002 só produzo com recursos próprios. Pessoalmente e nomomento não acho as leis de incentivo viáveis.
De qualquer forma, abraço e boa sorte com o projeto!

Flávio Kteno disse...

E aí Wellington... Na entrevista, quando você fala de quando começou a ler quadrinhos, não cita a Turma da Mônica. Somente agora comecei a conhecer o seu trabalho, mas pude observar que você fala muito pouco sobre o Maurício de Souza tanto nos livros, quanto em seu curso. Achei isso muito estranho, pois no meu caso, se hoje gosto de desenhar e Histórias em Quadrinhos foi porque fui apresentado a essa linguagem pelas revistas da da baixinha invocada. Você não lia a Turma da Mônica quando criança? O que você acha do trabalho do Maurício? Na sua opinião, o que aconteceu de diferente para que ele fosse praticamente o único autor brasileiro de quadrinhos a conseguir lançar e manter suas publicações em escala nacional, e hoje, também global?

Wellington Srbek disse...

Olá Flávio,
Realmente não citei porque quando criança eu não lia a Turma da Mônica. Só fui ler algumas coisas quando comecei a colecionar e produzir quadrinhos, lá pelos 13 aons, mas não gostei muito.
Com o tempo, como pesquisador e crítico de quadrinhos, apesar da inegável popularidade, pude constatar que as revistas mensais da Turma da Mônica deixam muitíssimo a desejar em termos de qualidade. Há algumas boas histórias e os personagens são carismáticos, mas no geral falta qualidade artística.
E o mais incrível é que, quando começaram, os quadrinhos do Maurício eram originais e bastante autorais. Basta pegar qualquer reedição das primeiras revistas da Mônica para notar isso. O problema é que, com o sucesso, estabeleceu-se um padrão de desenho que levou a uma excessiva formalização, para que diversos desenhistas pudessem desenhar a Mônica e ninguém notar a diferença (bem ao estilo do que aconteceu nos Estúdios Disney). Com isso, porém, sacrificou-se a qualidade autoral e a originalidade que havia no início.
O sucesso da Mônica e o que os Estúdios Maurício de Sousa são hoje não podem ser realmente compreendidos sem se considerar o momento em que o Maurício começou, no fim dos anos 50, quando havia uma valorização dos quadrinhos brasileiros. A semente do que é a Mônica hoje foi plantada naquela época, sendo é claro mantida e expandida com muito trabalho nas décadas seguintes.
Como costumo sempre ressaltar, as críticas que podem ser feitas à baixa qualidade das HQs não diminuem a importância da Turma da Mônica em termos mercadológicos, pois é fundamental termos um quadrinho brasileiro como campeão de vendas do mercado brasileiro.
Enfim, a popularidade e o carisma da Mônica são inegáveis. Mas muito mais poderia ser feito com todo o sucesso comercial que o Maurício alcançou.
Acho que é mais ou menos por aí.
Abraços!

Flávio Kteno disse...

Realmente, considerando todas as revistas que são lançadas, é preciso "garimpar" para encontrar boas histórias. Mas acho que isso já era de se esperar, já que o volume das publicações aumentou bastante desde os anos 50. Porém, quando eles acertam a mão, essas histórias memoráveis compensam todas as outras que não ficaram assim tão boas. Sobre o desenho padronizado, pude constatar o que você falou ao pegar um autógrafo do Maurício durante o 6º FIQ. Ele desenhou a Mônica para mim e notei que o traço é diferente do que se pode observar nas revistas publicadas atualmente. Mas falando nisso, não acha que valia a pena um post sobre os 50 anos de Carreira do Maurício de Souza aqui no Blog?

Wellington Srbek disse...

Olá Flávio,
Sem dúvida que valia e eu tinha até chegado a selecionar o material de pesquisa para escrever um texto sobre os 50 anos de quadrinhos do Maurício. Mas aí, simplesmente não tive tempo! Aliás, quem tem acompanhado o blog nos últimos meses deve estar notando que as últimas postagens quase todas tiveram como tema meus próprios trabalhos. Além de divulgar meus quadrinhos, isso se deve ao fato de que os compromissos de trabalho não têm me dado tempo de escrever sobre outros trabalhos (textos que muitas vezes demandam pesquisa ou que pelo menos eu leia as revistas a serem resenhadas).
Os fãs das HQs de super-heróis, porém, não perdem por esperar, pois há algumas HQs recentes que eu quero resenhar e um texto especial sobre Miracleman ainda por escrever.
Mas acho que o texto sobre Maurício, Flávio, terá que aguardar uma outra ocasião...
Abraços!

Ismael Sobrino disse...

Obrigado Wellington!
Creio que Solar deveria venderse com a lenda comercial 'O Quadrinho que Mircea Eliade quereria ler'. Realmente é uma história extraordinária, sua estrutura cíclica da iniciação de Gabriel origina um redemoinho de imagens antitéticas que compõem esquemas mutables das relações sociais e históricas, e religiosas e psicológicas. A experiência extática, a linguagem secreta dos animais, a nostalgia do paraíso, a cura, a ferramenta da figura materna e paterna, e a luta entre a lua e o sol... O tema do herói cultural é um tesouro. Solar possui uma polarização luz/escuridão muito poética (presencia/ausência, ordem/desordem), mobiliza as imagens investindoas negativa e positivamente de maneira que resultam reconhecíveis desde esferas culturais muito diversas. É uma leitura intuitiva do curso mítico do protagonista e sua estrutura arquetípica, quase nem é necessário nenhuma análise. E isto é o que a diferença de outro grande quadrinho como A insólita família Titã que indica ou denúncia esse caráter maniqueísta sem desprenderse dele.
Quiçá Solar seja o primeiro tebeo aconselhado para os adeptos do catarismo!?

Wellington Srbek disse...

Hola amigo Ismael,
Seria de fato um perfeito "slogan" para SOLAR! Mas falaste tudo mais uma vez e creio que mataste a charada de SOLAR ao usar o termo "intuitivo". Pois de fato, apesar da pesquisa cultural e histórica que fiz, a estrutura da HQ e as oposições das quais falaste vieram mesmo de forma intuitiva. Assim, de certa forma, a própria história e o caminho de Gabriel foram se construindo e se apresentando para mim.
Um ponto interessante: falaste da oposição entre Sol e Lua. Pois bem, nas séries SOLAR e MUIRAQUITÃ os dois mitos tradicionais desenhados por Laz Muniz (dos Coracipor e das Icamiabas) são versões opostas do mito de criação: uma solar e outra lunar. Logo, é como se SOLAR e MUIRAQUITÃ pertencessem ao mesmo universo ficcional (não é à toa que as duas séries são editadas no mesmo formato).
Enfim, mais uma vez, muito obrigado por tuas palavras e pela ótima discussão sobre meu trabalho!