23/07/2009

Um artista brilhante de capa a capa: uma entrevista com Brian Bolland, parte2.


Segunda parte de nossa entrevista exclusiva e Brian Bolland fala sobre a obra-prima dos quadrinhos de super-heróis A Piada Mortal (atualmente disponível no Brasil em reedição de luxo pela Panini). Ele também nos conta como foi trabalhar com Alan Moore nessa marcante graphic novel, fala sobre quadrinhos “sombrios & violentos” e censura editorial.

Wellington Srbek: A idéia inicial para uma história especial com o Batman e o Coringa foi sua e foi também o senhor que sugeriu o nome de Alan Moore para roteirista do que veio a ser A Piada Mortal. Como foi trabalhar com Alan Moore nesta marcante graphic novel?

Brian Bolland: A primeira metade de sua pergunta está correta. Após Camelot eu estava na posição de escolher o que gostaria de fazer para a DC. Alan Moore, Kevin O'Neill, Dave Gibbons, Mick McMahon, etc. eram todos amigos meus dos tempos da 2000 AD. Alan e eu tínhamos alguns projetos que nós quase produzimos juntos, entre os quais estava uma revista Batman / Juiz Dredd. Alan e Dave tinham acabado de obter um grande sucesso com Watchmen. Eu era fascinado com o Coringa. Eu tinha visto o filme da década de 1920 O Homem que Ri [brilhantemente encarnado pelo ator alemão Conrad Veidt], do qual, dizem, Jerry Robinson tirou a idéia. Alan me perguntou que tipo de coisa eu gostaria de desenhar.
Naqueles tempos (e ainda hoje para mim, na verdade) o negócio de escrever quadrinhos e o de desenhar quadrinhos são completamente separados. O roteirista se senta em casa e escreve. O roteiro é enviado ao desenhista que o desenhará; e um não interfere no processo do outro. Foi assim com A Piada Mortal. Então, se me pergunta “como foi trabalhar com Alan?”, minha resposta é: eu pedi a Alan que a escrevesse. Ele a escreveu. Eu a desenhei.

WS: A Piada Mortal foi um quadrinho do Batman como nenhum outro antes. Foi também a história de origem do Coringa contada pela primeira vez. Foi realisticamente violenta e insana, sendo em parte responsável pela tendência dos quadrinhos “sombrios e violentos” que predominaram nas revistas de super-heróis no fim dos anos 80 e início dos 90. Mas, a despeito de toda a violência e das cenas terríveis, A Piada Mortal tem um dos desenhos mais belos e detalhados já feitos para o Batman. Quais são seus sentimentos em relação a essa incrível HQ?

BB: Quando o roteiro chegou, ele de fato continha coisas que ele não teria se eu o tivesse escrito. Eu pessoalmente jamais contaria uma história de origem do Coringa, por exemplo. Mas olhando para ela mais tarde, eu agora vejo que as partes que eu não teria incluído parecem bastante icônicas hoje. Eu às vezes penso que nós artistas britânicos que trabalhamos na 2000 AD trouxemos o caráter “sombrio & violento” conosco, quando fomos trabalhar para a DC.

WS: A primeira edição brasileira de Camelot 3000 teve uma cena de Tristan e Isolda censurada pelos editores daqui. E me parece que os editores da DC fizeram algo semelhante numa das páginas de A Piada Mortal, substituindo (ou te pedindo para substituir) os seios nus de Bárbara Gordon por um close do rosto dela. O senhor já teve algum problema com censura editorial?

BB: Eu nunca tive PROBLEMAS com censura editorial. Alguém na DC deve ter falado algo sobre aquela cena da Bárbara Gordon. Eu mudei aquele único quadro e acho que a melhorei. Eu sou ciente de todos os tipos de coisas que você não pode colocar numa capa. Nudez está fora de questão. Eu uma vez desenhei uma capa com o Robin que tinha umas estátuas gregas no fundo, que eu copiei de fotos. Entre as estátuas havia cinco mamilos visíveis. Todos foram apagados! Eu uma vez desenhei uma capa que tinha o Batman fumando um charuto. Bem, era o Hugo Strange com barba, vestido como Batman fumando um charuto. Não pude fazê-la. Talvez eles a tenham rejeitado em favor de uma idéia melhor, mas eu considero que existem várias regras não escritas que você não pode violar, e o Batman não pode ser visto fumando. E há questões legais. Eu uma vez desenhei uma capa do Batman que tinha o que parecia ser um membro da Ku Klux Klan montado num cavalo. Tivemos que acrescentar um logo no peito dele para mostrar que ele pertencia a alguma outra organização branca supremacista, pois a Ku Klux Klan tem advogados que poderiam processar!
Em agosto de 2009 vou viajar para uma convenção em Singapura. Para a ocasião, estamos imprimindo um livro contendo alguns dos meus esboços a lápis. Acabou que, infelizmente, vários dos desenhos, incluindo meus esboços favoritos da Tank Girl, não podem ser incluídos devido à postura muito conservadora das autoridades daquele país. Eu acredito que meus livros Bolland Strips! e The Art of Brian Bolland não estarão à venda lá pelo mesmo motivo.

WS: Depois de ter nos dado a versão definitiva do Coringa em A Piada Mortal, nós não vimos muitas outras histórias desenhadas pelo senhor. Quais são as razões para isso?

BB: Bem, após A Piada Mortal, muitos trabalhos me foram oferecidos. Tive que recusar muitos deles, mas as pessoas diziam “se você fizesse ao menos a capa...”. Produzir capas significa que, apenas daquela única vez, eu posso desenhar um monte de personagens que de outra maneira eu não desenharia. No verão de 1988, eu saí no que pensei que seria uma longa viagem pelo Oriente, então eu não estava disponível para compromissos de trabalho de longo prazo. Além disso, tendo trabalhado com o melhor roteirista e tendo me sido dado tanto tempo quanto eu quisesse para desenhar e eu mesmo arte-finalizar [A Piada Mortal], eu não queria dar um passo para trás. Desde Alan, eu não desenhei uma história significativa escrita por outro roteirista. Exceto por MIM. Eu de fato escrevi e desenhei "An Innocent guy" em Batman Black & White, "The Kapas" em Strange Adventures e "The Princess & the Frog" em (como era o nome?) True Romance. Além de Mr. Mamoulian e The Actress & the Bishop. Mas falaremos deles mais tarde.

A seguir: Animal Man, The Invisibles, fantásticas capas, quadrinhos cômicos, mulheres belíssimas e muito mais!

12 comentários:

kris zullo disse...

ótima a entrevista q vc fez com brian bolland, um artista do mais alto calibre, q nos agraciou com um peculiar realismo cinematográfico em piada mortal, e encheu-me os olhos ao ver aquela cena do batman enfrentando o coringa na máquina de escrever gigante, em "an innocent guy".
aproveito pra lhe dar os parabéns pelo excelente trabalho q a anos vem desenvolvendo. estórias gerais está entre as melhores leituras de quadrinhos. gosto por demais do regionalismo das falas q vc se vale. e não há o q dizer da arte de de collin, bem dizer todos os dias revisito minha coleção das obras dele. a pouco comprei fantasmagoriana (outra de suas excelentes parcerias) e novamente terminei a leitura com essa sensação: fantástico!
gostaria muito de um dia contar alguma história contigo. qm sabe...

Kris Zullo disse...

ops... correção... batman enfrentando o pinguim na enorme máquina de escrever (pinguim q me lembra do antigo seriado dos anos sessenta)

Anônimo disse...

Well, eu li sua entrevista com o brilhante penciler B Bolland, o qual sou fã desde os anos 80 tb. Eu conheço o artista Alex Maleev. O que acha se nós fizéssemos uma entrevista com ele? Eu faria algumas perguntas e vc outras, faríamos em parceria? O que acha?
Grande abraço...
Marco Santiago

Amalio Damas disse...

Além de todos os fatos recorrentes ás HQ's, que sempre chamam a atenção, sabe o que mais me chamou a atenção nesta entrevista? O fato da KKK ter advogados que possam defendê-la.

Os americanos tem lá as suas idiossincrasias, mas mesmo assim temos que tirar o chapéu pra eles em termos de democracia. Só pra deixar claro, eu acho a KKK uma aberração, porém num país que se diz democrático, eles estão sendo coerentes. Os caras podem até se unir para odiar minorias raciais, mas se cometerem crimes serão julgados e inocentados/condenados como qualquer cidadão.

Voltando aos quadrinhos, é uma pena que Bolland não seja convencido a desenhar uma nova história, mesmo que isso demore 10 anos. Será que um Mark Millar, Um Brian K. Vaugham ou até mesmo um Alex Ross não teriam uma história que fizesse esse espetacular artista abandonar suas maravilhosas capas por um tempo?

Poxa se deram U$ 1,000,000 pro Frank Miller fazer DK2, dejeto fumegante da maior qualidade, será que não dariam pelo menos 500.000 pro Bolland?

Wellington Srbek disse...

Putz, fiquei a manhã inteira sem conseguir acessar a Internet, graças ao falho serviço da Oi. Fora o meu e-mail que não funcionou na segunda e não está funcionando hoje de novo... Eita, nóis!
Mas vamos lá que o tema aqui são os quadrinhos.

Wellington Srbek disse...

Olá Kris,
Muito legal que esteja gostando da entrevista. E temos ainda a Parte 3!
Mais legal ainda que tenha curtido minhas parcerias com o saudoso mestre Colin! Não sei se já conhece, mas além de EG e Fantasmagoriana, produzi em parceria com ele duas HQs curtas publicadas nas revistas Mirabilia e Mystérion.
Estou meio que abandonando a produção autoral-independente, Kris, mas de repente podemos ver uma parceria futura. Valeu pelo convite.
Abraços e volte sempre!

Wellington Srbek disse...

Olá Marco,
Rapaz, essas entrevistas tomam muito tempo com pesquisa e redação das perguntas e depois tradução das respostas. Assim, no momento, não tenho como participar com você. Mas valeu.
Grande abraço!

Wellington Srbek disse...

Olá Amalio,
Pois é, o princípio republicano (não me referindo ao partido político) da constituição norte-americana tem esse peculiar viés, principalmente na chamada Primeira Emenda, que assegura a total liberdade de expressão. Eu, como humanista, prefiro a postura adotada no Brasil e em alguns países da Europa, em que você não tem direito e pode ser penalizado por expressar e divulgar idéias racistas ou preconceituosas.
Ah é, os quadrinhos! Não acho que pro Bolland a questão seja dinheiro. Creio que ele troca todo o dinheiro do mundo por tranquilidade e integridade artística. Também creio que os roteiristas que você citou não o motivariam a desenhar uma história longa. TALVEZ, o Morrison ou o próprio Moore pudessem operar esse milagre.
Abraços!

Kris Zullo disse...

eu tenho a companhia das sombras, mas acho q não conheçoa da revista mystérion. irei atrás.
qto a produção autoral-independente tenho a idéia do trampo além do trampo q é. correr atrás de tudo, fazer acontecer.
mas de repente aconntece uma parceria, e desde q li coisas tuas tive essa vontade.
qdo tiver um tempo dá um pulo no www.flickr.com/photos/kriszullo pra ver cousas minhas.
valeu, abraços!
ah, estou no aguardo da parte 3 da entrevista.

Wellington Srbek disse...

Pois é, Kris, um dos problemas da produção independente é exatamente o fato de que quase todo o trabalho fica por conta dos autores, que na verdade deveriam se ocupar apenas de produzir bons quadrinhos. Além disso, há o fator financeiro, pois eu em vez de receber por esses trabalhos independentes tenho é que pagar por eles (aos desenhistas, às gráficas, aos Correios). Minha intenção depois de Solar é realmente só publicar atráves de editoras.
Já tinha dado uma passada mais cedo, mas conferirei seus trabalhos com mais tempo.
Abraço!

Leandro disse...

gostei e concordei com a justificativa do Bolland pq nao desenhou outra revista depois da piada mortal (q é completamente genial). Acho melhor parar no auge com bons resultados, criticas e contentamento pessoal do q fazer apenas por dinheiro ou colocar seu nome em evidencia por ego. É aquela coisa, se for fazer, faça bem feito. Agora respeito ainda mais o Bolland. Mas gostaria de boas historias com seus desenhos, mas se nao podemos te-las, melhor reler as antigas.
a entrevista ta boa, aguardando a proxima parte.
abç

Wellington Srbek disse...

Também respeito a opção do Bolland, Leandro, mas imagine se algum tempo após A Piada Mortal ele tivesse desenhado, por exemplo, uma graphic novel do Homem Animal escrita por Grant Morrison! Ou outro trabalho mais em estilo "Era de Prata". Acho que teria sido um negócio bem bacana.
Abraços!