15/07/2009
A Liga Extraordinária chega ao século 20.
Numa co-edição da Top Shelf Productions com a Knockabout Comics, foi lançado recentemente o primeiro número do Volume III de A Liga Extraordinária, com roteiro de Alan Moore e desenhos de Kevin O’Neill, cores por Ben Dimagmaliw e letras por Todd Klein. Intitulada The League Of Extraordinary Gentlemen - Century: 1910, a HQ mostra uma nova formação do grupo de heróis literários, dessa vez às voltas com um misterioso complô ocultista que parece planejar o fim do mundo. Ainda contando com Mina Murray e Allan Quatermain, a Liga do século 20 traz três novas figuras literárias: Orlando o homem / mulher imortal, o sensitivo Thomas Carnacki e o ladrão Anthony Raffles. Como aconteceu antes, a nova minissérie inclui uma narrativa ilustrada paralela, “Minions of the Moon” (que avança na cronologia do grupo e liga o novo capítulo a The Black Dossier).
Segundo a sinopse dos editores, esta primeira edição “tem como cenário a Londres de 1910, doze anos após a malfadada invasão marciana e nove anos desde que a Inglaterra colocou um homem na lua. Nas entranhas do Museu Britânico, o caçador de fantasmas Carnacki é acossado por visões de uma sombria ordem ocultista que tenta criar algo chamado a “Criança Lunar”; enquanto isso, nas docas de Londres, o mais notório assassino em série do século anterior retorna para continuar seus horrendos atos. Trabalhando para a Inteligência britânica de Mycroft Holmes, ao lado de um rejuvenescido Allan Quatermain, do ladrão reformado Anthony Raffles e do guerreiro eterno Orlando, a Senhorita Murray é atirada a uma opera brutal encenada no cais por um elenco que inclui a enraivecida Pirata Jenny e o carismático carniceiro conhecido como Mac a Faca”.
Com a morte do Homem Invisível e de Mr. Hyde no Volume II, o último membro remanescente da Liga vitoriana (além da imortal Mina e do rejuvenescido Allan) é o Capitão Nemo, que faz em Century: 1910 uma breve e derradeira participação (com falas numa escrita hindu, não traduzidas). Sherlock Holmes e Próspero são apenas citados, mas o elenco literário da HQ traz ainda o marinheiro Ismael e alguns personagens saídos de A Ópera dos Três Vinténs de Bertold Brecht. Neste caso, mais que somente tomar emprestado os personagens, Moore imitou a estrutura lírica e a temática social da peça brechtiana. Boa parte da história se passa num porto povoado de vagabundos, ladrões, vendedores ambulantes e prostitutas. Bebida e sexo (por vezes quase explícito) dão o tom das cenas, enquanto seios transbordam de decotes e a violência se torna bastante explícita. Crimes e miséria mostram-se então os sintomas de um quadro social mais amplo: a degradação e a exploração humana que Moore (brechtianamente) denuncia em sua história.
Ao lado dos empréstimos intertextuais, a interface dos quadrinhos com outras linguagens esteve presente desde os primeiros volumes de A Liga Extraordinária, chegando a ser o elemento principal em The Black Dossier (impresso em diferentes formatos, tipos de papel e formas narrativas). Já em Century: 1910, a utilização de elementos de outras linguagens fica contida ao formato da página de quadrinhos. Esta, por sua vez, segue o padrão mais regular que Moore empregou nos primeiros volumes da série. Sem alienígenas ou personagens mais fantásticos, o novo capítulo da Liga traz em geral desenhos menos impressionantes que os vistos antes, exceto talvez por uma página dupla com um ataque do Nautilus versão século 20 (o fato é que desde seus primeiros trabalhos para a 2000 AD, O’Neill sempre foi um artista que se destacou em HQs com bastante pirotecnia e personagens titânicos). As cores ajudam no clima de época e nos cenários decadentes, embora por vezes sejam excessivamente escuras para o traço fino do desenhista.
The League Of Extraordinary Gentlemen - Century: 1910 proporciona uma boa leitura, de diálogos inteligentes e um ou dois momentos muito interessantes. Esse primeiro capítulo não traz, porém, Alan Moore e Kevin O’Neill em sua melhor forma, ou mesmo o melhor que já tivemos em A Liga Extraordinária. Mas isso não significa que essa primeira parte do Volume III seja um trabalho ruim (sendo de longe bem superior às HQs publicadas pelas grandes editoras norte-americanas). Com os problemas e desentendimentos envolvendo as adaptações de seus quadrinhos para o cinema e após a conclusão das séries regulares para a Linha ABC, Moore alardeou sua “aposentadoria” dos quadrinhos (para grandes editoras). Mas, quase ao mesmo tempo, o roteirista inglês chegou à conclusão de que a idéia intertextual e a base metalinguística de A Liga Extraordinária poderiam render muitas histórias, abarcando toda a ficção humana, das narrativas antigas aos tempos atuais. Resta-nos, portanto, aguardar pelos próximos capítulos desse verdadeiro épico ficcional.
The League Of Extraordinary Gentlemen: Volume III será publicado inicialmente como uma minissérie em três edições de 80 páginas cada, cujos capítulos posteriores acontecerão em 1968 e 2009 (com previsão de lançamento apenas para 2010). Para quem quiser dar uma conferida nas primeiras páginas de Century: 1910, os editores disponibilizaram uma pequena prévia.
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4 comentários:
Alan Moore é Alan Moore, agora o artista dessa revista é um pouco ruim...
Não respondo a comentários anônimos.
Ruim? Putz!
O'Neill é um excelente artista, não é a toa que é o desenhista de toda as Ligas lançadas. Ele complementa o Moore brilhantemente, assim como o Eddie Campbell e J.H. Williams III.
Muito legal o seu artigo, parabéns. Estive meio ocupado, por isso não comentei antes. Apesar de eu pensar que essa edição é inferior (mas não quer dizer ruim) ao Black Dossier, que é uma loucura sem fim. Agora é esperar a próxima liga e ver o que o Moore nos reserva. Só imagina uma história da Liga em 1969...
Aproveitando o espaço: Criei um blog sobre, na maioria dos posts, quadrinhos. Eu já contribuia com alguns posts em outros sites, mas agora é um mantido apenas por mim. Se você puder dar uma força, eu ficaria muito grato.
www.indexmarginal.blogspot.com
Abraços.
Olá Guilherme,
Pois é, como o comentário foi anônimo, não me dei ao trabalho de responder. Mas realmente, dizer que o O'Neill é um desenhista "ruim" é não entender sobre desenho, ilustração, quadrinhos...
Você tem razão, do ponto de vista do visual, The Black Dossier é muito superior, mesmo porque o O'Neill teve que se desdobrar ali em diferentes estilos, formatos e linguagens.
Pode deixar que conferirei o blog.
Grande abraço e valeu pela participação!
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