01/12/2007
4 X 4
Nem só de Turma da Mônica é feito o quadrinho brasileiro. Esta afirmação mais que obvia nunca fez tanto sentido quanto nas semanas em que Belo Horizonte sediou a 3a Bienal Internacional de Quadrinhos, um 1997. Além dos convidados especiais e das exposições, a Bienal foi uma oportunidade para se ter contato com algumas novidades do mercado nacional. Aproveitando a deixa, realizei uma entrevista especial em que quatro talentosos desenhistas – Angeli, Jô Oliveira, Guga e Lourenço Mutarelli – respondem a quatro perguntas.
Atualmente, Angeli é um dos quadrinistas de maior sucesso no Brasil. Apesar de revelar-se “com preguiça e cansado dos quadrinhos”, o criador da Rê Bordosa continua, como seu personagem Bob Cusp, disparando para todos os lados. Jô de Oliveira foi um dos quadrinistas nacionais de maior destaque nos anos 70, quando lançou no Brasil e Europa suas HQs inspiradas na cultura popular e literatura de cordel. Por sua vez, o mineiro Guga, que se revela um “quadrinista bissexto”, possui um dos traços mais expressivos e originais do circuito dos fanzines e revistas independentes. Fechando este o quarteto, temos o paulista Lourenço Mutarelli, autor do que se pode chamar de um quadrinho autenticamente visceral.
Falando de temas gerais, mas sempre remetendo ao trabalho de cada artista, a entrevista mostra que a diversidade e originalidade que vemos nas páginas das revistas brasileiras reflete-se nas propostas e concepções de seus criadores, embora estilos de desenho tão particulares possam, às vezes, também guardar concepções bastante semelhantes.
1- Enquanto criador, o que os quadrinhos são para você?
Angeli- Os quadrinhos e o humor são as únicas formas de expressão que sei usar. Sou tímido e tenho dificuldade de expor minhas idéias com a fala. Os quadrinhos são uma forma de conversar com as pessoas sem colocar minha cara na frente.
Jô Oliveira- Toda a minha geração foi educada com os quadrinhos. Os quadrinhos são uma linguagem e quando você lida com eles, você lida com a imagem e a palavra ao mesmo tempo. Como eu sou nordestino também fui influenciado pela literatura de cordel. No meu trabalho eu misturei os quadrinhos e a literatura de cordel.
Guga- Tem duas coisas: primeiro, é o universo pessoal. O que uma pessoa desenha no quadrinho mostra o ponto mais profundo dela. O desenho mostra quem a pessoa é realmente. Além disso, mais que a literatura ou as artes plásticas, o quadrinho é o retrato da alma de um povo, é o ponto mais fundo de uma cultura. Por exemplo, o americano adora os super-heróis, que são a aspiração dos EUA.
Mutarelli- É uma pergunta que venho me fazendo todos os dias. O quadrinho é a forma de me expressar, com a qual consigo ser mais claro, mais preciso. Eu não fico satisfeito só com o desenho ou com o texto. Penso que meus desenhos são palavras que não consigo expressar, da mesma forma que as palavras que escrevo não deixam de ser desenhos.
2- Qual a importância do leitor, como ele entra em seu trabalho?
Angeli- Eu acho que o leitor é um bom ouvido, ele tá aqui pra escutar. Eu não penso no leitor quando faço meus quadrinhos, se pensasse eu ia acabar formatando meu trabalho. Acho que cada artista deve fazer algo que dê prazer, que ele goste. Fazer um trabalho em cima de pesquisa, para um público dirigido, é coisa de publicitário. O leitor é que deve se identificar com o trabalho.
Jô Oliveira- O leitor é tudo. É com ele que você dialoga. Apesar de meu trabalho ter tido uma grande repercussão por sua originalidade, infelizmente, eu não conseguia a aceitação dos editores.
Guga- Confesso que no meu caso ele não entra. É a última entidade na qual eu penso. Na verdade, quando você desenha uma HQ, você faz um mapa para se situar. O leitor é uma conseqüência, eu nunca penso nele.
Mutarelli- Quando faço meu trabalho eu não penso no leitor, às vezes penso em algumas pessoas que conheço. Me dá uma certa impressão de que o que fiz naquele papel ninguém mais vai ver, por isso consigo ser muito sincero e autêntico, na hora que desenho penso que não vou ser julgado. Mas quando o leitor comenta meu trabalho isso me dá uma sensação muito agradável, é como se alguém tivesse escutado meu grito de socorro.
3- O que você já alcançou com seus quadrinhos, e aonde você pretende chegar?
Angeli- Essa pergunta é difícil. Acho que alcancei bastante, eu tenho um público grande e interessante. Fiz uma revista própria e vendi muito. Consegui passar minhas idéias, o que penso das pequenas e das grandes coisas. E eu percebi que consegui passar este recado como queria, porque as pessoas já chegam em mim sabendo quem sou. Com tudo que consegui, se fosse num país civilizado, com um mercado fluente, eu estaria folgado. Eu gostaria de ajudar a solidificar o mercado de quadrinhos e acho que este é um trabalho em conjunto, de artistas e financiadores.
Jô Oliveira- Uma coisa que deu satisfação é que houve reconhecimento de meu trabalho. A partir disso pude publicar na Europa. Eu sempre procurei colocar o Brasil no meu trabalho. Procuro contar fatos interessantíssimos da história brasileira que são desconhecidos, ou foram esquecidos. Como não há um mercado para os quadrinhos brasileiros, trabalho com literatura infantil. Eu gostaria muito de fazer uma história para comemorar os 100 anos de Lampião.
Guga- Eu sempre estou voltado para o que quero alcançar, eu busco uma emoção, e sem dúvida a vitória do “bem sobre o mal” (com maniqueísmo, sim!). Tecnicamente busco um aprimoramento do traço.
Mutarelli- Eu não tenho um objetivo. Eu não faço quadrinho porque eu quero, faço porque ele pede para sair de mim. Não tenho nenhuma intenção, não penso em levar uma mensagem. A coisa simplesmente acontece.
4- Quem lê os seus trabalhos tem acesso a quem você é?
Angeli- Tem acesso a quem sou, mas com alguns exageros porque o humor é assim. As pessoas pensam que quando me encontrarem vão ver um cara junkão, lambendo o chão, mas não é bem assim. Mas também é assim.
Jô Oliveira- Não, não tem nada a ver. Meu quadrinho é mais ligado à minha infância. Meus quadrinhos foram feitos quando eu vivia na Hungria. Eu estudava artes plásticas e não tinha como concorrer com aqueles caras que tinham toda uma formação acadêmica. Aí, caiu um livro do Ariano Suassuna na minha mão e eu fui atrás das minhas raízes, reencontrando a literatura de cordel.
Guga- Eu creio que sim. Se eu escrever um conto, ou pintar um quadro, não. Mas quando você lê meu quadrinho, sim. Com o quadrinho é fácil, quando você lê uma HQ tem acesso a quem o autor é, ao que ele pensa.
Mutarelli- Com certeza quem lê meus livros vê minha alma. Eu costumava brincar que cada página que faço é uma fatia do meu inconsciente.
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