05/12/2008

A arte da coerência: uma entrevista com Dave Gibbons, parte2.


Parte2 de nossa entrevista e Dave Gibbons explica como surgiu a obra-prima Watchmen, como foi sua abordagem do descomunal roteiro de Alan Moore e também seus principais desafios ao criar um trabalho tão extenso e sempre visualmente coerente.

Wellington Srbek: “Chronocops” para a 2000 AD e “For the man who has everything” para o anual de 1985 do Super-Homem são duas de minhas parcerias Moore/Gibbons favoritas...

Dave Gibbons: Minhas também.

WS: Todavia, nada que se compare à obra-prima Watchmen, que foi um “salto quântico” na qualidade e complexidade do trabalho que vocês estavam fazendo então. Como e quando o projeto surgiu?

DG: É meio uma longa história. Eu na verdade escrevi um livro intitulado Watching the Watchmen (publicado pela Titan, a qual não sei se tem planos para uma edição brasileira, embora o livro conte a história completa). Alan e eu nos encontramos numa convenção em 1980, nos anos seguintes nos tornamos amigos e trabalhamos juntos em histórias curtas para a 2000 AD, que culminaram em “Chronocops”. Ahn... Nós realmente queríamos trabalhar juntos em algo mais longo, que foi o motivo pelo qual escrevemos para a DC as propostas [de reformulação] de Desafiadores do Desconhecido e Ajax o Marciano, mas nada disso veio à luz, porque os personagens já tinham sido prometidos a outros escritores e desenhistas. Então, você sabe, quando tivemos a chance de trabalhar em algo maior, nós pulamos sobre ela. E Alan sempre gostou de contar às pessoas sobre as histórias nas quais ele estava trabalhando, mesmo antes de tê-las começado. Ele tende a planejar as coisas em grande detalhe antes de começar. Ele costumava me contar sobre coisas em que estava trabalhando com outras pessoas. Mas eu, na verdade, soube de Watchmen através de um amigo mútuo, um cara chamado Michael Colins (se me lembro bem), ah, que disse: “Oh, você ouviu falar que Alan está trabalhando num projeto que vai tratar os personagens da Charlton para a DC?”. Eu liguei imediatamente para Alan, ele me enviou a sinopse, e eu realmente gostei dela e disse que gostaria de desenhar o projeto, e ele disse: “Ótimo!”. Umas duas semanas depois disso, eu fui aos Estados Unidos e numa convenção me reuni com Dick Giordano, que era o editor administrativo da DC, e eu disse: “Sabe esse projeto que Alan está fazendo com os personagens da Charlton, eu realmente gostaria de desenhá-lo”. E Dick disse: “O que Alan acha disso?”. E eu disse: “Ele quer que eu desenhe”. E Dick disse: “É seu!”. Então, foi bem assim que o projeto surgiu.

WS: Olhando as páginas de roteiro ao final de Absolute Watchmen, parece-me que você desenvolveu um sistema para trabalhar com Alan Moore, marcando seu texto com diferentes cores (amarelo para a informação visual principal, vermelho para detalhes e azul para o diálogo). Enfim, qual foi sua abordagem desse roteiro?

DG: Bem, os roteiros do Alan são sempre muito “palavrosos”, muito “conversativos”, tratando muito de te dar opções, falando em torno do objeto e, você sabe, dando a você provavelmente mais informação do que você realmente poderá usar. Assim, uma das coisas que você tem que fazer é assumir o controle do roteiro e tirar dele o que você precisa para desenhá-lo da forma como você o vê. Assim, eu achei que o sublinhamento era uma maneira muito boa de fazer isso. E também, após umas duas leituras, eu gosto de fazer esboços reduzidos das páginas, o que significava então que eu podia transferi-los para a prancha de desenho e eu podia fazer o letreramento dos diálogos. Eu estava então suficientemente familiarizado com a história, e eu provavelmente não tinha que olhar para o roteiro de novo, eu não precisava ler três dúzias de páginas para descobrir o que eu tinha que desenhar. Então, sim, de muitas maneiras minha parte era a de fazer uma seleção.

WS: Watchmen é uma complexa revista em quadrinhos de super-heróis realística, um premiado trabalho que muitos consideram a melhor graphic novel já criada. Minha pergunta é: qual foi seu principal desafio ao criar esse quadrinho?

DG: Ahn... Bem, eu suponho que seja o desafio que como um artista de quadrinhos você sempre tem, que é contar a história em imagens. E neste caso era uma história muito detalhada, muito complexa, muito rica, com várias nuances, que requeria que personagens fossem desenhados em diferentes idades, em diferentes locais. Assim, ele realmente testou minhas habilidades de desenho, minha capacidade de apresentar personagens consistentemente críveis, minha simetria de fundo, a dimensão do real. Foi realmente, você sabe, apenas uma versão exagerada dos desafios que se tem em qualquer outro trabalho.

WS: Lendo Watchmen do início ao fim nós temos essa sensação de uma realidade completa em 360°. O senhor, é claro, é um desenhista muito habilidoso, mas é admirável como as mais de 400 páginas da HQ têm sempre esse visual coerente, com as sugestivas cores feitas por John Higgins. Como o senhor fez para alcançar tal coerência num trabalho tão extenso?

DG: Bem, novamente é como a resposta para a última questão. O que desenhar quadrinhos realmente se trata é de alcançar coerência, fazendo coisas consistentes, e nunca arrancando o leitor da história por ter desenhado algo que não encaixa. Ou seja, eu fiz... Novamente, em meu livro Watching the Watchmen você pode ver diagramas, planos, esquematizações de coisas (como o vidro de perfume voando pelo ar, após Lauren tê-lo lançado em Marte, [esquematização que fiz] para ter certeza de que o movimento estava consistente e que ele se movia crivelmente contra o fundo fixo de estrelas). Provavelmente, esse é um trabalho que ninguém irá notar, todavia é algo que num nível subliminar dá aquela sensação de que um lugar realmente existe ou de que algo realmente aconteceu. Havia uma série de quadrinhos chamada Dan Dare (uma série de ficção científica), para a qual eles na verdade tinham o tempo e o orçamento para construir modelos e tudo mais, e quando você a lia, você realmente sentia que estava vendo algo desenhado do real, você sabe, que aquelas coisas incríveis tinham sido desenhadas do real. E embora eu tenha desenhado Watchmen de uma forma estilizada, eu queria que ele tivesse aquele sentimento de consistência interna. E, você sabe, quando está desenhando quadrinhos, de qualquer maneira você já traduz realidade em código e, na minha forma de pensar, os melhores artistas de quadrinhos são gente como Jack Kirby ou Steve Ditko, que claramente não desenham de forma realística, mas que têm um código consistente para interpretar a realidade. Assim, esse é o tipo de coisa que eu tentei fazer quando desenhei Watchmen. E, como você diz, as cores de John Higgins são fantásticas, e certamente ele teve muito trabalho para mantê-las consistentes e bem de acordo com o que acontecia na revista... na história, melhor dizendo. Às vezes, você sabe, ele já tinha colorido algo, antes de perceber que devia ter sido colorido de outra maneira. Mas, felizmente, ele pôde cuidar dessas questões na Absolute Edition, fazendo a colorização enfim completamente consistente.

A seguir: mecanismos, sinfonias, filmes e mais...

4 comentários:

Anônimo disse...

Boa gostei da entrevista.

Wellington Srbek disse...

Bom que gostou, Israek! E teremos ainda a parte final na semana que vem.
Abraço!

Anônimo disse...

Realmente uma excelente entrevista! Mal posso esperar pela próxima parte!

Wellington Srbek disse...

Olá Carlos,
Valeu! A tradução da parte final estará aqui no blog amanhã.
Abraço e volte sempre!