30/01/2013

Uma carta de Teresópolis.


Durante todo nosso tempo de contato, entre 1997 e 2002, Flavio Colin e eu mantivemos uma correspondência bastante regular, complementada por animados telefonemas. Certamente, em nenhum outro momento nosso contato foi tão intenso quanto no período em que produzimos Estórias Gerais, através de uma conexão postal entre Belo Horizonte (MG) e Teresópolis (RJ). Infelizmente, jamais tive o prazer de me encontrar pessoalmente com o saudoso mestre, mas guardo todas as suas cartas, e em especial as que acompanhavam os originais da HQ.

Uma das maiores emoções de minha vida foi abrir o pacote contendo o primeiro capítulo do álbum. Junto a ele havia uma pequena carta, que Colin começa dizendo: "Gostei muito de desenhar a sua história". No mês seguinte, a carta que acompanhava o novo capítulo dizia: "Tive muito prazer e satisfação em desenhar TENENTE FLORIANO, pois o roteiro criado por você é tão bom quanto o seu ANTÔNIO MORTALMA". Eu já estava me sentindo a pessoa mais realizada do mundo, quando chegou o terceiro capítulo, acompanhado de mais uma carta que concluía com a frase: "Você é o roteirista que sempre me faltou".

Na última carta que Colin me escreveu durante a produção da HQ, ele fez um balanço de nosso trabalho, com votos para que eu encontrasse um editor para o álbum e para que voltássemos a trabalhar juntos (o que felizmente aconteceu!). É exatamente essa carta que reproduzo acima. A entrevista citada por Colin foi publicada na revista Caliban n°7. Já as “quatro páginas coloridas” correspondem a "Estória de Onça", que também saiu originalmente na revista Caliban n°7.

Estórias Gerais ficou 3 anos na gaveta, só sendo lançado em 2001 com o apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de BH. De lá para cá, ele teve uma bela trajetória, ganhando vários prêmios, uma edição espanhola em 2006, a "edição especial" pela Conrad em 2007 e sua “edição definitiva” pela editora NEMO em 2012. 

O álbum foi também um dos últimos grandes trabalhos de Flavio Colin; o saudoso mestre queria muito desenhar quadrinhos, e eu tive a honra e a sorte de trabalhar com ele. Hoje, neste “Dia do Quadrinhos Nacional”, fica ainda mais evidente a grande falta que ele nos faz!

29/01/2013

O roteiro de uma estória (4).


Com a página acima, concluí o roteiro do primeiro capítulo de Estórias Gerais; e ainda havia muita HQ pela frente! 

Surpreendentemente, a partir de um de um certo ponto, lá pelo terceiro capítulo, a história começou a contar a si própria, e eu diria que me tornei "um instrumento de sua auto-realização". E assim, de janeiro a outubro de 1998, eu e Mestre Colin produzimos os 6 capítulos principais do álbum e as 4 páginas em cores de “Estória de Onça”.

O roteiro de uma estória (3).


O novo processo criativo desenvolvido para o Estórias Gerais deu certo e, em mais de 140 páginas, tivemos apenas dois pontos em que originais tiveram que retornar para serem feitas correções. Era também um modelo de trabalho que agrava a Colin, pois ele não tinha que se preocupar com a diagramação das páginas, que considerava “a parte mais trabalhosa” de uma HQ.

Na verdade, o velho mestre desenhava mais rápido do que eu conseguia produzir novos roteiros, e me lembro de passar domingos inteiros trabalhando em um terço de capítulo, para lhe enviar 8 páginas na segunda pela manhã.

O roteiro de uma estória (2).


A situação apresentada na sequência de páginas reproduzida aqui foi a “nascente” de Estórias Gerais. Com este roteiro, desenhado em janeiro de 1998, eu aprimorava minha forma de criar quadrinhos. 

Sempre trabalhei com roteiros desenhados, mas nas parcerias com desenhistas de Belo Horizonte eu podia me limitar a esboçar as páginas a lápis, escrevendo o texto a mão. Afinal, quaisquer dúvidas quanto a meus desenhos ou caligrafia poderiam ser resolvidas pessoalmente. Isso não seria possível no caso do trabalho com Flavio Colin, pois morávamos em estados diferentes, e todo contato seria feito por cartas e telefonemas. A solução então foi adaptar a forma de fazer os roteiros desenhados à nova situação de trabalho. Ou seja, fazendo esboços mais detalhados e até mesmo “arte-finalizados”, e indicando o conteúdo das legendas e balões por números correspondentes a um texto redigido no computador.

O roteiro de uma estória (1).


Toda história começa de algum ponto, e no geral tem um início, um meio e um fim. Estórias Gerais, contudo, não surgiu exatamente do ponto que acabou sendo o início do álbum. Com a mente povoada de ideias e imagens envolvendo o Sertão e a cultura popular, mas tendo nascido e passado quase toda a vida numa “cidade grande”, o encontro dessas duas realidades tornou-se, para mim, um tema em si.

Assim, este foi o ponto de onde o álbum surgiu: um personagem vindo da capital do estado chega ao Sertão de Minas para pesquisar sobre um temido chefe jagunço, mas acaba caindo nas mãos do famigerado bandido e de seu bando. 

28/01/2013

Personagens gerais (E).


Acima, esboços que fiz para os personagens de Estórias Gerais:

12. Baiano, o cruel (27 anos) - um dos subchefes no bando de Antônio Mortalma. Um cangaceiro que resolveu descer o São Francisco.

13. Canhoto, o trapaceiro (30 anos) - personagem importante na trama. Os sertanejos pensam que ele é um demônio que acompanha Antônio Mortalma.

Personagens gerais (D).


Acima, esboços que fiz para os personagens de Estórias Gerais:

9. Chico Certeiro, o mestre (60 anos) - velho jagunço, o subchefe e amigo fiel de Manuel Grande. É um depositário da tradição e dos costumes. Tornou-se uma espécie de “instrutor de jagunços”. Foram seus “alunos” Tião Valente e Joana. Quando a história acontece, seu discípulo é Eduardo.

10. Eduardo, o aprendiz (14 anos) - jovem que teve sua família chacinada por Mortalma e agora busca vingança. 

11. Irmãos Justinianos, os emissários - Mateus, o anjo (30 anos): a inteligência. Marcos, o leão (29): a coragem. Lucas, o touro (28): a força. João, a águia (27): a habilidade. Os nomes e os animais-símbolo dos 4 irmãos correspondem aos nomes e símbolos dos 4 Evangelistas.

Personagens gerais (C).


Acima, esboços que fiz para os personagens de Estórias Gerais:

7. Tião Valente, o herói (28 anos) - trabalhava na fazenda-sede do Coronel Soturno Gouveia, até ser injustamente acusado. Ele foge e se junta aos homens de Manoel Grande, tornando-se um dos mais importantes membros do grupo.

8. Joana, a heroína (25 anos) - filha do Coronel Soturno. Por não querer que ela se casasse com um vaqueiro de sua fazenda, o pai manda assassiná-lo. Joana se revolta, fere o pai (o que o leva a usar um tapa-olho) e foge. Ela então se junta a Manoel Grande, tornando-se uma jagunça.

Personagens gerais (B).


Acima, esboços que fiz para os personagens de Estórias Gerais:

3. Coronel Soturno Gouveia, o Mal (63 anos) - fazendeiro mais poderoso e temido da região, manda e desmanda, fazendo valer sua vontade pela força das armas. Antônio Mortalma foi seu homem de confiança, seu braço armado. 

4. Coronel Odorico Pereira, o louco (48 anos) - encarregado pelo Governo de pacificar o Norte de Minas. Inspirado por sua “missão superior” de levar a paz e a civilização ao Sertão, ele só faz agravar a guerra. Veste um fardão branco antigo com chapelão e usa espada (uma figura que lembre o General Custer).

5. Tenente Floriano Gouveia, o ambicioso (26 anos) - filho do Coronel Soturno. Possibilitou a realização de um desejo do pai: o de ter um filho militar. Tornando-se tenente da força pública, ele chega ao Sertão sob o comando do Coronel Odorico. Morre em uma luta contra os homens de Manuel Grande.

6. André, a morte (37 anos) - assassino profissional a serviço do Coronel Soturno Gouveia. Sempre silencioso, veste-se de preto.

Personagens gerais (A).


Acima, esboços que fiz para os personagens de Estórias Gerais:

1. Antônio Mortalma, o diabo (45 anos) - grande vilão da série, chefe do bando de jagunços que aterroriza o Sertão. Jamais tira a barba e o capote.

2. Manuel Grande, o justiceiro (50 anos) - chefe dos “mocinhos” da série. Fazendeiro que teve sua única filha assassinada por Antônio Mortalma. Para fazer justiça, ele reuniu um grupo de jagunços e começou a guerra contra o bando de Mortalma.

27/01/2013

Veredas e raízes.


A história de Estórias Gerais começa em outubro de 1997. Na época, eu concluía o curso de História na UFMG, trabalhava como crítico de quadrinhos para um jornal de Minas Gerais e produzia a revista Caliban. Após quatro anos praticamente só lendo textos teóricos, eu estava louco para voltar a ler literatura. Por algum motivo, um livro em especial me vinha à mente, Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa. Comprei meu exemplar numa loja do Centro de BH e depois de ler a palavra “Nonada” não consegui mais parar...

Bom, para ser mais exato, fiz uma pequena pausa lá pelo fim do livro. Não porque estivesse cansado ou não estivesse simplesmente adorando cada palavra que lia. Justamente pelo contrário, porque o volume de páginas a serem lidas minguava assustadoramente, resolvi interromper a leitura. A verdade é que eu não queria que o livro chegasse ao fim. Decidi aproveitar aquela “pausa” para ler mais clássicos da literatura brasileira, e as obras escolhidas foram Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto e Alto da Compadecida de Ariano Suassuna.

Depois dessas leituras, retornei para finalizar minha travessia de Grande Sertão: Veredas. Naquele ponto, não havia mais escapatória: eu tinha que criar uma história em quadrinhos! Os elementos fundamentais já estavam postos: um universo ficcional de jagunços e senhores de terras e a simbologia poética do Brasil interior. A eles se somariam a reflexão histórica motivada pela leitura de Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Hollanda e a representação da vida popular presente nas canções de Luiz Gonzaga. Não faltariam também ecos mais distantes de coisas que eu assisti na TV, como O Bem Amado, Gabriela, Lampião, Roque Santeiro, O Tempo e o Vento.

Tão-logo comecei a pensar na nova história, o traço de Flavio Colin surgiu como a única opção. Não haveria outro desenhista para ela! Já tínhamos conversado sobre a possibilidade de trabalharmos juntos, e quando lhe expliquei minha ideia para o álbum, ele se interessou muito. Então, com a remuneração que recebia pelos textos de crítica de quadrinhos, pude fazer uma boa proposta financeira, e Colin aceitou produzir os desenhos.

Depois de fazer uma pesquisa contextual em livros e documentários, e de ter visitado a Hemeroteca de Belo Horizonte (onde li jornais da década de 1920), em algum momento de janeiro de 1998, já com páginas de texto escritas e boa parte da trama estruturada, decidi dar forma aos personagens principais da HQ. Assim, num domingo pela manhã, sentado no chão da sala de minha antiga casa, com papeis e livros espalhados sobre uma mesinha, reportagens e documentários passando no vídeo à minha frente, esbocei os personagens principais da história.

Os desenhos e descrições nas próximas postagens são exatamente os que enviei a Flavio Colin na época, para que iniciasse os desenhos do primeiro capítulo do álbum. Não preciso nem dizer que, embora ele tenha seguido as características principais de meus esboços, os personagens melhoraram imensamente ao ganharem o traço do grande mestre!

E o tempo passa...



Há alguns dias me dei conta de que há exatos 15 anos (sim, 15 anos!) eu estava mergulhado na produção do álbum Estórias Gerais, que começava a ser desenhado pelo Mestre Colin.

Mas antes de o saudoso amigo começar seu primoroso trabalho na HQ, fiz uma extensa pesquisa contextual (que incluiu a foto dos soldados federais, que ilustra esta postagem), esbocei personagens e desenhei o roteiro.

Aproveitando então que nesta semana se comemora o "Dia do Quadrinho Nacional", publiquei aqui uma série de postagens falando do processo de criação do álbum:

14/01/2013

Mais de 100 mil Anansis!!!


Em meados de 2012, Will e eu recebemos uma ótima notícia: nosso álbum O Senhor das Histórias, da série Mitos Recriados em Quadrinhos, havia sido selecionado pelo PNBE – Obras Complementares.

Por si só, isso já garantiria que nossa HQ chegasse a ainda mais leitores. Mas quando o total de exemplares foi confirmado, nós mal pudemos acreditar... O fato é que, com essa impressão entregue agora ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, somada aos exemplares vendidos em lojas, a tiragem de O Senhor das Histórias já passou dos 100 mil exemplares!!!

Mais de 100 mil exemplares é muito quadrinho, que vai levar nossa recriação da história de Anansi a milhares e milhares de novos leitores em todo o país. E isso é legal demais!!!

Só posso completar fazendo minhas reverências aos deuses das histórias, que inspiram nosso trabalho e nos permitem viver esse sonho em quadrinhos...

10/01/2013

A título de curiosidade...


Como falei dele na postagem anterior, resolvi reproduzir aqui, “a título de curiosidade”, uma das capas do fanzine Ideário (que era impresso em tipografia), cujos 3 números publiquei em 1995.

Naquele ano, além de produzir esse zine, eu escrevia resenhas semanais sobre quadrinhos para um jornal, tinha um quadro semanal sobre HQs num programa de TV, criava os primeiros roteiros do personagem Solar e organizei a primeira convenção de quadrinhos de BH (além de fazer faculdade e namorar). Hoje eu me pergunto como conseguia tempo para tanta coisa...

O Ideário foi mais uma experiência de aprendizado e aprimoramento no caminho da profissionalização nos quadrinhos, que ocorreria no ano seguinte, quando lancei minha primeira revista de fato (com capa colorida e impressa em offset): a Solar.

E o que veio depois foi mais e mais história em quadrinhos...

07/01/2013

20 anos de quadrinhos independentes!


Como eu disse aqui, em outra postagem, 1993 foi “um ano ímpar” por vários motivos. Para mim, em especial, foi meu ano de estreia como editor independente. Como expliquei naquela postagem:

Foi em março daquele ano que lancei minha primeira publicação: um fanzine em xérox e formato ofício, com quadrinhos e matérias, feito em parceria com o desenhista Erick Azevedo. Era o artesanal Replicantes, que teve apenas dois números, o primeiro em março daquele ano e o segundo em junho do ano seguinte. Apesar de suas limitações e até mesmo precariedade, essa primeira experiência editorial despertou em mim o gosto por publicar meus quadrinhos (o que eu voltaria a fazer em 1995 com o fanzine Ideário e nos anos seguintes com as revistas Solar e Caliban).

Agora em 2013, portanto, completam-se 20 anos de minha primeira experiência como editor de quadrinhos, e ando pensando muito em lançar algo, mesmo que seja uma edição simples para marcar a data, ou talvez até mesmo retome de vez a aventura independente. Quem sabe... Vamos ver o que este novo "ano ímpar" nos reserva.

Por ora, aos colegas e leitores de quadrinhos, independentes ou não, meus votos de boa sorte ao longo de 2013!