30/12/2010

Dom Casmurro a caminho!


Quem acompanha o blog Mais Quadrinhos sabe que, em 2009, iniciei um projeto de adaptação de Dom Casmurro, outra obra-prima de Machado de Assis, que se segue a meu trabalho de adaptação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, com desenhos de J.B. Melado (publicada este ano pelo selo Desiderata da editora Agir do Grupo Ediouro).

Estando com o roteiro já pronto, venho anunciar que minha nova adaptação machadiana já está a caminho! Desta vez, meu parceiro será o quadrinista José Aguiar (autor da coletânea Quadrinhofilia, entre outros trabalhos). Os estudos de personagens e desenhos das páginas foram iniciados e nossa HQ deverá ser lançada no primeiro semestre de 2011. A editora... bom, a editora por enquanto é segredo, pois ela ainda não atua no mercado de quadrinhos, mas chegará com um projeto muito bacana. Aguardem as novidades aqui!

Por ora, fiquem com o expressivo retrato de Dom Casmurro feito por José Aguiar e com a versão final de meu projeto de adaptação:

Apresentação.

Publicado em 1899, DOM CASMURRO é considerado por muitos a obra-prima máxima de Machado de Assis. Narrado por seu personagem-título, o livro é uma brilhante exposição da psicologia humana e também o retrato de uma das mais completas personagens literárias já criadas: a bela Capitu dos “olhos de cigana obliqua e dissimulada”, dos “olhos de ressaca”. Já o Bentinho / Dom Casmurro revela-se ao contar-nos sua história, como quem busca compartilhar suas dúvidas e confessar seus arrependimentos.

DOM CASMURRO é um livro de pares e contrastes. Há, antes de tudo, o contraste entre o momento em que se narra e o passado que é narrado. E há, sobretudo, o par formado por Bentinho e Capitu, personagens que se complementam e se vêm mutuamente como imagens espelhadas, revelando-se portanto dois opostos. Nascem daí as muitas dubiedades que comporão o texto machadiano: Bentinho seminarista, mas enamorado de Capitu; Capitu enamorada de Bentinho, mas também interessada numa melhor condição social.

Essas dubiedades iniciais acumulam-se ao longo da obra, dando espaço a outras, como as trazidas por Escobar, o amigo de Bentinho que parece guardar interesses além da amizade sincera por este. Do encontro dessas três personagens, emerge a questão pela qual o livro tornou-se mais célebre: teria Capitu traído Bentinho? Logo, seria Ezequiel fruto da traição de Capitu com Escobar? Nesta última dúvida, expressa-se mais um espelhamento, já que o menino Ezequiel parece, ao menos aos olhos de Bentinho, o reflexo do falecido amigo Escobar.

Esta proposta de adaptação de DOM CASMURRO para os quadrinhos parte dos pontos indicados acima. Com o roteiro já pronto, a HQ terá 76 páginas, sendo dividida em 20 Partes, todas com um número par de páginas (2, 4 ou 6). Nestas, a diagramação e a composição refletirão os temas apontados acima, como o motivo dos olhos, os espelhamentos, as dubiedades e a narrativa reflexiva de Bentinho / Dom Casmurro. Além disso, a oposição entre o momento em que se narra e o passado narrado será expressa visualmente por meio de dois estilos de desenho diferentes.

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27/12/2010

Declaração para o ano que se encerra e para o ano que vem aí.


Queridas leitoras e caros leitores,

Nos últimos dois meses, o número de postagens diminuiu em relação ao que tivemos desde o início do ano. O motivo disso, na verdade, é algo muito bom: é que meu trabalho com quadrinhos (graças a Deus!) não tem deixado muito tempo para os textos deste blog.

Estamos chegando ao final de 2010, um ano que, por diversos motivos, jamais esquecerei. Neste ano que se encerra, minha vida e meu trabalho com quadrinhos (duas coisas que, na verdade, costumam se confundir) passaram por um momento decisivo. Desculpem, mas não posso contar nada ainda... O que posso adiantar é que em 2011 terei muitas novidades (aqueles que curtem quadrinhos brasileiros e quadrinhos autorias de qualidade não perdem por esperar!).

Que venha então 2011, ano em que completo 25 anos de criação de quadrinhos e 15 anos de trabalho profissional, no qual continuarei minha aventura pessoal com essa forma de arte tão apaixonante, como nos ensina o incomparável Cyrano de Bergerac:

“Trabalhar sem peso de glória ou de fortuna,
Em tal viagem, que planejamos, à lua!”

No mais, um beijo para as meninas, uma abraço para os rapazes e tudo de ótimo para todos neste ano que vem aí!

12/12/2010

Quadrinhos no iPad.


Não sou daquelas pessoas viciadas em novas tecnologias, que compram os últimos lançamentos assim que saem. Mas, por questões de trabalho e também por ser uma das coisas mais bacanas que já vi, há pouco mais de um mês comprei um iPad. Para aqueles que ainda não conhecem, o iPad é o “tablet” da Apple: um aparelho para acesso a conteúdos, navegação por Internet sem-fio e realização de alguns trabalhos. Medindo cerca de 24cm x 19cm, ele é composto basicamente por uma tela “multi-touch” com área útil de 19,5cm x 14,5cm, um autofalante e um sistema interno de funcionamento e armazenamento de dados.

Num iPad, você pode escutar músicas, ver filmes, acessar e-mails, visitar páginas da Internet e, o que nos interessa especificamente aqui, ler arquivos de texto e imagem (como livros eletrônicos e revistas em quadrinhos digitais). Para acessar conteúdos gratuitos ou comprar edições por valores a partir de $0.99, basta baixar os aplicativos de lojas como Marvel, DC Comics e ComiXology (que também disponibilizam suas edições em versões para leitura em computadores). Aproveitando que o iPad já está disponível para venda no Brasil, vão aqui algumas das minhas impressões iniciais sobre HQs disponíveis no iPad.

Em primeiro lugar, a maioria absoluta das edições disponíveis no aparelho é formada por quadrinhos em formato vertical, originalmente produzidos para serem impressos (o que no caso dos comics leva a um não-aproveitamento de espaço nas laterais). Um grupo menor é composto por edições em formato horizontal, já produzidas para o meio digital (como as HQs do extinto selo Zuda Comics). Na versão para iPad, além da leitura página a página, os quadrinhos ganham uma segunda opção semi-animada, em que cada toque na tela avança uma leitura quadro a quadro (recurso que, na verdade, não me agradou muito).

Uma primeira constatação, então, é a de que ainda estão para serem produzidos quadrinhos específicos para iPad, que aproveitem da melhor forma possível os recursos desse aparelho e o espaço útil da tela (embora esta última questão seja resolvida no caso dos quadrinhos horizontais ou mesmo dos álbuns europeus, que têm um formato menos espichado que o dos comics). Mas independente do formato ou origem, as HQs no iPad contam com um recurso fantástico que é “zoom” na tela “multi-touch”, o qual permite uma ampliação dinâmica da imagem e a visualização de detalhes sem perda de qualidade.

Considerando apenas a produção de quadrinhos norte-americana, para quem tem um iPad, já existem centenas de edições para compra e dezenas de edições disponíveis gratuitamente (com novas HQs chegando a cada semana). Muitas destas são apenas prévias de séries e novas revistas, enquanto outras são amostras de números esporádicos. A Marvel disponibiliza poucas edições gratuitas e tende a retirá-las “do ar” após uma semana. Já a DC Comics mantém suas edições gratuitas e disponibilizou os primeiros capítulos de várias de suas séries, como Crise nas Infinitas Terras, Crise Infinita, 52 e Crise Final.

Até aqui, porém, a loja de quadrinhos para iPad mais interessante é a ComiXology, que além das edições da Marvel, DC, Vertigo, Wildstorm e Zuda, disponibiliza também quadrinhos da Image, Dark Horse, várias editores independentes e algumas produções autorais. Nela, pode-se baixar gratuitamente a primeira edição de Hellboy e Wanted, as HQs de estreia de Madman, duas edições de Elephantmen e uma de The Mice Templar, entre vários outros títulos, em diversos gêneros. Como cada loja tem um limite de armazenamento de dados, vale a pena baixar os aplicativos das três.

Há também lojas que disponibilizam álbuns europeus e mangás japoneses. Assim, para quem gosta de quadrinhos, não faltam opções, de graça ou por um preço razoável. E agora que o aparelho chegou oficialmente ao Brasil, o próximo passo será o surgimento das primeiras lojas e edições de HQs para nosso mercado. Enquanto isso, novas séries e produções pensadas especificamente para o iPad devem estar sendo preparadas. Com vários recursos e mobilidade, este é um aparelho que promete muitas possibilidades, sendo uma ótima plataforma para os quadrinhos se desenvolverem neste nosso século digital.

01/12/2010

“Quadrinho é minha cachaça!”


A frase que dá título a esta postagem me foi dita há mais de uma década pelo saudoso amigo Flavio Colin. O grande gênio e mestre de nossos quadrinhos a utilizava para expressar sua paixão por essa arte tão fascinante e ao mesmo tempo desprestigiada. Sendo sua “cachaça”, os quadrinhos levaram-no a deixar uma rentável carreira na publicidade para se dedicar novamente a desenhar personagens e histórias quase sempre muito brasileiras.

Mas seu amor pelas HQs e pelo Brasil sofria de um mal irreparável chamado mercado editorial brasileiro. O fato é que, em suas últimas décadas de vida, Colin não recebeu o devido reconhecimento por parte dos editores, que chamava de “tão relapsos e cretinos quando se trata de pagar a seus colaboradores” (a carta completa da qual tirei este trecho pode ser lida na seção Extras do Mais Quadrinhos). A história poderia ter sido bem diferente!

Fato é que os editores não souberam valorizar o maior talento de nossas HQs. Um artista que, como já escrevi numa postagem anterior, merecia lugar de destaque ao lado de outros mestres fundadores como Jack Kirby, Will Eisner, Osamu Tezuka e Hugo Pratt. Foi preciso que Colin falecesse para obras inéditas como Caraíba chegarem aos leitores. Felizmente, nos últimos anos vários textos têm surgido, trazendo a Colin o merecido reconhecimento.

O mais recente deles foi publicado no blog Gibi Rasgado de Lillo Parra (um dos caras que melhor escreve sobre quadrinhos no Brasil atualmente). Aproveito então para convidar todos a conferir esse texto. E ao amigo Lillo, só posso dizer que este “jovem veterano” agradece suas generosas palavras!

O Wolverine de Rafael Grampá.


Um dos expedientes mais utilizados pelas editoras de super-heróis é o estabelecimento de modelos de sucesso que são repetidos à exaustão. Tendo chegado a seu momento mais crítico nos anos 90, que levou a um esgotamento do gênero, na última década editoras como a Marvel abriram mais espaço para a diversidade estética e a criação autoral. Um exemplo disso foi a minissérie Strange Tales, lançada em 2009, que ganha agora um segundo volume. Comprei o n°1 da nova minissérie por um único e exclusivo motivo: a HQ do Wolverine escrita e desenhada por Rafael Grampá, auxiliado nas cores e balões por Rafael Coutinho.

Duas páginas de prévia já podiam ser vistas no blog do desenhista, mas o melhor fica mesmo para as seis páginas seguintes dessa história que mostra uma sanguinolenta luta livre estrelada pelos mutantes do programa Arma-X. À primeira vista, o que temos são diálogos corriqueiros e corpos mutilados. Mas, ao se ler a história protagonizada por Wolverine, acabamos descobrindo que uma outra personagem é a verdadeira motivação e o fim de tudo. Com isso, o que poderia ser apenas mais uma violenta HQ de super-heróis assume as características de uma história de amor, um pouco atípica, mas com direito ao tradicional coração-partido.

Sobre os desenhos, quem conhece Grampá por trabalhos anteriores, como Mesmo Delivery, notará diferenças de estilo nesta HQ. Nela, o traço está mais fluido e conciso, enquanto os detalhes e a profusão de tracinhos estão mais contidos. Mas os fãs de Grampá e também do Wolverine não irão se decepcionar com essas oito páginas que reúnem cenários cotidianos a garras de adamantium. Com uma ou outra página se destacando e cores bastante expressivas, Grampá e Coutinho nos oferecem uma versão diferenciada do herói mutante. O mesmo tratamento é dado aos heróis Marvel tradicionais que ganham o "tratamento Grampá" na fantástica capa de Strange Tales II.

Sendo uma daquelas revistas que a gente já compraria só pela capa, a Strange Tales II n°1 traz ainda as interpretações de vários outros autores independentes para os heróis e vilões da Marvel. Nenhum deles, porém, me interessou ou empolgou tanto quanto ao trabalho dos quadrinistas brasileiros.