31/10/2010

Alienz: em busca de outra ficção científica.


Uma coisa que acredito estar presente em vários de meus trabalhos é a busca por algo novo ou a intenção de dar uma nova perspectiva a um tema já visitado por outros autores. A revista Alienz, por exemplo, é uma HQ de ficção científica que tem como tema a liberdade e narra uma história de amor. Para realizá-la, pude contar com os desenhos precisos de Eduardo Pansica e a belíssima capa de Carlos Fonseca. O resultado é algo, creio eu, bastante original, que mereceu a seguinte resenha:

ALÉM DAS PALAVRAS

Marcello Castilho Avellar, Estado de Minas, maio de 2007.

Em um dos primeiros capítulos de Alice Através do Espelho, o escritor e matemático Lewis Carrol apresenta um poema, Jabberwocky. Nele, a maioria das palavras de sentido objetivo (substantivos, adjetivos, verbos de ação, advérbios) pertence ao inglês arcaico ou foi inventada pelo autor. Mesmo assim, ao terminar o último verso, o leitor conhecerá uma história sobre um herói e um monstro. Conhecerá até mesmo detalhes do ambiente, fauna e flora onde a aventura teria ocorrido. Jabberwocky é obra-limite para os que estudam arte, lingüística, semiótica: lembra-nos que os sentidos, talvez sejam transmitidos não por aquelas palavras aparentemente significativas, mas por estruturas relacionais, como sintaxeconectivos e desinências. A revista ALIENZ, de Wellington Srbek e Eduardo Pansica, investe com força na transposição dessa idéia para os quadrinhos.

O vocabulário de ALIENZ é cheio de termos científicos: equação diferencial, fractal, quark, glúon, bosón e por aí vai. Mas quem não está acostumado com matemática, física ou outros campos do conhecimento chegará ao final da história com boa idéia de tudo o que se disse durante a ação ou sobre a ação. Para construir uma história ambientada em um planeta que, material e filosoficamente, teria civilização bem distinta das nossas, Srbek invoca o vocabulário científico - mas o apresenta numa estrutura lingüística que conhecemos, o que nos permite superar até mesmo nosso desconhecimento sobre o vocabulário.

Os desenhos seguem lógica semelhante: se os elementos da imagem nos são alienígenas, a sintaxe que os associa não é. Na imagem, o truque carroliano de ALIENZ acaba ficando mais evidente. Percebemos a freqüência com que o encontramos em narrativas fantásticas de histórias de ficção científica na revista Heavy Metal ao nonsense da Garagem Hermética, de Moebius. As artes da imagem teriam tornado universal, muito antes das narrativas da palavra, aquela possibilidade de significado contida nas estruturas. No encontro entre texto e figura que marca os quadrinhos, a familiaridade que temos com a primeira forma de comunicação e a falta de intimidade que mantemos com a segunda produzem uma tensão que acaba dando vida e singularidade a ALIENZ.

30/10/2010

Uma revista Apócripha.


Grande parte do trabalho criativo numa revista em quadrinhos está em encontrar uma história. Depois vem o trabalho de dar-lhe forma e veicular esta produção da melhor maneira possível. Quando uma revista é colocada à venda e encontra seus leitores, nós autores temos a verdadeira recompensa de nosso trabalho. Em alguns casos ainda ganhamos algo a mais, quando a revista recebe uma resenha interessante. Este foi o caso de Apócripha, HQ ilustrada pelo amigo Fernando Cypriano, que recebeu a seguinte leitura de um dos melhores críticos de quadrinhos do Brasil:

O EVANGELHO SEGUNDO SRBEK

Marcello Castilho Avellar, Estado de Minas, dezembro de 2003.

Uma das coisas que tornam Wellington Srbek um dos melhores roteiristas dos quadrinhos brasileiros é a singularidade dos pontos de vista com que observa objetos que pensamos já conhecer. Qualquer um pega fontes de tradição religiosa como a Bíblia ou os livros apócrifos associados a ela, mistura elementos destas fontes com os de outras tradições míticas, e conta uma história fantástica; Srbek pega as mesmas fontes, faz perguntas que praticamente mais ninguém fez, e produz algo diferente. É o que ocorre em APÓCRIPHA.

Como é a percepção de um anjo em meio do nada que são os momentos anteriores à criação? Como foi a chegada de Cristo aos infernos, e o que fez ele lá enquanto estava morto? Estas são algumas das incomuns perguntas cujas respostas a história tenta imaginar. Esta imaginação é sempre poética, mas nem por isso deixa de constituir uma realidade mística. Neste sentido, evoca, em alguns momentos, as narrativas místicas da Europa medieval ou a poesia árabe da mesma época, carregadas de fé sem serem narrativas religiosas.

O desenho de Fernando Cypriano é precioso. A maneira como trabalha luz e sombra, vazio e excesso de detalhes, cria emocionante tensão interna nas páginas. As referências visuais ao acervo de imagens célebres do ocidente (como o Jardim das Delícias de Bosch) são, ao mesmo tempo, adequadas ao trabalho de Srbek (que sempre polvilha referências em suas narrativas) e respeitosas em relação ao original – e este respeito não significa submissão, mas recriação.

Além de sua poesia intensa, APÓCRIPHA levanta uma questão formal interessante. O conjunto de suas páginas situa-se entre a história em quadrinhos e o livro ilustrado. Algumas das páginas pendem para um lado ou para o outro, mas o conjunto parece equilibrar-se entre as duas, como se demonstrasse que a aparente dicotomia constitui apenas os extremos de um contínuo de possibilidades em que não é possível determinar uma fronteira. A maior ou menor autonomia entre texto e imagem, e a maior ou menor expressão da página como conjunto de imagens editadas entre si, todas as opções deixam de ser categorias herméticas, para se tornarem estratégias narrativas, a serem escolhidas de maneira a alcançar o máximo de expressão em cada momento.

29/10/2010

Monstros, quadrinhos e amigos.


Em 2005, após quase dois anos sem lançar uma nova edição, decidi preparar alguns roteiros e chamar uns amigos para produzir uma nova revista. O resultado foi Monstros que, como o próprio nome diz, tinha como tema as monstruosas figuras que tanto nos fascinam. No mesmo formato de Mirabilia e Mystérion, a nova revista foi também uma espécie de filhote das anteriores.

Para desenhar as HQs, contei com o talento de Fernando Cypriano e Laz Muniz, parceiros em vários outros projetos, além de Cleuber Cristiano, cujos personagens do Arroz Integral eu já havia publicado em revistas, mas com o qual eu ainda não tinha trabalhado em parceria. Para a capa, tive o privilégio de contar com um dos mais talentosos ilustradores que conheço, Carlos Fonseca.

O coquetel de lançamento, realizado numa manhã de sábado na livraria Quixote, foi muito legal, contando com a presença dos desenhistas participantes e dos alunos de meu Curso de Quadrinhos na época, além de dezenas de convidados e clientes. E a Monstros foi isso: uma revista feita com amigos, por pura diversão e paixão por essas monstruosas figuras da literatura, cinema e quadrinhos.

28/10/2010

Mystérion, uma revista marcante.


Com o bom resultado alcançado com a revista Mirabilia, repeti a experiência dois anos depois. No mesmo “formato americano” e com qualidade gráfica semelhante, 22 páginas de quadrinhos complementadas por textos, capa e contracapa em cores, Mystérion também trouxe em suas páginas um grande time de nossos quadrinhos.

Na capa, temos uma pintura do mestre Shima, enquanto na contracapa repito minha parceria com o cartunista Nilson Azevedo. No miolo, os amigos Laz Muniz, Fernando Cypriano e J.B. Melado desenham roteiros meus, tendo a honra de dividir o espaço com o grande gênio de nossos quadrinhos, Flavio Colin. Mystérion teve, aliás, a triste e honrosa missão de publicar a última HQ que Colin desenhou. Por isso mesmo, a edição como um todo acabou sendo dedicada a ele.

Por tudo isso, Mystérion foi para mim uma revista marcante. Lançada em setembro de 2002, ela fechou uma das fases mais importantes de minha trajetória independente, em que tive o privilégio de produzir quadrinhos com o mestre Colin.

27/10/2010

Mirabilia, uma revista especial.


Há exatos dez anos ficava pronta a revista Mirabilia, meu primeiro trabalho lançado após as séries Solar e Caliban. Com ela, iniciei uma nova experiência em minha produção independente de quadrinhos: a das “revistas especiais” com financiamento próprio (uma vez que minhas publicações até então eram revistas seriadas, financiadas em grande parte pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte).

Por um lado, essa mudança possibilitou um produto final mais comercialmente adequado e uma maior velocidade na pré-produção (já que eu não dependeria mais de aguardar uma aprovação pela Lei de Incentivo, nem a liberação do financiamento). Por outro lado, ela representou um considerável aumento nos custos de produção, já que eu passaria a pagar do meu bolso pelo trabalho dos desenhistas e da gráfica (o que reduziu bastante o volume de páginas lançadas num ano).

Eu ainda voltaria a publicar quadrinhos com financiamento da Lei de Incentivo de BH (no projeto que, em 2001, viabilizou Estórias Gerais, Quantum e Fantasmagoriana). Mas o modelo adotado com Mirabilia passaria a ser o meu padrão de produção. Lançada em novembro de 2000, numa das festas de lançamento mais bacanas das quais eu participei, a revista em si tinha alguns trunfos: boa produção gráfica, roteiros interessantes e um time de desenhistas de primeira.

Logo na capa, vemos uma bela ilustração que encomendei ao fantástico Mozart Couto, na contracapa uma HQ em parceria com o grande cartunista Nilson Azevedo. E o miolo não deixa por menos: nele, o talentoso Klévisson Viana e os mestres Julio Shimamoto e Flavio Colin emprestam seus traços únicos a três histórias curtas minhas.

O resultado não poderia ser melhor: um razoável sucesso comercial e o troféu HQ MIX de “Melhor Revista de Aventura e Ficção de 2000”. Para mim, esta foi uma das edições mais gratificantes que fiz!

24/10/2010

Os 50 anos da Pererê!


Quem acompanha este blog desde o início deve se lembrar de uma postagem sobre a revista Pererê de Ziraldo. Aquele texto trouxe um resumo de meu livro inédito sobre essa importantíssima série de nossos quadrinhos. Passaram-se alguns anos e, infelizmente, o livro continua inédito. Mas, para celebrar os 50 anos da revista criada por Ziraldo e aproveitando a data de seu aniversário, publico aqui um trecho de “Pererê, uma aventura brasileira”. Parabéns então a Ziraldo e vida longa a Pererê e sua turma!

Em 1960, Ziraldo trabalhava no Departamento de Promoções e Relações Públicas de O Cruzeiro, uma das mais bem-sucedidas revistas e editoras da época. Entre trabalhos de Péricles, Millôr Fernandes, Carlos Estevão e Borjalo, a cada semana a revista publicava um novo cartum de Ziraldo, protagonizado pelo personagem Pererê. Trazendo temas variados numa abordagem humorística, os cartuns tinham pouco texto escrito (ou mesmo nenhum), valorizando o estilo de desenho sintético de seu autor.

Provavelmente, os leitores de O Cruzeiro que acompanhavam a série de cartuns notaram uma diferença na edição que chegou às bancas em 8 de outubro. Logo na primeira página da revista era anunciado que o Pererê estava mudando de casa: o personagem deixava O Cruzeiro para estrear uma nova revista em quadrinhos mensal criada especialmente para ele. Nas duas semanas seguintes, a Pererê ganhou anúncios de página inteira em O Cruzeiro, o que evidencia o investimento da editora no novo projeto.

Lançada naquele mesmo mês de outubro de 1960, em meio aos movimentos em favor da nacionalização das histórias em quadrinhos (o estabelecimento de reservas de mercado em favor dos desenhistas e personagens brasileiros), Pererê tornou-se rapidamente um sucesso, equiparando-se em vendagem a Luluzinha, a revista em quadrinhos de maior sucesso publicada pela editora de O Cruzeiro. No formato de 26 cm de altura por 18 cm de largura (semelhante ao dos comic books norte-americanos), Pererê foi a primeira revista em quadrinhos em cores inteiramente produzida por autores brasileiros com personagens brasileiros. Cada edição totalizava 36 páginas, com capas impressas em papel envernizado e miolo impresso em papel-jornal (desse total, em média, 4 páginas eram utilizadas para a veiculação de anúncios de revistas em quadrinhos também publicadas por O Cruzeiro).

Quando a revista chegou às bancas pela primeira vez, Juscelino Kubitschek ainda era o presidente, embora Jânio Quadros já tivesse sido eleito para sua sucessão e João Goulart reeleito para a vice-Presidência (a votação para os dois cargos fazia-se então em separado). Alcançando a impressionante tiragem de 120 mil exemplares, Pererê teve 43 edições, lançadas entre outubro de 1960 e abril de 1964, um dos períodos mais agitados e conturbados de nossa história. Voltada para o público infantil, com uma produção gráfica relativamente simples e trazendo na capa um selo de “Aprovado pelo Código de Ética” (copiado das revistas norte-americanas), Pererê não levantava suspeitas ou questionamentos sobre as mensagens que veiculava. Descrita por Ziraldo (em depoimento concedido a mim em agosto de 1999) como a “maior curtição de sua vida”, a revista era produzida segundo ele com “total autonomia criativa”:

“Era uma revista infantil. Eu podia contar as minhas histórias como quisesse. A Pererê era até um pouco, digamos, ‘comunista’ para a época. O editor nem ligava. Vai ver, nem lia. A revista fazia o maior sucesso. Bastava isto pra ele. Eu adorava bolar as histórias. Eu sabia que sabia fazer isto muito bem, diferente dos velhos clichês, nada de luta do mal contra o bem. Você vê que não tem, nunca teve bandido nas minhas histórias. Era tudo curtição, rememoração das fantasias de infância. Era um barato. E o artista gráfico deitava e rolava nas onomatopéias...”

Na produção das edições de Pererê, Ziraldo contava com o auxílio de uma equipe de profissionais de artes gráficas. Assim ele descreveu o processo de produção da revista:

“Eu fazia a revista com três meses de antecedência. Ou quatro, não me lembro. Tanto que fui dispensado em dezembro de 63 e a revista foi até abril de 64. Eu bolava as histórias, fazia tudo a lápis. Tinha três profissionais comigo. Um fazia o nanquim em cima do meu traço. Nunca aprendeu a fazer o traço. Chamava-se Paulo Abreu. Morreu logo depois que a revista parou. O outro era um famoso e grande letrista de quadrinhos de todas as publicações brasileiras, trabalhara na Ebal, no Globo, em toda parte. Um craque. Chamava-se João Barbosa. Também já morreu. O outro era o que indicava as cores no overlay, com papel de seda e lápis de cor (o cara do fotolito tinha que adivinhar a proporção das cores). Esse se chamava Heucy Miranda. Aliás ainda se chama, aprendeu a desenhar tudo, é um grande animador de desenho-animado e desenha o Pererê melhor do que eu. Uma figura!!!”

Apesar da qualidade e de todo o sucesso, a revista acabou sendo cancelada pela editora de O Cruzeiro (na capa do último número, a data indicada é "1 de abril de 1964", dia do golpe militar que destituiu o então presidente João Goulart, pondo fim ao período democrático iniciado em 1946). De qualquer forma, basta a leitura de algumas das histórias de Pererê para se perceber a originalidade e a qualidade dessa obra-prima dos quadrinhos.

(Talvez continue algum dia no livro “Pererê, uma aventura brasileira”...)

21/10/2010

Homem de Ferro e a convergência das mídias e linguagens.


Começa a chegar às lojas de todo o país os DVDs e Blu-Rays com o filme Homem de Ferro 2. Continuação do grande sucesso do Marvel Studios em 2008, o longa é mais um dos inúmeros exemplos de convergências das mídias e linguagens. Saído de revistas em quadrinhos e coletâneas em capa-dura ou cartonada, direto para o cinema e também para os games, brinquedos, miniaturas e animações, de volta para os quadrinhos, passando por versões digitais para computadores, smartphones e tablets, o Homem de Ferro tornou-se nos últimos dois anos uma presença multimidiática e uma “franquia” multimilionária.

Criado nos anos 60, o personagem foi totalmente atualizado em 2005 por Warren Ellis e Adi Granov na minissérie Iron Man: Extremis, que foi uma das bases para a versão cinematográfica. Tomando emprestados elementos do roteiro e do visual da armadura, o primeiro filme do Homem de Ferro conseguiu conciliar respeito pelos quadrinhos e ideias originais para a telona. O resultado foi um sucesso comercial que irradiou de volta para as revistas, aumentando o prestígio e presença daquele herói, além de influenciar estilisticamente suas HQs. O melhor exemplo é a série The Invincible Iron Man, também lançada pela Marvel em 2008.

Escrita por Matt Fraction, desenhada por Salvador Larroca, com cores por Frank D’Armata, a nova série não foi uma extensão da produção cinematográfica, mas lembra muito um longa. Se alguns elementos parecem saídos de um filme de espionagem, todo o visual em estilo fotográfico e os efeitos digitais na colorização buscam imitar os filmes de ação e aventura futurista. Para completar, predominam páginas com quatro ou cinco quadros na horizontal, que aproximam os quadrinhos do formato widescreen do cinema. Este recurso, aliás, favorece a leitura das HQs em tablets e especialmente nos smartphones, aumentando o lucro potencial das edições.

Se para a Marvel fazer quadrinhos que tenham alguma ligação com sucessos do cinema é uma receita bastante segura para o sucesso nas vendas, para os quadrinhos de super-heróis podemos ver alguns problemas nisso. O principal deles é a padronização de sua linguagem e a perda de autonomia estética. Claro que os chamados widescreen comics não começaram com a The Invincible Iron Man ou sequer com a Marvel. A patente dessa ideia costuma ser atribuída a Warren Ellis e Bryan Hitch, com seu The Authority. No entanto, é nas revistas da Marvel dos últimos anos que uma imitação do cinema tem se tornado mais evidente e mesmo uma fórmula a ser repetida.

Já faz tempo que a Marvel transpõe seus personagens para além das revistas. Desde os desenhos desanimados que levaram à tevê Capitão América, Homem de Ferro, Thor & Cia., adaptar histórias e reutilizar imagens de quadrinhos renderam bons resultados. Passadas algumas décadas, chegamos aos montion comics, que acrescentam som, movimento e efeitos a HQs como Iron Man: Extremis, o que repete a ideia de antes, porém com mais recursos técnicos. Por este e pelos demais exemplos apresentados aqui, o Homem de Ferro é provavelmente hoje o melhor exemplo, nos quadrinhos de super-heróis, dessa convergência tecnológico-criativa.

Essa nova realidade veio para ficar, trazendo uma multiplicação das formas de veiculação e comercialização das histórias em quadrinhos e de seus personagens. Assim, se há não muito tempo temia-se o desaparecimento dos quadrinhos enquanto linguagem e produto cultural, este não parece ser o caso para as próximas décadas. Mas, em se tratando dos quadrinhos de super-heróis, uma excessiva ligação às produções cinematográficas pode estar levando a uma nova estagnação criativa, simbolizada por produtos culturais externamente belos e reluzentes, mas pouco originais e significativos em essência.

18/10/2010

Todo poder ao Thor.


Quem era criança ou adolescente no final dos anos 70, início dos anos 80, deve se lembrar dos desenhos desanimados com Homem de Ferro, Capitão América e os demais Vingadores. Não indo muito além das HQs originais da Marvel, às quais se dava algum movimento, locução e efeitos sonoros, aquelas animações primitivas conseguiam ser uma diversão bacana. Foi através delas que conheci o herói Thor e a miríade de personagens do reino mítico de Asgard, recriados para os quadrinhos por Stan Lee e Jack Kirby. Eu voltaria a encontrar aqueles personagens alguns anos depois, quando comecei de fato a ler e colecionar quadrinhos.

Além das HQs clássicas de Lee & Kirby, lembro-me em especial de uma fase do personagem, produzida por Walter Simonson. Os desenhos eram impactantes, as histórias interessantes e ainda ganhamos o personagem Bill Raio Beta, um alienígena que realizou a façanha de domar os poderes do Deus do Trovão. Em 1998, outra fase do personagem chamou a atenção, neste caso devido aos desenhos do talentoso John Romita Jr. Passada quase uma década, uma nova fase do Poderoso Thor mereceu a atenção dos leitores, em grande parte devido aos roteiros de J. Michael Straczynski, aos quais se somaram belas páginas e capas desenhadas por artistas como Olivier Coipel.

Trazendo o Deus do Trovão de volta do limbo, os roteiros misturam divindades nórdicas e a realidade de uma pacata cidadezinha do interior norte-americano. A influência de Sandman é evidente, sem falar na ideia dos deuses kirbyanos em corpos de simples mortais, que Straczynski parece ter copiado da minissérie Eternals, também escrita por Neil Gaiman. Apesar disso, misturando mitologia e temas tirados de páginas de jornais (como a destruição de Nova Orleans e os massacres de Darfur), o trabalho do roteirista agradou aos leitores. Tanto que, seguindo um padrão utilizado com o Homem de Ferro, alguns elementos dessas HQs de sucesso deverão parar no vindouro filme do Thor.

Numa dinâmica inversa, com a divulgação das primeiras cenas do longa dirigido por Kenneth Branagh, a Marvel passou a lançar uma enxurrada de títulos estrelados pelo Deus do Trovão. Começando com as minisséries Thor for Asgard, The Might Avenger e First Thunder, a onda inclui a nova série Ultimate Thor, além de especiais e da própria série regular do herói nórdico, que passou a ser escrita por Matt Fraction (que havia feito um bom trabalho na revista mensal do Homem de Ferro, atualizando-a e aproximando-a da versão cinematográfica do personagem). Em meio a tudo isso, um destaque vai para Tales of Asgard, que reeditou HQs clássicas de Lee & Kirby.

Enquanto o filme não estrear em maio de 2011, o que se pode esperar são mais e mais edições e promoção em torno do nome Thor, além de cenas com o martelo mágico Mjolnir. E caso o filme seja bem-sucedido, pode-se esperar que, assim como aconteceu com o Homem de Ferro, o Deus do Trovão se torne uma figura cada vez mais presente nos quadrinhos, animações e demais produtos Marvel. Fazendo assim de Thor um super-herói mais poderoso do que nunca.

14/10/2010

O segundo “arco” dos X-Men de Warren Ellis (ou: não perca tempo e dinheiro!).


O roteirista inglês Warren Ellis conquistou um lugar de destaque no mercado de quadrinhos norte-americano. Tendo uma predileção por tramas envolvendo ficção científica e uma capacidade de apresentar novas perspectivas para temas já bastante explorados, sua estreia nas páginas da revista Astonishing X-Men foi aguardada com expectativa pelos leitores. No entanto, os números 25 a 30 da prestigiada série mutante ficaram muito aquém do que se podia esperar, destacando-se mais pelas páginas ilustradas pelo italiano Simone Bianchi, do que propriamente pelo trabalho de seu roteirista (uma resenha dessas primeiras edições pode ser lida aqui).

Ellis conseguiu se redimir um pouco nas duas edições da minissérie Astonishing X-Men: Ghost Boxes, mas ainda precisava mostrar a que veio. Conceituado entre leitores e editores, o renomado roteirista ganhou uma segunda chance para mostrar algo menos decepcionante: o novo “arco” Exogenetic, publicado entre os números 31 e 35 da revista mutante. Terá ele então alcançado um resultado mais condizente com seus trabalhos anteriores (como Planetary ou Iron Man Extremis)? Terá ele conseguido apagar a sensação do “vamos ganhar um dinheiro fácil” deixada pelas edições anteriores? Na minha opinião, a resposta é um sonoro “Não!”.

Astonishing X-Men: Exogenetic começa com a agente Abigail Brand numa missão espacial para eliminar alienígenas da espécie conhecida como Ninhada (quem lia as revistas dos X-Men nos anos 80 está bem familiarizado com esses detestáveis aliens transmórficos). As coisas não saem muito bem e Abigail cai na Terra, tendo que ser resgatada por Ciclope & Cia. Quando tudo parece se acalmar, entra em cena outro vilão do passado: um gigantesco robô sentinela. Este, porém, tem a peculiaridade de ser composto por partes biológicas e estar ligado à trama envolvendo os alienígenas da Ninhada. Aí entra em cena o clone de um terceiro vilão do passado: Krakoa, a Ilha Viva.

Segundo revela Abigail, o que liga todas essas ameaças é um misterioso vilão com um extenso conhecimento sobre engenharia genética e o desejo de eliminar os mutantes (ou seja, nada muito diferente do que já vimos várias vezes). Veículos espaciais gigantes e a aparição de um clone do vilão pterodátilo Sauron só servem para reforçar a sensação de lugar-comum. No capítulo final, muita conversa fiada, ação mal representada e algum draminha envolvendo o misterioso vilão resultam num fechamento fraquíssimo. Com isso, todo o “arco” pode ser resumido a uma grande perda de tempo para quem venha a dedicar algumas horas a lê-lo, isso sem falar no dinheiro jogado fora.

Com uma história pouco inspirada, Exogenetic oscila entre desinteressantes sequências de combate e diálogos repletos de sarcasmo. Pior ainda são os desenhos de Phil Jimenez e Andy Lanning, cheios de borrões e (d)efeitos digitais criados pelo colorista Frank D’Armata, que formam um visual que pode ser descrito como “feio”. Assim, se nas primeiras edições para a Astonishing X-Men Ellis pôde contar com o talento de Simone Bianchi, nestas últimas sequer as imagens compensam. Mas, apesar da pouca qualidade e dos atrasos, antes da conclusão de Exogenetic, a Marvel já tinha começado a publicar a minissérie Astonishing X-Men: Xenogenesis, também escrita por Ellis.

No geral, não há o que se elogiar nas fracas histórias de Ellis para os X-Men, que se revelam cada vez menos interessantes e desde o início nada surpreendentes. De qualquer forma, para quem quiser tirar a prova, em breve elas poderão ser conferidas nas edições da Panini.

10/10/2010

Mais Machado em quadrinhos!


Na edição de O Globo do sábado, dia 9 de outubro, foi publicada uma matéria sobre adaptações de obras de Machado de Assis para os quadrinhos.

No texto da jornalista Bruna Galvão, entre outras HQs, tem destaque minha versão quadrinística de Memórias Póstumas de Brás Cubas, desenhada pelo amigo J.B. Melado.

O álbum já está nas livrarias e também pode ser comprado em lojas virtuais. Para quem ainda não conhece nosso trabalho, fica então renovado o convite à leitura!