28/05/2010

Príncipe da Pérsia, mais um bom lançamento do selo Galera.


Após lançar o ótimo Kiki de Montparnasse, o selo Galera da editora Record está levando às livrarias Príncipe da Pérsia, HQ baseada no video game que deu origem ao novo filme da Disney e de Jerry Bruckheimer, estrelado por Jake Gyllenhaal. Não conheço o jogo, não tenho o menor interesse em assistir à versão cinematográfica, mas o quadrinho sem dúvida vale uma conferida. Com papel de ótima qualidade e boa impressão, formato 14cm x 20cm e sendo vendido por R$39,90, o livro tem mais de cento e oitenta páginas de quadrinhos, trazendo ainda um posfácio ilustrado.

Baseada na criação de Jordan Mechner, com roteiro de A.B. Sina, desenhos de LeUyen Pham e Alex Puvilland e cores por Hilary Sycamore, a HQ traz duas histórias intercaladas, passadas nos séculos 9 e 13, além de narrativas históricas complementares (que se destacam das demais partes por lembrarem antigas ilustrações persas). Isto reflete, até certo ponto, as fontes fundamentais do trabalho: as narrativas árabes e persas ao estilo de As mil e uma noites, e também as diversas versões do próprio video game (lançado nos anos 80 e recriado várias vezes nas últimas décadas).

No entanto, a característica estrutural da HQ (com duas linhas narrativas que se intercalam) em alguns pontos chega a torná-la confusa. Embora os autores tenham utilizado recursos narrativos e até diferentes tonalidades para marcar a passagem de uma linha temporal para outra, o leitor pode ficar meio perdido em algumas passagens, já que a própria aparência dos dois "Príncipes da Pérsia" (Guiv e Ferdos) é muito semelhante. Ainda assim, a ambientação numa Pérsia mítica e romântica consegue cativar o leitor, enquanto a boa narrativa visual serve bem à história nos momentos de mais ação.

Os pontos altos do livro são justamente duas passagens que empregam pouco texto, deixando a história avançar através da narrativa visual (as sequências de pesadelo com o exército de esqueletos e com os bebês gigantes de areia). Assim, por seus melhores elementos contextuais e narrativos, o livro deve agradar aos fãs do jogo e também pode agradar a quem gosta de histórias no estilo dos antigos filmes de Simbad. Já para os leitores de quadrinhos em geral, o maior atrativo de Príncipe da Pérsia devem ser os ótimos desenhos e as cores muito bem dosadas (que dão à HQ uma aparência mais "europeia").

Com desenhos expressivos e dinâmicos, que variam entre cenas leves ou intensas (de acordo com o que a situação pede), o livro traz ainda quadros mais planos, que simulam as antigas ilustrações persas. Lembrando desenhos animados como Príncipe do Egito e José, Rei dos Sonhos, ou mesmo uma HQ como Sandman - Ramadan, o melhor do livro é mesmo seu visual (que não deve ser julgado pela capa, pois a ilustração ali não faz jus à qualidade artística das páginas internas). Por esses motivos, Príncipe da Pérsia é uma boa pedida para quem busca quadrinhos de fantasia com ótimos desenhos.

24/05/2010

O renascimento do Flash por Geoff Johns.


Nos últimos anos, Geoff Johns tornou-se um dos mais badalados roteiristas dos quadrinhos de super-heróis, sendo agora um dos responsáveis pela direção criativa da DC Comics (que inclui decisões não apenas nas revistas da editora, mas também em animações e filmes baseados em seus personagens). Com participações em séries como Crise Infinita e 52, Johns ficou mais conhecido através de trabalhos com super-heróis clássicos, com destaque para a minissérie Lanterna Verde: Renascimento, que resgatou e redimiu o herói Hal Jordan. Repetindo sua parceria com o desenhista Ethan Van Sciver, o roteirista lançou em 2009 e concluiu neste ano The Flash: Rebirth, minissérie em seis edições que marcou a volta de outro herói da “Era de Prata”.

Um dos efeitos da minissérie Crise Final foi o retorno de Barry Allen à continuidade regular dos heróis DC. Devidamente ressuscitado, o herói que dera origem à “Era de Prata” e ao “Multiverso DC” ganhou dos editores uma nova chance (bem aos moldes da oferecida ao Lanterna Verde em 2004-2005). O número 1 de The Flash: Rebirth começa bem, com um duplo assassinato cometido por um misterioso vilão que consegue repetir o acidente que deu origem aos poderes do herói. Nas páginas seguintes, encontramos os vários personagens que assumiram o nome do Flash: de Jay Garrick e Wally West a Bart Allen e, é claro, o próprio Barry Allen. Lembranças e comentários sobre este último interligam as passagens da história, que incluem a participação de antigos adversários do herói e de seu amigo Hal Jordan.

Com alguns mistérios e referências a outras HQs, o capítulo inicial da minissérie serve para estabelecer a trama, cenário e personagens. Como é de se esperar, o número 2 traz um desenrolar dos acontecimentos (um pouco lento), que mistura gorilas das cavernas, cultos à “força da velocidade” (a energia mística que impulsiona os velocistas da DC), flashbacks que revelam o passado de Barry Allen e diálogos que esclarecem elementos sobre seu presente. O Lanterna Verde Hal Jordan faz uma participação breve e mais um mistério é acrescentado com o surgimento de um enigmático “Flash Negro”. Já o número 3 traz um emaranhamento ainda maior dentro da metafísica que envolve a tal “força da velocidade”. Um plano de contenção é necessário e alguns figurões da Liga e da Sociedade da Justiça dão as caras.

O quarto capítulo começa com explicações sobre a identidade do vilão Flash Reverso, seguindo com alguns socos e muita conversa. Tudo parece girar em círculos, até o vilão nos esclarecer seu plano maquiavélico, encerrando com uma saída dramática. Depois temos mais explicações sobre a ligação entre Flash e a “força da velocidade” e, enfim, um pouco de ação. Tudo, porém, é pontuado por uma retórica da “família”, o que dá um caráter conservador a uma história que não vinha sendo das mais brilhantes. Já o número 5 começa com mais flashbacks e reflexões, continuando numa luta de vários heróis velocistas contra um único vilão (!). E a edição inteira é praticamente pancadaria, encerrando mais ou menos como as coisas estavam no início do número 4, exceto por uma última revelação e uma ameaça do vilão.

Além do herói Flash e do roteirista Geoff Johns, um atrativo na minissérie foi o desenhista Ethan Van Sciver (auxiliado por uma competente colorização digital). Seu traço fino segue um padrão detalhista que, às vezes, chega a ser muito estático para uma HQ de super-heróis. Isso sem falar no fato de que seu estilo realista tende a ressaltar cenas estranhas, como personagens em fantasias espalhafatosas sentados à mesa lendo jornais ou comendo cachorros-quentes. E se algumas cenas de página inteira são bem impactantes, outras em sequências de quadros trazem desenhos quase amadores, evidenciando uma grande irregularidade. Mais ilustrador do que propriamente um quadrinista, Van Sciver mostrou o melhor de seu trabalho nas cinco primeiras capas da minissérie, com direito a recriações de cenas consagradas.

O capítulo final da minissérie traz mais correria, mais explicações e um desfecho muito desproporcional a todo o falatório e ideias metafísicas que a história vinha propondo. E para um roteiro que girou tanto em círculos, as últimas páginas só poderiam mesmo ser uma volta ao início. Planejada inicialmente para cinco e não seis edições, The Flash: Rebirth poderia sem dúvida ter se beneficiado de uma estrutura mais enxuta e objetiva (sem tantas idas e vindas ou situações que não levaram a nada). Mas, apesar da qualidade duvidosa do roteiro e da irregularidade dos desenhos, a minissérie parece ter agradado aos leitores norte-americanos, tendo boa vendagem, reimpressões das primeiras edições e uma reedição em capa-dura, lançada no início deste mês (os leitores brasileiros já podem conferir a minissérie nas páginas da revista Liga da Justiça da Panini).

Geoff Johns é hoje um roteirista muito popular entre os leitores e bastante prestigiado entre os chefões da DC. O melhor exemplo disso são a recentemente concluída The Blackest Night e a recém iniciada The Brightest Day, séries centradas no Lanterna Verde, mas que envolvem os principais heróis e vilões da editora. Grande conhecedor da cronologia e dos meandros ficcionais envolvendo aqueles personagens, o roteirista é de fato um trabalhador dedicado e esforçado, mas não é nenhum gênio. Com um gosto para histórias grandiosas e explicações superestruturais, suas HQs têm o mérito de agradar, mas deixam a desejar em termos de qualidade e inovação.

20/05/2010

As primeiras HQs a gente nunca esquece!


Há algum tempo, eu vinha querendo reproduzir aqui no blog a imagem que ilustra esta postagem. Trata-se da capa do número 100 da revista Showcase, uma série da DC Comics que servia para apresentar novos personagens, resgatar heróis meio esquecidos ou dar espaço a figuras menos convencionais. Foi nas páginas dessa publicação que teve início a chamada “Era de Prata” dos quadrinhos de super-heróis, com o surgimento do Flash Barry Allen e do Lanterna Verde Hal Jordan. Editada entre 1956 e 1970, a revista também abriu espaço para heróis do “segundo time” como Adam Strange e Aquaman, para grupos alternativos como os Metal Men e os Desafiadores do Desconhecido, e para a vertente mais mística da DC com o Vingador Fantasma e o Espectro. Em suas páginas, apareceram ainda figuras que pendiam para o lado cômico como o Rastejador, o Bwana Beast, os Inferior Five e Angel and the Ape.

Relançada entre 1977 e 1978, a série trouxe edições com a Patrulha do Destino, Poderosa, Gavião Negro e Mulher Gavião. Mas o ponto alto dessa retomada foi justamente a Showcase n°100, edição especial lançada no primeiro semestre de 1978, que reuniu os personagens que haviam estrelado as noventa e três edições da primeira fase da revista. Na HQ escrita por Paul Kupperberg e Paul Levitz e desenhada por Joe Staton, uma ameaça misteriosa tirou a Terra de sua órbita, podendo levar à destruição do planeta. Para evitar a catástrofe, os heróis passam a atuar em conjunto, buscando as possíveis causas e enfrentando os efeitos dessa “crise” planetária. É interessante notar que essa revista de 1978 antecipou cenas e elementos que seriam vistos, em 1985, na maxissérie Crise nas Infinitas Terras (como a convocação dos heróis num satélite orbital e uma confusão temporal que faz seres do passado surgirem no presente).

Hoje estejamos acostumados às histórias que reúnem dezenas de super-heróis para enfrentar uma grande ameaça. Mas, no fim dos anos 70, isso não era algo corriqueiro. Tendo um grande “#100” ao fundo, do qual sai uma miríade de heróis, a capa dessa edição especial de aniversário anuncia: “60 sensacionais superestrelas na história que levou 100 edições para ser contada”. Naquele tempo eles sabiam fazer uma edição comemorativa e se ainda hoje essa HQ parece bem interessante, para mim ela tem um significado realmente especial. Publicada no Brasil pela Ebal em setembro de 1979, essa foi uma das primeiras revistas em quadrinhos que eu ganhei. Na época eu tinha pouco menos de cinco anos e era fã do desenho Superamigos, assim, ao ver uma capa cheia de super-heróis, devo ter pedido para que comprassem a revista (cujas páginas eu “animei” com canetinha hidrocor, rabiscando campos de força e raios laser sobre os heróis).

Publicada aqui como uma Edição Extra de Invictus, a capa da Ebal traz no lugar da palavra “Showcase”, o título: “A Terra na Rota Fatal!”. Mais abaixo, substituindo o anúncio da “edição de aniversário”, o chamariz: “CEM HERÓIS? Cem Peripécias Numa Única Aventura!” (com o que a editora brasileira justificava o grande “100” que aparece ao fundo da capa). No lugar do código de barras, outro chamariz: “Uma aventura incrivelmente movimentada!”. Eu não li a revista (pois não tinha ainda aprendido a ler), mas “brinquei” muito com ela e viajei muito por suas páginas, a ponto de ela perder a capa (felizmente, há alguns anos, tive a sorte de encontrar um exemplar em ótimo estado de conservação, tendo agora o primeiro todo rabiscado de canetinha e esse outro de “colecionador”). E posso dizer que, pelo menos para mim, essa revista cumpriu a promessa feita em sua primeira frase: “Uma história que você jamais esquecerá!”.

Aquela Edição Extra de Invictus foi um dos primeiros momentos em que os quadrinhos (por intermédio das séries da tevê) passaram a fazer parte de meu imaginário pessoal (o que também aconteceu com a série de animação do Homem-Aranha e o seriado do Hulk). Algo mais definitivo aconteceria em 1987, quando não encontrei o número 1 da revista dos Thundercats (então meu desenho animado favorito) e acabei comprando a revista Heróis da TV n°91, com a qual iniciei de fato minha coleção de quadrinhos e a paixão que, passados vinte anos, deu origem a este blog e a quase tudo que fiz profissionalmente em minha vida. Assim, para os cem “seguidores” que agora acompanham o Mais Quadrinhos e em especial para aqueles que contribuem com comentários, vai aqui esta postagem especial e também o convite para enviarem comentários dizendo quais foram suas primeiras revistas em quadrinhos e como começou sua paixão pelas HQs.

Abraços e até a próxima!

19/05/2010

O bate-papo na Bienal do Livro.


Aconteceu nesta quarta-feira o bate-papo sobre quadrinhos da Bienal do Livro de Minas. Na foto acima (tirada pela querida Marília Mendes), temos este que vos escreve (dissertando sobre algo), Spacca (aguardando sua vez de falar) e Marcelo Lelis (refletindo introspectivamente). O tema rendeu diversas perguntas do público presente na Arena Jovem, em especial sobre o mercado brasileiro atual, a utilização dos quadrinhos pela Educação e também a diferença entre quadrinhos e literatura. Além da boa discussão, foi muito legal poder ter encontrado Spacca pessoalmente, reencontrado o amigo Lelis e conhecido o quadrinista Eric, que me presenteou com alguns de seus trabalhos. Enfim, é sempre bom ver os colegas de ofício e poder divulgar um pouco mais a arte dos quadrinhos!

14/05/2010

Uma prévia do MSP + 50!


O amigo Sidney Gusman divulgou hoje no Twitter uma pequena prévia de minha HQ do Astronauta, feita em parceria com o Will, para a coletânea especial MSP + 50 (com os personagens de Maurício de Sousa reinterpretados por diversos autores). Nas últimas semanas, Sidney vem divulgando cenas dos trabalhos dos demais autores, que podem ser vistas aqui. Não deixem de conferir, pois os trabalhos estão muito legais!

13/05/2010

Solar Mangá.


Em dezembro de 1998, lancei a revista Caliban n°7, que traz os dois últimos capítulos da versão original do herói Solar. Além da conclusão da história iniciada quatro anos antes, a edição conta com um penúltimo capítulo desenhado num estilo que difere do restante da série. Isso se deve ao fato de meu roteiro mostrar uma história em quadrinhos dentro da história em quadrinhos. A ideia é que, se o Solar existisse realmente, alguém acabaria produzindo uma revista em quadrinhos comercial baseada nele. Assim, o que temos ali é um número da revista fictícia As Incríveis Aventuras de SOLAR.

Como na época os mangás começavam a fazer um enorme sucesso no Brasil, contratei o Estúdio Big Jack para desenhar a HQ num estilo que imitasse os quadrinhos japoneses. O resultado ficou bem bacana, sendo o capítulo mais “super-heroístico” e também mais metalinguístico da versão original do Solar (na revista impressa, o leitor lê as vinte primeiras páginas da HQ como se fosse apenas uma nova história do personagem feita com um tratamento diferente, indo descobrir somente nas duas últimas páginas que se trata de uma história dentro da história).

12/05/2010

O Golem em quadrinhos.


Em 1997, lancei a revista Caliban, na qual dei continuidade à história do personagem Solar, além de publicar outras séries e também HQs curtas. Uma das séries criadas para a nova revista foi O Golem, que traz uma versão livre do personagem do folclore judaico, numa trama envolvendo magia e referências à peça A Tempestade de William Shakespeare (da qual eu já havia tomado emprestado o nome para a revista).

Publicada nos números 2 a 5 da Caliban, essa história de quarenta páginas foi criada por mim, tendo desenhos, arte-final e letras produzidos por diferentes desenhistas do Estúdio HQ (muito atuante no cenário quadrinístico da época) e Big Jack (que iniciava então suas atividades). A verdade é que essa HQ foi criada numa época em que produzíamos uma revista mensal, de forma meio improvisada e com muita paixão!

10/05/2010

Urbanoide em defesa da Terra!


Já está circulando o número 5 da série Pratique Gentileza, que estamos produzindo para a Rádio Itatiaia / Fiat / Unimed-BH. Desta vez, o robô Urbanoide tem como missão tratar de um assunto importantíssimo para todos: a defesa do meio ambiente. O lixo e a poluição, o aquecimento global, a destruição das florestas, o desperdício dos recursos naturais e o desrespeito pelas outras espécies são alguns dos problemas tratados na revista.

Como aconteceu nas edições anteriores, a HQ é uma criação minha, com desenhos de Luhan Dias e cores de Cleber Campos. Para esta nova capa, a inspiração foi uma bela foto da própria Terra.

Os exemplares da revista deverão ser distribuídos em escolas, universidades e eventos promocionais.

04/05/2010

O Homem de Ferro nos cinemas (II).


Tendo estreado no Brasil uma semana antes do que nos Estados Unidos, Homem de Ferro 2 traz algumas diferenças notáveis em relação ao primeiro filme. No papel de James Rhodes temos outro ator (Don Cheadle que, apesar de talentoso, não combinou tanto) e embora Pepper Potts tenha uma participação maior (numa atuação apagada de Gwyneth Paltrow), quem rouba a cena é a Viúva Negra (interpretada pela bela Scarlett Johansson). Temos ainda uma presença mais significativa de Nick Fury (com Samuel L. Jackson preparando o terreno para o vindouro filme dos Vingadores), um novo empresário vilão (com o razoável Sam Rockwell) e um novo vilão principal, este saído da Rússia (interpretado por um convincente e um tanto repulsivo Mickey Rourke). Mas a diferença maior está na dinâmica simbólica dos dois filmes.

Em sua segunda aventura cinematográfica, o Homem de Ferro / Tony Stark (Robert Downey Jr.) não enfrenta inimigos inspirados nas manchetes das guerras atuais. Desta vez, a ameaça parece vir de um passado quase mítico, dos tempos da Guerra Fria com suas disputas tecnológicas e armamentistas. E em vez de um enfrentamento aéreo contra aviões da Força Aérea de seu país (como vemos no primeiro filme), o protagonista enfrenta desta vez um esquadrão de robôs criados por uma empresa concorrente. Só por esses fatores, não é difícil perceber que Homem de Ferro 2 é um filme bem mais “domesticado” do que seu antecessor. Afinal, se no primeiro filme o herói executa vários guerrilheiros afegãos, nessa continuação ele só “mata” robôs (não sendo diretamente responsável pela morte do vilão principal).

Obviamente, o sucesso de Homem de Ferro atraiu muita atenção para sua continuação, que passou a ser tratada como um filme para um público mais amplo, no qual o mocinho não poderia sair matando pessoas, ou mesmo se envolvendo em cenas de sexo casual (como acontece no primeiro filme). Embora Tony Stark ainda nos ofereça tiradas espirituosas e trocadilhos sexuais, o máximo que é permitido ao herói desta vez é trocar alguns socos, atirar em robôs e, ao final, dar um comportado beijo de cavaleiro medieval (com direito à armadura). E se domesticaram o super-herói playboy, a verdadeira fera de Homem de Ferro 2 é a sensual e letal Viúva Negra, cuja participação é relativamente pequena, mas que protagoniza a cena de luta mais empolgante das duas horas de filme (e dá-lhe emancipação feminina!).

Homem de Ferro 2 é um bom entretenimento, mas é só isso. As atuações e os efeitos correspondem ao que se espera de uma produção milionária de Hollywood, mas não vão além. Os diálogos são bons, mas o roteiro não é dos mais criativos. E ao contrário de X-Men 2 de Bryan Singer, Homem-Aranha 2 de Sam Raimi e O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, esse segundo filme dirigido por Jon Favreau não conseguiu superar seu antecessor. Faltam o elemento realista e as pequenas ousadias do primeiro. E já que não é surpreendente como Homem de Ferro, essa continuação acaba decepcionando. Assim, aos fãs dos filmes de super-heróis resta aguardar Thor e Capitão América, produções antecipadas em Homem de Ferro 2 pelo aparecimento em cena de um protótipo de escudo e a descoberta de um martelo mítico.

(Se quiser ler outras resenhas e textos sobre filmes e quadrinhos de super-heróis, basta clicar no marcador abaixo.)

02/05/2010

O Homem de Ferro nos cinemas (I).


A partir do ano 2000, com o sucesso de produções como X-Men – O Filme e Homem-Aranha, os estúdios de Hollywood encontraram um novo filão muito prolífico e incrivelmente lucrativo: os filmes de super-heróis. Assim, ao longo desta década, sucederam-se produções milionárias que levaram às telas alguns dos principais heróis da Marvel e DC. E apesar de fiascos como Superman – O Retorno e Demolidor, o gênero prosperou colecionando sucessos e boas sequências, como X-Men 2 e Homem-Aranha 2 (embora a terceira parte dessas “trilogias” tenha decepcionado). Com a atenção do público e da mídia e o apoio dos estúdios, em 2008 esse gênero cinematográfico nos trouxe o excelente O Cavaleiro das Trevas (do qual já falei aqui) e o surpreendente Homem de Ferro, cuja sequência assisti neste feriado de 1° de maio.

Embora eu goste bastante das atuações do Robert Downey Jr. (Chaplin, Assassinos por Natureza), não assisti ao primeiro filme do Homem de Ferro nos cinemas. Depois de produções fraquinhas, como Quarteto Fantástico e Elektra (que assisti na tevê a cabo), eu andava muito desconfiado dos filmes baseados nos heróis da Marvel. Como não sou um grande fã do personagem e os ingressos do cinema já andavam meio caros, preferi deixar para assistir em DVD. Para minha surpresa, descobri que o Homem de Ferro cinematográfico era bem melhor do que eu esperava. A produção é bem cuidada, os efeitos especiais e visuais muito bons, o elenco bem escolhido (a começar pelo protagonista), os diálogos interessantes e a trilha empolgante, tudo com um roteiro que se apropria de forma inteligente de elementos dos quadrinhos.

O filme dirigido por Jon Favreau é surpreendentemente bom, embora traga uma duplicidade em sua estrutura (que acaba sendo uma virtude e não um defeito). Nas primeiras sequências, temos a violência das cenas de guerra e dos guerrilheiros do Afeganistão, contrapostas ao estilo de vida playboy de Tony Stark, com dinheiro, carrões e mulheres à disposição. Até aí, o que temos é o lado mais realista do filme, que lhe dá verossimilhança. Então, entra em cena o lado mais fantasioso de Homem de Ferro, quando Tony Stark, refém numa caverna, dribla a morte e, munido apenas de peças de foguete, constrói um reator energético que funciona sem qualquer fonte externa (!?), além de uma armadura mecanizada a prova de balas e resistente ao fogo. Neste ponto, o filme exige do expectador o máximo da chamada “suspensão da descrença”.

Com a fuga de Tony Stark da caverna (que não é a de Ali Babá, nem a de Bin Laden) e seu retorno ao mundo civilizado (ou seja, ao complexo militar-industrial norte-americano), o filme passa a variar entre seu contexto realista e os acontecimentos fantasiosos. Se de um lado temos a falta de escrúpulos do empresário Obadiah Stane (Jeff Bridges), do outro temos a criação da nova e ultratecnológica armadura, produzida na garagem de Tony Stark (outra caverna mágica). E enquanto a presença do Coronel James Rhodes (Terrence Howard) e da secretária Pepper Potts (Gwyneth Paltrow) trazem um ar humano e familiar (contemplando ainda os públicos negro e feminino), a presença dos robôs sentimentais e a aparição pós-créditos de Nick Fury (encarnado por Samuel L. Jackson) reforçam o aspecto fabuloso da história.

Essa duplicidade entre contexto e ação se expressa nas duas lutas decisivas do filme: a eliminação dos guerrilheiros muçulmanos e o combate contra o vilão Stane em sua armadura maligna. O interessante é que, apesar de distintas (em seu realismo e seu aspecto fantasioso), as duas lutas integram harmonicamente o mesmo filme, o que nos lembra que vivemos num tempo em que as cenas de guerra e os video games sanguinolentos muitas vezes se confundem. Por isso, em sua mistura de crônica e aventura, em sua expressão da cultura e da barbárie de nossos dias, Homem de Ferro é um filme de super-heróis diferenciado e também um ótimo entretenimento. E enquanto possibilita algumas reflexões, essa produção aponta um outro caminho para esse gênero cinematográfico. Caminho este não seguido por sua continuação.

(CONTINUA)