28/02/2010

Dom Casmurro, roteiro (7).


1) Minha mãe era boa criatura. Quando lhe morreu o marido, Pedro de Albuquerque Santiago, contava trinta e um anos de idade, e podia voltar para Itaguaí. Não quis; deixou-se estar na casa de Mata-Cavalos, onde vivera os dois últimos anos de casada.
2) Naquele ano da graça de 1857, D. Maria da Glória Fernandes Santiago contava quarenta e dois anos de idade. Era ainda bonita e moça, mas teimava em esconder os saldos da juventude, por mais que a natureza quisesse preservá-la da ação do tempo.

3) MAS, MANA GLÓRIA, HÁ MESMO NECESSIDADE DE FAZÊ-LO PADRE? SEI QUE VOCÊ FEZ PROMESSA... MAS UMA PROMESSA ASSIM... NÃO SEI... VOCÊ QUE ACHA, PRIMA JUSTINA?
4) EU?

5) VERDADE É QUE CADA UM SABE MELHOR DE SI; DEUS É QUE SABE DE TODOS. CONTUDO, UMA PROMESSA DE TANTOS ANOS...
6) MAS, QUE É ISSO, MANA GLÓRIA? ESTÁ CHORANDO?

27/02/2010

Dom Casmurro, roteiro (6).


1) MAS, SR. JOSÉ DIAS, TENHO VISTO OS PEQUENOS BRINCANDO, E NUNCA VI NADA QUE FAÇA DESCONFIAR. BASTA A IDADE; BENTINHO MAL TEM QUINZE ANOS. CAPITU FEZ QUATORZE À SEMANA PASSADA; SÃO DOIS CRIANÇOLAS.

2) MANO COSME, VOCÊ QUE ACHA?
3) ORA!
4) Tio Cosme vivia com minha mãe, desde que ela enviuvou. Já então era viúvo, como prima Justina; era a casa dos três viúvos.

5) SIM, CREIO QUE O SENHOR ESTÁ ENGANADO. EM TODO CASO, VAI SENDO TEMPO; VOU TRATAR DE METÊ-LO NO SEMINÁRIO QUANTO ANTES.
6) Os projetos vinham do tempo em que fui concebido.

7) Tendo-lhe nascido morto o primeiro filho, minha mãe pegou-se com Deus para que o segundo vingasse, prometendo, se fosse varão, metê-lo na igreja.
8) Viúva, sentiu o terror de separar-se de mim; mas era tão devota, que buscou testemunhas da obrigação, confiando a promessa a parentes e familiares.

26/02/2010

Dom Casmurro, roteiro (5).


PARTE 3: A DENÚNCIA

1) Ia a entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome. A casa era a da Rua de Mata-Cavalos, o ano era de 1857.
2) D. GLÓRIA, A SENHORA PERSISTE NA IDEIA DE METER O NOSSO BENTINHO NO SEMINÁRIO?
3) É MAIS QUE TEMPO, E JÁ AGORA PODE HAVER UMA DIFICULDADE.

4) QUE DIFICULDADE?
5) UMA GRANDE DIFICULDADE.

6) A GENTE DO PÁDUA?

7) NÃO ME PARECE BONITO QUE O NOSSO BENTINHO ANDE METIDO NOS CANTOS COM A FILHA DO TARTARUGA, E ESTA É A DIFICULDADE, PORQUE SE ELES PEGAM DE NAMORO, A SENHORA TERÁ MUITO QUE LUTAR PARA SEPARÁ-LOS.
8) METIDOS NOS CANTOS?
9) É UM MODO DE FALAR. EM SEGREDINHOS, SEMPRE JUNTOS.
10) BENTINHO QUASE NÃO SAI DE LÁ. A PEQUENA É UMA DESMIOLADA.

25/02/2010

Dom Casmurro, roteiro (4).


1) Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos.
2) Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos.

3) Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal.
4) Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me também.

5) Quis variar, e lembrou-me escrever um livro. Pensei em fazer uma História dos Subúrbios.
6) Era obra modesta, mas exigia documentos e datas, como preliminares, tudo árido e longo.

7) Vou então deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de maior tomo.
8) Comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu.

24/02/2010

Dom Casmurro, roteiro (3).


PARTE 2: DO LIVRO

1) Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito.
2) Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Mata-Cavalos.

3) Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as mesmas alcovas e salas.
4) O mais é também análogo e parecido.

5) O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui.
6) Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo...

7) ...e esta lacuna é tudo.

23/02/2010

Dom Casmurro, roteiro (2).


1) No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me:
2) DOM CASMURRO

3) Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou.

4) Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo.

5) Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo.
6) Tudo por estar cochilando!

7) Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo.
8) Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro.

22/02/2010

Dom Casmurro, roteiro (1).


PARTE 1: DO TÍTULO

1) Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu.

2) Falou da Lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus.

3) Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes.
4) Tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

5) CONTINUE.
6) JÁ ACABEI.
7) SÃO MUITO BONITOS.

8) Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado.

21/02/2010

Machado de Assis em quadrinhos.


Como já foi amplamente divulgado, o desenhista J.B. Melado e eu estamos finalizando uma adaptação da obra-prima de Machado de Assis Memórias Póstumas de Brás Cubas. O álbum deverá ser lançado ainda este ano pelo selo Desiderata da editora Agir do grupo Ediouro. Enquanto a publicação não chega, várias informações sobre esse trabalho já podem ser vistas aqui no Mais Quadrinhos, incluindo as páginas iniciais de meu roteiro desenhado e uma das páginas finalizadas do álbum (para ter acesso a essas informações, basta clicar no marcador MEMÓRIAS PÓSTUMAS abaixo).

Mas as novidades não param por aí!

Entre agosto e setembro de 2009, enquanto eu acompanhava o trabalho do Melado, produzi uma nova adaptação machadiana para os quadrinhos. Desta vez, a obra adaptada foi Dom Casmurro. Com a roteirização já pronta, a HQ ainda não tem uma editora definida, mas todos poderão começar a conferir um pouco deste trabalho aqui no Mais Quadrinhos. Nos parágrafos a seguir, reproduzo minha proposta de adaptação do clássico machadiano (como apresentei às editoras) e nas próximas postagens vocês poderão conferir as doze primeiras páginas de meu roteiro desenhado (o traço, é claro, não é o que será publicado no álbum futuramente, pois se trata de uma roteirização ilustrada).

Publicado em 1899, Dom Casmurro é considerado por muitos a obra-prima de Machado de Assis. Narrado por seu personagem-título, o livro é uma brilhante exposição da psicologia humana e também o retrato de uma das mais completas personagens literárias já criadas: a bela Capitu dos “olhos de cigana obliqua e dissimulada”, dos “olhos de ressaca”. Já o Bentinho / Dom Casmurro revela-se ao contar-nos sua história, na figura de alguém que busca compartilhar suas dúvidas e confessar seus arrependimentos.

Dom Casmurro é um livro de pares e contrastes. Há, antes de tudo, o contraste entre o momento em que se narra e o passado que é narrado. E há, sobretudo, o par formado por Bentinho e Capitu, personagens que se complementam e vêm a si mesmos como imagens espelhadas, revelando-se portanto dois opostos. Nascem daí as muitas dubiedades que comporão o texto machadiano: Bentinho seminarista, mas enamorado de Capitu; Capitu enamorada de Bentinho, mas também interessada numa melhor condição social.

Essas dubiedades iniciais acumulam-se ao longo da obra, dando espaço a outras, como as trazidas por Escobar, o amigo de Bentinho que parece guardar interesses além da amizade sincera por este. Do encontro dessas três personagens emerge a questão pela qual o livro tornou-se mais célebre: teria Capitu traído Bentinho? Logo, seria Ezequiel fruto da traição de Capitu com Escobar? Nesta última dúvida, expressa-se mais um espelhamento, já que o menino Ezequiel parece, ao menos aos olhos de Bentinho, o reflexo do falecido amigo Escobar.

Minha proposta de adaptação de Dom Casmurro para os quadrinhos parte dos pontos indicados acima. Com o texto já pronto, a HQ terá 78 páginas, sendo dividida em 24 Partes, todas com um número par de páginas (2, 4 ou 6). Nestas, a diagramação e a composição refletirá os temas apontados acima, como o motivo dos olhos, os espelhamentos, as dubiedades e a narrativa reflexiva do Bentinho / Dom Casmurro. Além disso, a oposição entre o momento em que se narra e o passado narrado será expressa visualmente por meio de dois estilos de desenho diferentes.


Confiram nas próximas postagens as doze primeiras páginas de meu roteiro desenhado para a versão quadrinística desta obra-prima de nossa literatura.

19/02/2010

Memórias Póstumas de Brás Cubas (cor).


Nesta terceira postagem com a prévia de nossa adaptação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, temos a mesma página de “Um Encontro” já com as cores aplicadas. Na detalhada colorização produzida por Melado, temos uma página com ainda mais vida e bem num clima “Século 19”.

Mal posso esperar para ver o álbum todo pronto e impresso!

(Para quem não acompanhou as primeiras postagens sobre minha adaptação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, basta clicar no marcador abaixo.)

18/02/2010

Memórias Póstumas de Brás Cubas (arte-final).


Nesta segunda postagem, temos a página anterior em sua versão arte-finalizada. Ela deve dar a todos uma amostra do trabalho primoroso que Melado está fazendo nesta adaptação. Ela vem da parte intitulada “Um Encontro” e mostra exatamente o inesperado encontro do protagonista Brás Cubas com seu colega de colégio Quincas Borba. Faltam ainda as cores e o texto, mas o que temos aqui já dá um gostinho de como será esta nossa adaptação machadiana.

17/02/2010

Memórias Póstumas de Brás Cubas (lápis).


Em agosto de 2009, fiz aqui no blog a primeira divulgação de minha adaptação para os quadrinhos da obra-prima de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Comecei por um texto de apresentação de minha versão quadrinística do texto machadiano, dei prosseguimento com a reprodução das primeiras doze páginas de meu roteiro desenhado e concluí com um texto falando do genial desenhista e amigo J. B. Melado, meu parceiro nesta aventura literário-quadrinística.

O trabalho de Melado está agora na fase final e o álbum deverá ser publicado neste ano pelo selo Desiderata da editora Agir do grupo Ediouro. Enquanto ele não vem, para matar um pouquinho da curiosidade, estou postando aqui uma das páginas no desenho de Melado, primeiro no lápis.