28/12/2008

A capital brasileira dos quadrinhos.


Por mais objetivo que se queira ser, toda história é narrada de um ponto de vista, constituindo uma versão dos acontecimentos. Assim, este texto constitui-se como um relato subjetivo, baseado em memórias e documentação do próprio autor. A história que aqui conto se passa na década de 1990, quando uma verdadeira “cena quadrinística” tomou forma e se desenvolveu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Talvez para alguém que não tenha vivido aquele momento possa parecer exagero, mas como escrevi numa matéria de jornal na época, entre 1995 e 1998, BH foi a capital brasileira dos quadrinhos.

Tudo começou no início daquela década. Fanzines em xérox, aspirantes a quadrinista e os mais diversificados projetos surgiam a cada dia. Na onda de um mercado de quadrinhos em crescimento e relativo amadurecimento, várias lojas especializadas se sucederam: Livro Arbítrio, Valer, Mandarim, Gibis & Afins. Numa escola da periferia de BH, teve lugar a exposição de um grupo de desenhistas auto-intitulados os “Mutanóides Associados”. No antigo prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, o italiano Piero Bagnariol ministrava um curso de quadrinhos. O mesmo Piero, que trocou as ondas do Mediterrâneo pelas montanhas de Minas, logo estrearia o programa BOOM!, veiculado por um dos primeiros canais a cabo locais.

O burburinho em torno dos quadrinhos começava a ser notado. Em 1994, a livraria Leitura Savassi assumiu o papel de principal loja especializada da cidade. No ano seguinte, uma ampliação de sua seção Quadrinhos/RPG foi montada na Leitura Amazonas. Para inaugurar o espaço, em maio de 1995, fui convidado para ser um dos organizadores da BHQ (Primeira Convenção de Quadrinhos de Belo Horizonte). Na noite de abertura, uma verdadeira multidão de fãs de quadrinhos superlotou o espaço em busca de lançamentos importados e raridades do mercado nacional. A programação durou uma semana e contou com vídeos, palestras, debates e oficinas. O evento foi um sucesso e teria uma segunda edição no ano seguinte.

Ainda em 1995, estreei uma página semanal com crítica de quadrinhos no jornal Hoje em Dia. No ano seguinte, quando fui convidado para levar meus textos sobre quadrinhos para o jornal O Tempo (lançado em novembro de 1996), a página sobre quadrinhos do Hoje em Dia foi mantida a cargo de Paulo Dias e Gustavo Marcarenhas. Na mesma época, o jornalista Marcelo Castilho Avelar já escrevia uma seção de críticas de HQs para o Estado de Minas (sendo a única mantida, de forma esporádica, até hoje). Também entre 1995 e 1996, foi minha vez de levar os quadrinhos para a telinha, quando produzi o quadro “Quadrinhos & Afins” para o programa Agenda da Rede Minas de Televisão. Lojas especializadas, convenções, páginas de jornal, matérias na tevê... Isso já faria de 1995 um ano singular. Mas teve mais!

Primeiro a Legenda, revista do Núcleo de Quadrinhos da Universidade Estadual de Minas Gerais. Em seguida, a experimental e inovadora Graffiti - 76% Quadrinhos, capitaneada por Piero Bagnariol e Marcos Malafaia. E enquanto eu produzia as edições do fanzine Ideário, consegui a aprovação pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura para os sete números da revista Solar, lançada em 1996. A ela se seguiriam as sete edições da Caliban, lançadas entre 1997 e 1998, também com o apoio da Lei de Incentivo. Essas e outras publicações, além de toda a movimentação em torno dos quadrinhos, acabaram dando origem ao Estúdio HQ. Chegando a reunir algumas dezenas de pessoas, a associação tinha uma sede própria, atuando na organização de festas de lançamento, distribuição das publicações e como espaço de confluência para pessoas interessadas em criar e publicar quadrinhos.

Pode-se dizer que um dos efeitos indiretos daquela cena quadrinística dos anos 90 foi a realização em BH da 3ª Bienal Internacional de Quadrinhos. Afinal, foram a efervescência criativa e a repercussão midiática de nosso movimento de quadrinhos que associaram fortemente o nome da cidade a essa arte. Assim, quando surgiu a proposta para que BH sediasse a Bienal, já estava disseminada a idéia de que os quadrinhos eram parte importante de sua vida cultural. Integrando as comemorações pelo centenário da capital, o evento aconteceu em outubro de 1997. Com uma estrutura admirável, que incluía diversos espaços culturais, a 3ª Bienal teve como ponto alto as fantásticas exposições de artistas franceses, belgas, italianos, norte-americanos e brasileiros.

O evento contou ainda com um concurso, palestras, debates e a presença de convidados ilustres. O fato é que, num rápido passeio pelos corredores das exposições na Serraria Souza Pinto, podia-se passar das páginas de Henfil às de David Mazzuchelli, das pinturas realistas de um Schultein ao traço cartunístico de Ziraldo. E também não era difícil encontrar-se frente a frente com figuras consagradas, como Angeli, Bryan Talbot, Jô Oliveira, Lourenço Mutarelli e Paolo Serpieri. Isso sem falar no grande homenageado da festa, o amável e genial Will Eisner (não perdi, é claro, a oportunidade de fazer entrevistas com esses convidados da Bienal, as quais você pode conferir aqui no blog).

No ano seguinte, incentivado pelo sucesso da Bienal, o movimento de quadrinhos em BH ganhou força total! Novas edições de revistas (como os últimos números da Caliban), o surgimento de jovens quadrinistas (como Cleuber da tira Arroz Integral), o retorno de veteranos (como Lacarmélio da revista Celton) e o reconhecimento dos talentos locais (como Guga, Irrthum e Chantal) fizeram de 1998 um ano especial para todos que estiveram envolvidos. O coroamento disso tudo veio com a 3ª BHQ, organizada pelo Estúdio HQ, com financiamento da Leitura Savassi e participação do recém-fundado Estúdio Big Jack (que se tornaria um dos principais produtores de quadrinhos e animações publicitárias da cidade).

Aquela convenção foi, no entanto, uma espécie de “canto do cisne” de nosso movimento de quadrinhos. O ano de 1999 trouxe dispersão de participantes e iniciativas que não se concretizaram. Para completar, a realização do primeiro FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) teve, para muitos de nós, o efeito de um “balde de água fria”. O fato é que a organização do evento não teve a devida participação dos produtores locais, funcionando como um desestímulo para nosso trabalho. Mas, seja pelos motivos que forem, o movimento de quadrinhos de BH já não tinha a força dos anos de 1995 a 1998. Para aqueles que participaram, porém, ficou certamente a memória de uma época única, em que BH foi a capital brasileira dos quadrinhos.

25/12/2008

1993, um ano ímpar!


1993, que ano para os quadrinhos! Um furacão chamado Image Comics virava de cabeça para baixo o mercado norte-americano, varrendo antigos tabus editoriais e abalando as estruturas das gigantes Marvel e DC Comics. Em seu segundo ano de atividades, a editora de Spawn, Wild C.A.T.s e Youngblood alcançava vendas astronômicas e abria espaço para criações mais interessantes, como a série The Maxx de Sam Kieth e a minissérie 1963 escrita por Alan Moore.

E as lições mercadológicas dadas por Todd McFarlane, Jim Lee, Rob Liefeld & Cia. não passaram despercebidas. Afinal, por que criar personagens para as grandes editoras, quando se pode trabalhar em cooperativa e manter os direitos autorais sobre suas criações? Foi seguindo essa idéia que surgiram Sin City, Hellboy e Madman, entre outras séries produzidas por Frank Miller, Mike Mignola, Michael Allred e mais alguns medalhões do mercado, que se uniram para criar o selo Legend, com HQs editadas pela Dark Horse Comics.

É claro que o ano de 1993 não teria sido o mesmo sem outro selo editorial: o Vertigo. Inspirados pelo sucesso comercial e pela aclamação crítica da série The Sandman, os executivos da DC Comics viram uma ótima oportunidade para uma nova linha de “quadrinhos adultos”. Capitaneada pela editora Karen Berger, tendo como fundamento as inovações trazidas nos anos 80 pelo inglês Alan Moore e espelhando-se nas concepções criativas do também inglês Neil Gaiman, o selo Vertigo contribuiu para reforçar a idéia de que os quadrinhos não são apenas “coisa de criança”.

Enquanto isso, no Brasil, ainda se faziam sentir as ondas da “revolução das graphic novels” da segunda metade dos anos 80. Mas, se as Bienais do Rio trouxeram a nossas praias grandes nomes dos quadrinhos internacionais, o mercado nacional continuava uma realidade distante para a maioria dos quadrinistas brasileiros. Exceto pelas revistas produzidas pelos Estúdios Maurício de Sousa e por algumas experiências esporádicas, encontrar publicações com personagens nacionais era algo raro (e as coisas não mudaram muito nos últimos quinze anos). Sem um espaço garantido no mercado, os quadrinistas brasileiros tiveram que inventar seu próprio caminho.

Em 1993, uma das trilhas mais usadas era o circuito dos fanzines e edições alternativas. Foi em março daquele ano que lancei minha primeira publicação: um fanzine em xérox e formato ofício, com quadrinhos e matérias, feito em parceria com o desenhista Erick Azevedo. Era o artesanal Replicantes, que teve apenas dois números, o primeiro em março daquele ano e o segundo em junho do ano seguinte. Apesar de suas limitações e até mesmo precariedade, essa primeira experiência editorial despertou em mim o gosto por publicar meus quadrinhos (o que eu voltaria a fazer em 1995 com o fanzine Ideário e nos anos seguintes com as revistas Solar e Caliban).

Em 1993, porém, já havia autores independentes publicando suas HQs não mais em xérox e sim com impressão gráfica profissional e na forma de revistas. Um grupo desses autores, no Rio de Janeiro, chegou a formar a “Frente das Revistas Independentes”. Entre as publicações que faziam parte da FRI, destacava-se a antologia Grimoire. Lançada em novembro daquele ano, editada por Thais Linhares e Bernard, a revista trazia quatro histórias de fantasia com ótimos desenhos, além de uma introdução, biografias dos autores e uma matéria sobre os quadrinhos de Neil Gaiman (tudo impresso com papel de qualidade, capa em duas cores e miolo em P&B).

Descobri a Grimore já em 1994, numa bancada de revistas nacionais e importadas que o gerente Carlos e o responsável pelos quadrinhos Evandro mantinham na entrada da livraria Leitura Savassi (em Belo Horizonte, MG). Naquele dia não sei se cheguei a comprar algum exemplar do Sandman da editora Globo ou de Books of Magic da DC/Vertigo (revistas que eu colecionava época). O que sei com certeza é que não deixei passar um exemplar de Grimoire, que é hoje um dos tesouros de minha coleção (e cuja capa, é claro, ilustra esta postagem). Na época, essa bela revista independente mostrou a mim e a outros aspirantes a editor que era possível produzir e publicar nossos quadrinhos com qualidade profissional.

A verdade é que éramos pura empolgação e paixão pelos quadrinhos e à nossa frente só víamos possibilidades abertas. Talvez tudo isso fosse um pouco de ilusão juvenil, estimulada pela agitação e pelas novidades de 1993, um ano certamente ímpar!

21/12/2008

Sandman e outras edições da Pixel.


Para quem curte séries de quadrinhos com temática mais adulta, a melhor pedida nos últimos tempos têm sido os lançamentos da Pixel. Após uma reestruturação administrativa no início deste semestre, a editora que faz parte do grupo Ediouro deixou de lado os álbuns europeus e as HQs nacionais, concentrando-se nas séries norte-americanas dos selos Wildstorm e Vertigo. Além das revistas periódicas Pixel Magazine e Fábulas Pixel, a editora tem levado às bancas e livrarias coletâneas com quadrinhos consagrados e encadernados que reúnem os exemplares não-vendidos de seus especiais.

Está à venda desde novembro Sandman: Prelúdios & Noturnos - Volume1 (144 páginas, formato reduzido 17cm x 24cm, capa cartonada com impressão especial e orelhas, vendido por R$29,90). A coletânea traz os quatro primeiros capítulos da série recolorizados, mostrando a captura de Morpheus por um grupo ocultista inglês, sua fuga e seus primeiros movimentos para recuperar os poderes e colocar ordem de novo em seu reino. As HQs são desenhadas por Sam Kieth e Mike Drindenberg, num estilo sombrio com elementos cartunizados que cria um clima ideal para as histórias, lembrando as clássicas antologias de terror (como a Tales from the Crypt da EC Comics ou as revistas da própria DC, das quais Gaiman resgatou coadjuvantes como Caim e Abel ou as Três Bruxas).

A edição traz ainda a “Proposta para Sandman”, publicada pela DC em The Absolute Sandman Volume1 e inédita até agora no Brasil. O extenso texto, acompanhado de estudos para o visual do Mestre dos Sonhos (incluindo esboços feitos pelo próprio Gaiman), é verdadeiramente um atrativo à parte nessa reedição. Além disso, inteligentemente, os editores brasileiros decidiram incorporar à sua coleção os conteúdos do livro Capas na Areia (as ilustrações das capas e os comentários de Gaiman e McKean), fechando essa primeira coletânea da Pixel uma seção de notas explicativas. E ao que tudo indica esse primeiro volume teve uma ótima vendagem, pois a editora decidiu antecipar o lançamento da parte final da primeira história do Mestre dos Sonhos.

Já está nas livrarias Sandman: Prelúdios & Noturnos - Volume2 (132 páginas, também em formato reduzido 17cm x 24cm, capa cartonada com impressão especial e orelhas, ao preço de R$29,90). Essa segunda coletânea da Pixel traz as quatro últimas partes da história, concluindo com a estréia da irmã mais velha do Mestre dos Sonhos, a Morte. Na parte dos extras, mais páginas extraídas do livro Capas na Areia, incluindo a HQ curta de Gaiman e McKean “A Última História de Sandman”. Completam este segundo volume uma introdução escrita pelo editor Leandro Luigi Del Mantlo, o responsável pelo lançamento de The Sandman no Brasil nos anos 80. Para quem ainda não escolheu o presente de Natal, Sandman: Prelúdios & Noturnos - Volume1 e 2 pode ser uma ótima pedida!

Outro lançamento para os fãs dos quadrinhos adultos da DC Comics é 100 Balas - Segundas Chances (128 páginas, formato 16,5cm x 25,5cm, vendido por R$16,90). Este segundo encadernado da série reúne dois especiais da Pixel, correspondendo aos números 6 a 11 da revista original. Com roteiro de Brian Azzarello e desenhos de Eduardo Risso, as HQs misturam tramas criminais, dramas cotidianos e alguns tiros, um pouquinho de sexo e muito sangue. Já Como Matar um Wildcat - Completo (160 páginas, formato 16,5cm x 25,5cm, vendido por R$16,90) reúne as edições 7 a 12 da segunda fase da revista norte-americana, além de uma HQ curta da Wild C.A.T.s n°50 (que encerrou a primeira fase da revista original).

Como Matar um Wildcat - Completo tem tudo para agradar aos fãs da série, trazendo bastante ação, super-heróis violentos, ciborgues e alienígenas, com destaque para as páginas desenhadas por Sean Phillips. O mesmo deve acontecer com Authority: Transferência de Poder - Completo (200 páginas, formato 16,5cm x 25,5cm, ao preço de R$19,90) que reúne as duas edições da minissérie. Com HQs publicadas nos números 22 a 29 da revista original, a edição tem como destaque os detalhados desenhos de Frank Quitely, com o tipo de ação e os personagens que consagraram a série da Wildstorm. À venda em bancas e livrarias, os três encadernados da Pixel são uma segunda chance para quem deixou passar as revistas em separado ou para quem quiser conhecer essas séries de sucesso.

Recentemente, no entanto, o editor Cassius Medauar anunciou no blog da Pixel sua saída da editora. A notícia causou descontentamento e muitas especulações entre os leitores, deixando uma dúvida sobre o futuro do projeto iniciado em 2006 e a continuação da publicação das séries e coleções em andamento.

18/12/2008

Novas edições das revistas periódicas da Pixel.


A indústria de quadrinhos passou por transformações nos últimos anos, tanto no que diz respeito ao mercado de revistas, quanto em termos da produção em si. Uma maior ligação com outras mídias (como cinema, televisão e internet) tem sido uma estratégia de sobrevivência para as grandes editoras norte-americanas, acompanhada de um direcionamento das HQs para o formato livro (em graphic novels e coletâneas das séries de sucesso). Nesse momento de “convergência midiática”, se por um lado temos filmes do cinema e séries da tevê que copiam ou adaptam elementos dos quadrinhos, por outro temos HQs que parecem seguir temáticas e recursos narrativos tirados de outras mídias. Um bom exemplo disso são os capítulos das séries Y - O último homem, Frequência Global, Hellblazer e Ex Machina, publicados nos números 19 e 20 da Pixel Magazine.

Destaque na edição de outubro, com as capas e duas HQs, e iniciando um novo volume na edição de novembro, Y - O último homem mantém a condição de melhor série da antologia mensal da Pixel atualmente. A história mostra um mundo no qual todos os machos mamíferos morreram misteriosamente, só sobrevivendo o jovem Yorick e seu macaquinho Ampersand. Em meio a hordas de feministas assassinas, disputas políticas e uma trama conspiratória, a dupla de sobreviventes inicia uma viagem em busca de respostas, na companhia de uma agente especial e de uma geneticista que pode ter a chave para solucionar o mistério. Criada pelo roteirista Brian V. Vaughan e pela desenhista Pia Guerra, a série teve seu primeiro volume (“Rumo à Extinção”) publicado na Pixel Magazine n°s 16 a 19, iniciando na número 20 uma suposta nova fase (“Ciclos”).

Essa divisão, no entanto, não é muito evidente na história em si, parecendo muito mais uma questão motivada por formatos editorais, já que as séries da Vertigo costumam ser pensadas visando à republicação em coletâneas (os trade paperbacks norte-americanos). Independentemente disso, Y - O último homem é uma história interessante, com uma ou outra provocação política, uma trama instigante e desenhos bastante adequados e agradáveis. Tudo somado, a série (que é escrita por um dos roteiristas de Lost) tem o clima de um seriado de tevê. Essa mesma sensação ocorre ao lermos o capítulo de Frequência Global publicado na Pixel Magazine n°19, com roteiro de Warren Ellis e desenhos de Roy Allan Martinez. Nele, os agentes secretos coordenados por Aleph têm que deter um grupo de terroristas suicidas: violência e sarcasmo incluídos.

Já no capítulo publicado na Pixel Magazine n°20, Warren Ellis pega mais leve, apresentando uma trama mais inteligente (embora os desenhos de Steve Dillon deixem a desejar). Em resumo, uma versão alternativa para uma invasão alienígena (que poderia ter inspirado um bom episódio de Arquivo-X) que acaba solucionada de forma um tanto óbvia. A mesma edição traz também a estréia na revista de Ex Machina, outra série escrita por Brian K. Vaughan, que mistura política e elementos de ficção científica, numa ambientação cotidiana. Mostrando ação e super-heróis tecnológicos em contraposição a sequências mais prosaicas, os desenhos de Tony Harris com arte-final de Tom Fleister e cores de J.D. Mettler oferecem uma ambientação perfeita. Para completar as duas edições, os primeiros capítulos de uma nova história de Hellblazer.

Nas partes 1 e 2 de “Congelado”, John Constantine continua sua perambulação pelos Estados Unidos, desta vez indo parar num bar, no meio de uma tempestade de neve. No roteiro escrito por Brian Azzarello, com desenhos de Marcelo Fruzin, personagens locais e uma suposta lenda local são o pano de fundo para uma trama que envolve crime e bebidas (como tradicionalmente vemos nos trabalhos daquele roteirista). Não exatamente uma história de Constantine, esse mistério abaixo de zero mais parece um filme ou episódio de tevê adaptado das histórias de Stephen King. E embora se enquadre na estética da “convergência midiática” de que falei no início deste texto, os capítulos de Hellblazer na verdade parecem um tanto deslocados, em meio às tramas conspiratórias e às temáticas de ficção científica que têm predominado na Pixel Magazine.

Talvez o ideal fosse que as histórias de Constantine passassem a ser publicadas na Fábulas Pixel. E por falar nessa outra revista periódica da Pixel, sua edição de outubro deu destaque a Astro City (trazendo a continuação do “Guia do Visitante” e uma história inédita de Jack-in-the-Box). A seguir, temos o quinto capítulo de Fábulas: A Marcha dos Soldados de Madeira e mais uma parte da série Sandman Apresenta: As Fúrias, fechando com uma história curta de Cobweb. No geral, as HQs dessa terceira edição da antologia bimestral da Pixel baseiam-se em elementos dos próprios quadrinhos, da literatura e até da mitologia, sendo não muito inovadoras. Mas nada que se compare, é claro, à mais recente edição da Spawn.

Esse n°178 traz um roteiro que copia o recurso narrativo de uma história do Monstro do Pântano de Alan Moore, além de desenhos ruins de doer (que fazem até mesmo as edições desenhadas por Todd McFarlane parecerem aceitáveis). Fechando a revista, a volta da seção de cartas e a continuação da “Mitologia de Spawn”, que narra a trajetória fictícia do personagem ao longo das eras. Para quem se interessar, Spawn n°178 tem 32 páginas em formato 17cm x 26cm, custando R$5,90. Melhor investimento mesmo são as edições de Pixel Magazine e Fábulas Pixel que têm 100 páginas no mesmo formato 17cm x 26cm, custando R$10,90 (e trazendo quadrinhos de qualidade bem superior). Ainda neste mês de dezembro, devem chegar às bancas a Pixel Magazine n°21 e a Fábulas Pixel n°4 (que podem ser as últimas edições dessas revistas).

15/12/2008

30 anos de um filme clássico do Super-Homem.


Há exatos trinta anos, no dia 15 de dezembro de 1978, estreava nos Estados Unidos Superman - The Movie, uma das melhores transposições de personagens dos quadrinhos para a telona. Se não me engano, naquela época os lançamentos de Hollywood demoravam alguns meses para chegar aos cinemas brasileiros. Assim, o primeiro longa-metragem do Filho de Krypton, protagonizado por Christopher Reeve, deve ter estreado por aqui apenas em 1979. O que sei na certa é que aquele foi o primeiro filme ao qual assisti no cinema, numa sessão no tradicional Cine Brasil do Centro de Belo Horizonte. A verdade é que nunca fui um grande fã do Super-Homem nos quadrinhos, mas jamais esqueci a experiência de ir assistir a Superman - O Filme!

Um projeto dos produtores europeus Alexander e Ilya Salkind, o filme baseado no primeiro e mais famoso dos super-heróis começou a surgir em 1974. Em associação com o produtor Pierre Splenger, os Salkind compraram da DC/Warner os direitos de adaptação, contratando o roteirista Mario Puzo (o mesmo da série O Poderoso Chefão) para transformar a história do personagem criado por Jerry Siegel e Joe Shuster num roteiro para o cinema. Para somar credibilidade ao projeto, os produtores contrataram, por um cachê milionário, o cultuado ator Marlon Brando, que interpretaria o papel de Jor-El (e cujo nome ajudou a atrair pessoas e financiamento para o filme). Depois de cogitarem diferentes diretores, os produtores acabaram se decidindo por Richard Donner (o mesmo da série Máquina Mortífera), que trouxe uma visão mais séria e respeitosa para a adaptação.

Donner convidou então o amigo Tom Mankiewicz para reescrever o roteiro inicial, que acabou sendo dividido em dois filmes, a serem rodados simultaneamente. Enquanto o projeto tomava forma, o ator Gene Hackman foi contratado para interpretar o papel de Lex Luthor. Mas faltava, é claro, um nome para interpretar o protagonista. Muitos testes foram feitos até finalmente ser escolhido o jovem e desconhecido Christopher Reeve, que (embora tivesse que pintar o cabelo de preto) foi perfeito ao encarnar o papel de Super-Homem/ Clark Kent. E para interpretar Lois Lane, foi escolhida a também pouco conhecida Margot Kidder. Completava o elenco uma mistura de veteranos e iniciantes, como Glenn Ford e Marc McClure (Jonathan Kent e Jimmy Olsen respectivamente). Fantásticos cenários e ótimos figurinos foram confeccionados, deixando tudo pronto para o início das filmagens.

Desde o início, porém, as coisas não correram da forma mais tranquila. Atrasos nas filmagens e problemas envolvendo o orçamento da produção tornaram tensa a relação entre o diretor e os produtores. Apesar disso, Superman - O Filme trouxe avanços na área dos efeitos especiais (que lhe renderiam um Oscar), com destaque para as cenas de vôo do Homem de Aço. Por isso mesmo, além do símbolo “S” e dos nomes dos medalhões Brando e Hackman, a campanha publicitária do longa se concentrava na frase: “Você vai acreditar que um homem pode voar”. Aproveitando os avanços técnicos da época e evitando erros de outras adaptações de quadrinhos, Donner conseguiu conciliar realismo e fantasia, tendo como parâmetro a verossimilhança. Uma última peça a ser somada foi a triunfal (e triunfante) trilha sonora de John Williams, com as fanfarras de sua inesquecível música-tema.

Segundo o próprio diretor, Superman - O Filme divide-se em “três atos”, correspondentes a três cenários (e visuais) principais: Krypton (esotérico), Smallville (nostálgico) e Metropolis (moderno). O primeiro ato começa com o julgamento do General Zod e seus comparsas (sequência que estabelece uma ligação direta com Superman II), concluindo com a fuga do bebê Kal-El do condenado planeta Krypton. O segundo inicia-se com a chegada da criança das estrelas, mostrando momentos da juventude de Clark Kent (interpretado por Jeff East) e culminando no primeiro vôo do Super-Homem (a partir daí interpretado por Reeve). O terceiro ato inicia-se com a chegada de Clark Kent a Metropolis, podendo na verdade ser dividido em duas partes, sendo que a primeira se encerraria com a sequência no apartamento de Lois Lane, quando ela entrevista e voa com o Super-Homem, depois saindo para jantar com seu alter ego.

A partir daí, o filme se concentra no plano maligno de Lex Luthor e em seu antagonismo com o Super-Homem. Mas essa parte final é também a que traz mais inconsistências, que prejudicam a verossimilhança que tanto beneficiou a primeira hora e meia de filme. Por fim, há a sequência em que o Homem de Aço voa em torno da Terra para fazer o tempo retroceder (!?) e salvar a vida de sua amada (uma cena inverossímil, que pelo menos rendeu a bela canção de Gilberto Gil que traz a estrofe: “Quem sabe / o Superhomem venha nos restituir a glória / mudando como um deus o curso da história / por causa da mulher”). Se relevarmos os atropelos do final, Superman - O Filme guarda momentos memoráveis, como o pequeno Kal-El levantando a caminhonete, as sequências do helicóptero e do trem, o vôo romântico de Super-Homem e Lois Lane, as trapalhadas de Clark Kent e os diálogos de Luthor, Otis e a Srta. Teschmacher.

Depois da estréia e com o retumbante sucesso, os produtores despediram Richard Donner, que não concluiu as filmagens de Superman II. Com o diretor substituto, o segundo filme não teve a mesma qualidade e “aura” do primeiro (nem falemos do terceiro e quarto produzidos nos anos 80). De qualquer forma, Superman - O Filme já tinha projetado Christopher Reeve como o intérprete definitivo do Filho de Krypton (Dean Cain, Tom Welling e Brandon Routh nem mereciam ser citados neste texto). O filme em si marcou época, estabelecendo um novo padrão para as produções cinematográficas com personagens das HQs (modelo seguido por Tim Burton nos filmes do Batman de 1989 e 1992, bem como por Bryan Singer nos dos X-Men de 2000 e 2003). Sobretudo, respeitando os quadrinhos e conciliando ação, romance e humor, o filme de 1978 resiste à prova do tempo, merecendo o título de “clássico”.

(Superman - O Filme e suas sequências estão disponíveis no Brasil em DVDs repletos de extras, dos quais tirei algumas das informações contidas nesta postagem.)

10/12/2008

A arte da coerência: uma entrevista com Dave Gibbons, parte3.


Parte final de nossa entrevista e Dave Gibbons fala um pouco mais sobre Watchmen, explica tudo sobre seu novo livro, diz o que pensa da adaptação para o cinema e também quais são seus novos e futuros projetos.

Wellington Srbek: Eu uso a analogia de Watchmen ser semelhante a um relógio suíço: um construto de centenas e centenas de pequeninas peças que se juntam para formar uma maquinaria funcional. Há também a analogia de Watchmen ser semelhante a uma sinfonia: uma estrutura complexa, composta por diversos movimentos com muitos ecos e simetrias. As duas analogias nos dão a idéia de “um todo que é mais do que a soma de suas partes”. Mas, para o senhor, o que Watchmen representa?

Dave Gibbons: Sim, eu creio que, você sabe, no próprio livro nós fizemos analogias ao mecanismo do relógio (a forma do palácio do Doutor Manhattan é como os mecanismos internos de um relógio). Dito isto, eu sempre considerei a abordagem de Alan para a escrita um pouco tipo a abordagem de Mozart para a música, você sabe, ele vê a coisa toda em sua cabeça, ele tem a sinfonia toda em sua cabeça, com todas as partes, ele escreve muito detalhadamente. E então, enquanto desenhista, você essencialmente interpreta isso, você essencialmente é a orquestra, você é o maestro. E então... Sim, eu creio que essa é uma analogia muito boa, e eu acho que meio que a tomo como sendo o que Watchmen representa para mim, você sabe, qualquer coisa escrita, qualquer coisa conjunta, sempre acontece parte por parte, e só mesmo depois de tudo acabado é que você pode se reclinar e admirar a paisagem. Então, ahn... Sim! É uma sinfonia, é um mecanismo de relógio.

WS: O senhor acaba de lançar Watching the Watchmen: The Definitive Companion to the Ultimate Graphic Novel. Por favor, fale-nos desse livro.

DG: Bem, como eu disse, ele foi publicado pela Titan, tem 257 páginas, traz um monte de esboços, os rascunhos para as páginas da série inteira, traz páginas do roteiro de Alan, cartas que trocamos, traz cartas para a DC, traz fotos da divulgação [da série original], traz páginas não-publicadas, traz estudos que nunca utilizamos, traz esquematizações e planos, e também traz um comentário escrito por mim (ah, minha história de como Watchmen veio a existir, desde bem no início). Ahn, ele também traz um ensaio muito interessante de John Higgins, sobre como ele a coloriu. E [o livro] é exclusivamente sobre a revista em quadrinhos, ele não faz qualquer menção sobre... ah... o filme ou qualquer coisa relacionado a isso. Eu queria que ele fosse uma celebração da, você sabe, experiência criativa que Alan e eu tivemos, que foi uma experiência criativa muito positiva e agradável. Ele não se detém nas áreas da... ah... contenda ou disputas entre Alan e a DC Comics, porque não se trata desse tipo de livro (você sabe, um livro assim pode muito bem aparecer no futuro, [mas] é um outro livro). Realmente, é uma muito detalhada e muito densa celebração de como foi criar Watchmen.

WS: Um amigo me trouxe dos Estados Unidos seu pôster promocional para o filme Watchmen. Logo, acredito que o senhor está feliz com essa adaptação da HQ. Quais são suas expectativas para o filme?

DG: Sim, eu estou feliz com a adaptação. Desde o início, desde minha primeiríssima conversa com Zack Snyder eu tive uma boa sensação sobre ela. E certamente cada nova coisa que vi apenas me fez sentir melhor. Eu vi metade das cenas do filme em agosto, e eu gostei demais (não estava acabado, muito da computação gráfica não estava pronto, mas foi absolutamente envolvente e fascinante). Desde então, eu vi... ah... ambos os trailers e vi os vinte e cinco minutos mais ou menos de cenas que Zack mostrou aos jornalistas, e estou tomando parte da “turnê” de Watchmen e… Sim, eu sinto que foi feito devidamente, que foi feito tão bem quanto qualquer um poderia razoavelmente esperar. Ahn, e... eu estou realmente aguardando para vê-lo nos cinemas e ver como todos reagirão a ele. Eu tenho a sensação de que os fãs vão ficar muito felizes com ele. É claro que há aqueles fãs empedernidos, absolutamente radicais (que eu compreendo) para os quais nada a não ser uma adaptação palavra por palavra, imagem por imagem, linha por linha, jamais agradará. Creio [porém] que você precisa ser um pouco mais realista quanto a isso. No final das contas, creio que é preciso ter algo que seja um bom filme, algo que o espectador de cinema mediano considere que valha a pena ir assistir.

WS: Recentemente, o senhor terminou a saga de Martha Washington, escrita por Frank Miller, além de escrever e desenhar algumas edições de Green Lantern Corps. Quais são seus planos para 2009 e o futuro próximo?

DG: Bem, no que diz respeito a Martha Washington, nós vamos reunir tudo num formato estendido, com mais de 500 páginas, será uma edição definitiva e trará novas introduções escritas por Frank e por mim, e eu espero que traga toda e qualquer aparição de Martha. Porque as aparições dela foram relevantes esparsadamente, nós queremos reunir tudo de forma que os leitores possam ler tudo num só lugar. Eu recentemente fiz uma HQ curta de Hellblazer para a DC, a qual eu escrevi [e que será publicada este mês, na edição especial n°250 da revista de John Constantine] (um personagem que estranhamente me agrada). Ahn... Realmente agora meu tempo está tomado pela promoção de Watchmen, pelo licenciamento, consultoria. Ahn, eu espero trabalhar num projeto de direitos autorais reservados no ano que vem, com um roteirista com o qual eu nunca trabalhei antes (não posso realmente dizer mais nada sobre isso, porque obviamente simplesmente não me cabe definir como isso será anunciado). Mas, sim, eu estou mesmo é curtindo a "turnê" do circo Watchmen e esperando o filme ser lançado e, algum tempo depois, voltar a fazer algum trabalho honesto.

WS: Muito obrigado por esta entrevista!

DG: Muito obrigado por seu interesse e saudações para meus fãs e amigos aí na América do Sul!

08/12/2008

The art of coherence: an interview with Dave Gibbons, part3.


Last part of our interview and Dave Gibbons talks a little bit more about Watchmen, tells us about his new book, says what he thinks of the movie adaptation and also which are his new and future projects.

Wellington Srbek: I use the analogy of Watchmen being similar to a Swiss watch: a construct of hundreds and hundreds of tiny pieces that come together to form a working machinery. There’s also the analogy of Watchmen being similar to a symphony: a complex structure, composed by various movements with lots of echoes and symmetries. Both analogies give the idea of “a whole that is more than the sum of its parts”. But for you, Mr. Gibbons, what Watchmen represents?

Dave Gibbons: Yeah, I think, you know, even within the book we have made analogies to clockwork -- the form of Doctor Manhattan’s palace is like the internal works of a clock. That said, I’ve always considered Alan’s approach to writing to be a little bit like kind of Mozart’s approach to music, you know, he sees the whole thing in his head, he has the whole symphony in his head with all the parts, he writes down in great detail. And then, as an artist, you essentially interpret that, you essentially are the orchestra, you are the conductor. And so… Yeah, I think that’s a very good analogy, and I think I kind go along with that been what Watchmen represents to me, you know, any writing thing, any joint thing, always happens piece by piece, and it’s not really until be done the whole thing that you can sit back and see, see the landscape. So, ahn… Yeah! Is a symphony, is a clockwork.

WS: You’ve just released Watching the Watchmen: The Definitive Companion to the Ultimate Graphic Novel. Please, tell us about this book.

DG: Well, as I said it is published by Titan Books, it is 257 pages, it’s got loads of sketches, the real thumbnails for the whole series, it’s got pages of Alan’s script, it’s got letters between us, it’s got letters for DC, it’s got pictures of the merchandize, it’s got unpublished pages, it’s got designs that we never used, it’s got schematics and plans, and it’s also got a commentary by me -- ah, my story of how Watchmen came to be, from its very, very beginning. Ahn, it’s also got a very interesting essay by John Higgins about how he colored it. And it is solely about the comic book, it doesn’t make any mention of… ah… the movie or anything to do with that. I wanted it to be a celebration of, you know, the creative experience Alan and I had, which was a very positive and enjoyable creative experience. It doesn’t strands in the areas of the… ah… contention or disputes between Alan and DC Comics, because it is not that kind of book -- you know, that might well appear in the future, it is another book. Really, it is a very detailed, very dense celebration of what it was like to create Watchmen.

WS: A friend brought me from the USA your promotional poster to the Watchmen movie. So, I believe that you are happy with this adaptation of the book. What are your expectations about the movie?

DG: Yeah, I’m happy with the adaptation. From the very beginning, from my very first conversation with Zack Snyder I had a good felling about it. And certainly every additional thing that I’ve seen has only made me feel better. I saw half-cut of the movie back in August, which I totally enjoyed -- wasn’t finished, a lot of the CGI wasn’t done but it was absolutely engrossing and fascinating. Since then I’ve seen… ah… both the trailers, and I’ve seen the 25 minutes or so of scenes that Zack has shown to journalists, and I’m taking part in the Watchmen road show, and… Yeah, I feel that it’s been done properly, it’s been done as well as anybody could reasonably expect. Ahn, and… I’m very much looking forward to seeing it out there in the cinemas, and gain everybody’s reaction to it. I have a feeling that the fans are gonna be very happy with it. Of course there are those absolute diehard heart fans -- I understand that -- for whom nothing but actually word for word, picture for picture, line for line adaptation would ever do. I think you have to be a little bit more realistic about it. In the end of the day, I think you have to have something which is a good film, something that the average movie goer will consider worth going to see.

WS: Recently you have finished the Martha Washington saga written by Frank Miller, besides written and drawn some Green Lantern Corps issues. What are your plans for 2009 and the near future?

DG: Well, on the section of Martha Washington we are gonna collect all together into one big oversized book, it will be 500 pages plus, and it will be absolute size, and it will have new introductions by Frank and by me, and it will have hopefully every possible appearance of Martha. Because her appearances have been relevant scatterly, we wanna bring it all together so that readers could read it all in one place. I’ve recently done a little Hellblazer story for DC, which I wrote -- character that I strangely enjoy. Ahn… Really now my time is taken on the Watchmen promotion, and licensing, consultancy. Ahn, I hope to be working on a creator owned project next year with a writer that I haven’t worked with before -- can’t really say any more than that, because obviously it is not just up to me how this is announced. But, yeah, I’m very much enjoying the Watchmen road show circus, and looking forward to the movie coming out, and sometime after that going back to do some honest work.

WS: Thanks a lot for this interview, Mr. Gibbons!

DG: Thanks very much for your interest, and greetings to my fans and friends out there in South-America!

05/12/2008

A arte da coerência: uma entrevista com Dave Gibbons, parte2.


Parte2 de nossa entrevista e Dave Gibbons explica como surgiu a obra-prima Watchmen, como foi sua abordagem do descomunal roteiro de Alan Moore e também seus principais desafios ao criar um trabalho tão extenso e sempre visualmente coerente.

Wellington Srbek: “Chronocops” para a 2000 AD e “For the man who has everything” para o anual de 1985 do Super-Homem são duas de minhas parcerias Moore/Gibbons favoritas...

Dave Gibbons: Minhas também.

WS: Todavia, nada que se compare à obra-prima Watchmen, que foi um “salto quântico” na qualidade e complexidade do trabalho que vocês estavam fazendo então. Como e quando o projeto surgiu?

DG: É meio uma longa história. Eu na verdade escrevi um livro intitulado Watching the Watchmen (publicado pela Titan, a qual não sei se tem planos para uma edição brasileira, embora o livro conte a história completa). Alan e eu nos encontramos numa convenção em 1980, nos anos seguintes nos tornamos amigos e trabalhamos juntos em histórias curtas para a 2000 AD, que culminaram em “Chronocops”. Ahn... Nós realmente queríamos trabalhar juntos em algo mais longo, que foi o motivo pelo qual escrevemos para a DC as propostas [de reformulação] de Desafiadores do Desconhecido e Ajax o Marciano, mas nada disso veio à luz, porque os personagens já tinham sido prometidos a outros escritores e desenhistas. Então, você sabe, quando tivemos a chance de trabalhar em algo maior, nós pulamos sobre ela. E Alan sempre gostou de contar às pessoas sobre as histórias nas quais ele estava trabalhando, mesmo antes de tê-las começado. Ele tende a planejar as coisas em grande detalhe antes de começar. Ele costumava me contar sobre coisas em que estava trabalhando com outras pessoas. Mas eu, na verdade, soube de Watchmen através de um amigo mútuo, um cara chamado Michael Colins (se me lembro bem), ah, que disse: “Oh, você ouviu falar que Alan está trabalhando num projeto que vai tratar os personagens da Charlton para a DC?”. Eu liguei imediatamente para Alan, ele me enviou a sinopse, e eu realmente gostei dela e disse que gostaria de desenhar o projeto, e ele disse: “Ótimo!”. Umas duas semanas depois disso, eu fui aos Estados Unidos e numa convenção me reuni com Dick Giordano, que era o editor administrativo da DC, e eu disse: “Sabe esse projeto que Alan está fazendo com os personagens da Charlton, eu realmente gostaria de desenhá-lo”. E Dick disse: “O que Alan acha disso?”. E eu disse: “Ele quer que eu desenhe”. E Dick disse: “É seu!”. Então, foi bem assim que o projeto surgiu.

WS: Olhando as páginas de roteiro ao final de Absolute Watchmen, parece-me que você desenvolveu um sistema para trabalhar com Alan Moore, marcando seu texto com diferentes cores (amarelo para a informação visual principal, vermelho para detalhes e azul para o diálogo). Enfim, qual foi sua abordagem desse roteiro?

DG: Bem, os roteiros do Alan são sempre muito “palavrosos”, muito “conversativos”, tratando muito de te dar opções, falando em torno do objeto e, você sabe, dando a você provavelmente mais informação do que você realmente poderá usar. Assim, uma das coisas que você tem que fazer é assumir o controle do roteiro e tirar dele o que você precisa para desenhá-lo da forma como você o vê. Assim, eu achei que o sublinhamento era uma maneira muito boa de fazer isso. E também, após umas duas leituras, eu gosto de fazer esboços reduzidos das páginas, o que significava então que eu podia transferi-los para a prancha de desenho e eu podia fazer o letreramento dos diálogos. Eu estava então suficientemente familiarizado com a história, e eu provavelmente não tinha que olhar para o roteiro de novo, eu não precisava ler três dúzias de páginas para descobrir o que eu tinha que desenhar. Então, sim, de muitas maneiras minha parte era a de fazer uma seleção.

WS: Watchmen é uma complexa revista em quadrinhos de super-heróis realística, um premiado trabalho que muitos consideram a melhor graphic novel já criada. Minha pergunta é: qual foi seu principal desafio ao criar esse quadrinho?

DG: Ahn... Bem, eu suponho que seja o desafio que como um artista de quadrinhos você sempre tem, que é contar a história em imagens. E neste caso era uma história muito detalhada, muito complexa, muito rica, com várias nuances, que requeria que personagens fossem desenhados em diferentes idades, em diferentes locais. Assim, ele realmente testou minhas habilidades de desenho, minha capacidade de apresentar personagens consistentemente críveis, minha simetria de fundo, a dimensão do real. Foi realmente, você sabe, apenas uma versão exagerada dos desafios que se tem em qualquer outro trabalho.

WS: Lendo Watchmen do início ao fim nós temos essa sensação de uma realidade completa em 360°. O senhor, é claro, é um desenhista muito habilidoso, mas é admirável como as mais de 400 páginas da HQ têm sempre esse visual coerente, com as sugestivas cores feitas por John Higgins. Como o senhor fez para alcançar tal coerência num trabalho tão extenso?

DG: Bem, novamente é como a resposta para a última questão. O que desenhar quadrinhos realmente se trata é de alcançar coerência, fazendo coisas consistentes, e nunca arrancando o leitor da história por ter desenhado algo que não encaixa. Ou seja, eu fiz... Novamente, em meu livro Watching the Watchmen você pode ver diagramas, planos, esquematizações de coisas (como o vidro de perfume voando pelo ar, após Lauren tê-lo lançado em Marte, [esquematização que fiz] para ter certeza de que o movimento estava consistente e que ele se movia crivelmente contra o fundo fixo de estrelas). Provavelmente, esse é um trabalho que ninguém irá notar, todavia é algo que num nível subliminar dá aquela sensação de que um lugar realmente existe ou de que algo realmente aconteceu. Havia uma série de quadrinhos chamada Dan Dare (uma série de ficção científica), para a qual eles na verdade tinham o tempo e o orçamento para construir modelos e tudo mais, e quando você a lia, você realmente sentia que estava vendo algo desenhado do real, você sabe, que aquelas coisas incríveis tinham sido desenhadas do real. E embora eu tenha desenhado Watchmen de uma forma estilizada, eu queria que ele tivesse aquele sentimento de consistência interna. E, você sabe, quando está desenhando quadrinhos, de qualquer maneira você já traduz realidade em código e, na minha forma de pensar, os melhores artistas de quadrinhos são gente como Jack Kirby ou Steve Ditko, que claramente não desenham de forma realística, mas que têm um código consistente para interpretar a realidade. Assim, esse é o tipo de coisa que eu tentei fazer quando desenhei Watchmen. E, como você diz, as cores de John Higgins são fantásticas, e certamente ele teve muito trabalho para mantê-las consistentes e bem de acordo com o que acontecia na revista... na história, melhor dizendo. Às vezes, você sabe, ele já tinha colorido algo, antes de perceber que devia ter sido colorido de outra maneira. Mas, felizmente, ele pôde cuidar dessas questões na Absolute Edition, fazendo a colorização enfim completamente consistente.

A seguir: mecanismos, sinfonias, filmes e mais...

03/12/2008

The art of coherence: an interview with Dave Gibbons, part2.


Part2 of our exclusive interview and Dave Gibbons explains how the masterpiece Watchmen was born, what was his approach to Alan Moore’s massive script, and also his main challenges creating such a length and coherent artwork.

Wellington Srbek: “Chronocops” for 2000 AD and “For the man who has everything” for the 1985 Superman Annual are two of my favorite Moore/Gibbons collaborations...

Dave Gibbons: Mine too.

WS: Nevertheless, nothing can be compared to your masterpiece Watchmen. It was a “quantum leap” in the quality and complexity of the work you were doing then. How and when the project was born?

DG: Is kind of a long story. I have actually written a book called Watching the Watchmen -- which is published by Titan, which I don’t know if has any plans for a Brazilian edition, although that tells you the complete story. Alan and I met in a convention in 1980, over the following years we become friends, and we worked on shorter stories for 2000 AD together, which have culminated in “Chronocops”. Ahn… We really wanted to do something longer together, which was why we wrote the proposals for the Challengers of the Unknown and Martian Manhunter for DC, but none of this ever came to fruition, because the characters have already been promised to other writers and artists. So, you know, when we got the chance of work on something bigger, we jumped at it. And Alan has always been happy to tell people the stories he was working on before he has even started. He tends to work things up in great detail before had -- he used tell me about things he was working with other people. But I actually learned about Watchmen from a mutual friend, a guy called Mike Collins -- to the best of my memory -- ah, who said: “Oh, have you heard that Alan is working on a thing that is gonna treat the Charlton characters for DC?” I immediately phoned Alan, and he sent me the synopses, and I really liked it, said I would like to draw it, and he said: “Great!” A couple weeks after that I went to the USA, and on a convention I met up with Dick Giordano, who was the managing editor of DC, and I said: “You know this thing Alan is doing with the Charlton characters, I really want to draw it.” And Dick said: “How does Alan feel about that?” And I said: “He wants me to draw it.” And Dick said: “It’s yours!” So, that was really how the project was born.

WS: Looking at the script pages in the end of the Absolute Edition, it seems to me that you’ve developed a system to work with Alan Moore, marking his text with different colors -- yellow for the main visual information, red for details and blue for the dialog. Anyway, what was your approach to the Watchmen script?

DG: Well, Alan’s scripts are always very wordy, very conversational, very much giving you options, very much talking around the subject, and, you know, giving you probably more information than you can ever actually use. So, one of the things you have to do is to take control of the script, and take from it what you need to draw it the way you see it. So, I found a highlighting was a very good way to do that. And also after a couple of readings I wanna do some thumbnail drawings, which meant by then I could transfer those to the finished art board, and I could letter in the dialog. And I was sufficient familiar with the story by then, I probably didn’t have to look at the script again, I didn’t have to read three dozens of pages to find out what I had to draw. So, yeah, in many ways my part was one of selection.

WS: Watchmen is a complex realistic super-hero comic book, a award-winning work that many people consider to be the best graphic novel ever created. My question is: what was your main challenge creating the book?

DG: Ahn… Well, I suppose it is the challenge, as a comic book artist, you always have, that is to tell the story in pictures. And in this case it was a very detailed, very complex, very rich story, with lots of nuance, and requiring characters to be draw in different ages, in different locals. So, it really tested my drawing skills, and my ability to pick characters consistently believable, my background symmetry, dimension of real. And really, you know, just an exaggerated version of what the challenges will be on any other book.

WS: Reading Watchmen cover to cover we have this feeling of a complete 360° reality. You are of course a very skilled artist, but it’s amazing how the 400 pages plus of the book have always this coherent look, with the moody colors by John Higgins. How did you manage to achieve that coherence in such length work?

DG: Well, again is like the answer to the last question. Really what drawing comics is about is achieving coherence, making things consistent, and never pulling the reader out of the story by drawing something that doesn’t fit. I mean, I did… Again, in my book Watching the Watchmen you can see diagrams, plans, schematics of things like the perfume bottle falling through the air -- after Lauren has thrown it on Mars -- to make sure that the movement was consistent, and that it moved believably against the fix background of stars. Probably not a work that anybody will notice, but nevertheless something that in a subliminal level it does give that feeling of somewhere that actually exists or something actually happened. There was a British comics called Dan Dare -- science-fiction strip -- where they actually had the time and the budget to build models and everything, and when you read that you really felt that you were seeing something drawn from life, you know these incredible things had been drawn from life. And although I drew Watchmen in a stylized way I wanted it to have that internally consistent feeling. And, you know, when you are drawing comics you are translating reality into code anyway, and to my way of thinking the best comic artists are people like Jack Kirby or Steve Ditko, who clearly don’t draw realistically, but who have a consistent code for interpreting reality. So, that is the kind of thing I tried to do when I drew Watchmen. And, as you say, John Higgins’ colors are amazing, and certainly he had a great trouble to keep those consistent, and very much relate to what was going on in the book… in the story rather. Sometimes, you know, he had already colored something, before he realized it had to be colored in a different way. But fortunately with the Absolute Edition he was able to address those concerns, and make the coloring finally completely consistent.

Next: clockwork, symphonies, movies and more...

01/12/2008

A arte da coerência: uma entrevista com Dave Gibbons, parte1.


Dave Gibbons é um dos mais importantes autores britânicos de quadrinhos. Entre diversos trabalhos, ele foi o desenhista de Watchmen, a série em doze partes escrita por Alan Moore, que muitos consideram a melhor graphic novel já criada. Nesta entrevista exclusiva em três partes, feita por e-mail e MP3, Dave Gibbons fala de antigos trabalhos, da criação da obra-prima Watchmen, do que ele pensa sobre a adaptação para o cinema que estréia em março de 2009, de seu novo livro, projetos futuros e muito mais.

Wellington Srbek: É uma honra estar conversando com o senhor.

Dave Gibbons: Obrigado! Uma honra estar conversando com você.

WS: Por favor, diga a seus fãs brasileiros onde e quando o senhor nasceu e como os quadrinhos entraram em sua vida?

DG: Ahn... Eu nasci em Londres. Eu nasci em 1949, muito, muito tempo atrás (mais tempo do que eu realmente gostaria de pensar). E como os quadrinhos entraram em minha vida? Bem, eu acho que quando pequeno eu costumava ganhar quadrinhos infantis, você sabe, animais familiares, coelhos, ursos, e esse tipo de coisa. E eu também ganhava uma revista em quadrinhos britânica chamada The Beano, ainda publicada até hoje, que tem sido publicada desde os anos 30 (é a revista na qual todos os britânicos pensam quando ouvem a palavra “quadrinhos”). Ahn... Eu também tenho a clara lembrança de, por volta dos sete anos, ter ganhado do meu avô minha primeira revista do Super-Homem... ahn... e eu acho que daquele minuto em diante os quadrinhos me conquistaram.

WS: O senhor começou sua carreira trabalhando em séries de terror e ação, mas foi nas revistas de ficção científica 2000 AD e Doctor Who que pôde desenvolver seu trabalho. Os primeiros quadrinhos norte-americanos que o senhor desenhou (as histórias de Green Lantern Corps) também tinham a ver com a FC. Enfim, o senhor tem uma predileção por aquele gênero em específico?

DG: Bem, eu tenho. Eu venho sendo um leitor de ficção científica a maior parte de minha vida. Não tenho lido muita ficção científica nos últimos tempos (eu acho que há um limite para quantas vezes você pode ler as palavras “hiperpropulsão” e “teletransporte”). Eu passei a ler [histórias de] crime, [obras de] não-ficção e tudo mais. Eu ainda tenho amor pela ficção científica, e acho que ela funciona particularmente bem nos quadrinhos. Você pode fazer qualquer coisa nos quadrinhos, então porque fazer algo que seja completamente cotidiano? É importante ser capaz de desenhar coisas de forma que pareçam críveis. Então, desenvolver-se no cotidiano é na verdade algo muito bom. Ah... Mas eu penso que quando você quer explorar as possibilidades da linguagem um pouco mais, você quase inevitavelmente direciona-se para coisas que vão além da vida comum. E a ficção científica, você sabe, é certamente algo assim.

WS: O senhor se tornou internacionalmente famoso trabalhando em quadrinhos de super-heróis norte-americanos, mas já tinha trabalhado previamente numa série africana de super-heróis: Powerman. Era uma espécie de Super-Homem negro publicado na Nigéria, certo? Dê-nos uma idéia do quê era esta série.

DG: Eu trabalhava através de um agenciador de artistas em Londres. Ele foi contatado por uma agência de publicidade da Nigéria, com a idéia de produzir alguns quadrinhos para o mercado nigeriano. Na época, a maioria das reedições nigerianas dos quadrinhos norte-americanos e britânicos traziam, você sabe, pessoas brancas e loiras, e eles [da agência de publicidade] pensaram que seria uma boa idéia (eu imagino que do ponto de vista mercadológico e publicitário era mesmo uma boa idéia) dar às pessoas negras seus próprios heróis. Nós ficamos admirados de que não tivesse gente na Nigéria que pudesse desenhar e escrever os quadrinhos, mas eles disseram que, você sabe, possivelmente nós começaríamos o trabalho e depois, você sabe, criadores locais assumiriam. Ahn... Bom, havia um par de revistas: uma chamada Powerman, uma chamada Pop. Powerman trazia Powerman, e também um xerife, um xerife negro, um escravo liberto no Velho Oeste, e uma história sobre uma invasão alienígena na qual os alienígenas invadiam a África, em vez de a América do Norte. Havia uma outra [revista] chamada Pop, que trazia uma enfermeira negra e um par de outras idéias das quais eu realmente não consigo me lembrar. Elas eram escritas por roteiristas britânicos e desenhadas por mim, Brian Bolland, Carlos Ezquerra (que depois veio a desenhar Judge Dredd) e eram revistas quinzenais, em P&B com uma cor adicionada (vermelho). Brian Bolland e eu nos alternávamos nas edições, comigo de vez em quando ajudando Brian quando ele estava atrasado no prazo de entrega. Elas foram posteriormente impressas na África do Sul, com o fato bem infeliz de que lá parecia haver “quadrinhos de Apartheid”, você sabe, os brancos tinham os quadrinhos deles e os negros tinham os quadrinhos deles. Mas essa nunca foi a intenção com o trabalho original, e parecia que qualquer pessoa branca que nós tínhamos desenhado era um malvado loiro ariano do pós-guerra feito de encomenda, que o Powerman despachava no ato.

WS: O senhor fez parte da “invasão britânica” que mudou os quadrinhos norte-americanos nos anos 80, seguindo o sucesso de Alan Moore na revista do Monstro do Pântano. Naquele momento, o senhor sentia que estavam fazendo uma revolução nos quadrinhos norte-americanos, e produzindo trabalhos que se tornariam clássicos?

DG: Eu suponho que houve algo como uma invasão britânica, que começou na verdade com Barry [Windsor-]Smith no início dos anos 70. Ele foi o primeiro cara britânico que eu tenho notícia de ter trabalhado para os quadrinhos norte-americanos. Depois do Barry Smith, eu acho que Brian Bolland foi o próximo britânico a publicar [nos quadrinhos norte-americanos], ele fez algumas capas para a Green Lantern no final dos anos 70. Ahn... Na verdade, eu comecei a trabalhar para a DC antes do Alan, e estávamos tentando fazer as coisas seguirem para a DC, quando eu recebi um telefonema uma noite ...ahn... do Len Wein, perguntando se eu tinha o número do Alan Moore, porque achava que ele poderia, você sabe, fazer uma boa tentativa de escrever a revista do Monstro do Pântano, e como todos sabemos Alan não fez uma “boa tentativa”, ele revolucionou completamente o personagem, a ponto de realmente produzir um clássico. Ahn... Eu suponho que, você sabe, fosse uma ambição para nós britânicos, que crescemos lendo quadrinhos norte-americanos, um dia trabalhar nos quadrinhos norte-americanos, e dado que o mercado deles era muito melhor (eles pagavam mais, devolviam todo o trabalho, até mesmo davam as pranchas para desenharmos), não é de se admirar que tenhamos ficado muito felizes em trabalhar para eles. E eu acho que, você sabe, nós entendíamos os personagens deles bem o bastante para desenhá-los num estilo similar, embora tivéssemos uma levemente diferenciada... ah... visão britânica deles. E a postura britânica é meio que sempre ser levemente desconfiado de pessoas que sejam superiores, e talvez tenhamos trazido um pouco disso para os super-heróis. Contudo, deve ser dito que se não amássemos realmente os personagens, eu não acho que poderíamos ter feito o que fizemos com eles.

A seguir: Watchmen!