31/08/2008

As novas edições das revistas Pixel.


Após redefinições editoriais, problemas e atrasos, as duas revistas de antologia da Pixel chegaram novamente juntas às lojas. Muito aguardada pelos leitores, Fábulas Pixel n°2 dá continuidade às histórias iniciadas na primeira edição, lançada em junho. Já a Pixel Magazine n°17 vem mostrar que a revista entrou mesmo numa nova fase, após a saída de Planetary e Promethea e a estréia de Y - O último homem e a volta de Frequência Global.

Ainda em definição e com uma periodicidade bimestral, o segundo número de Fábulas Pixel traz a continuação de Sandman Apresenta: Fúrias, mais uma HQ fechada de Astro City e dois capítulos de Fábulas: A Marcha dos Soldados de Madeira. Com direito à ilustração de capa e abrindo a edição, Sandman Apresenta: Fúrias dá continuidade à saga de Lyta Hall, a mulher diretamente responsável pela morte do Sandman Morpheus e mãe da criança que se tornou o Sandman Daniel. A própria personagem tem uma participação menor neste segundo capítulo, em que se destacam personagens saídos da mitologia grega e cenas tiradas da série Sandman original. Chamam a atenção, mais uma vez, as imagens em estilo realista, produzidas com técnicas de pintura.

A HQ de Astro City repete os padrões da série, mostrando um velho vilão às voltas com planos de riqueza e fama, que incluem uma passagem pelo “Rio de Janeiro”, cheia de lugares-comuns e irritantes estereótipos culturais. Fechando a revista, temos os capítulos 3 e 4 de Fábulas: A Marcha dos Soldados de Madeira. Enquanto o Príncipe Encantado prossegue em sua busca por poder e o Lobo com suas investigações policiais, Branca de Neve tenta manter a cidade e uma gravidez em ordem. Para completar, Chapeuzinho Vermelho, homens de preto, um pouco de sexo e morte. Embora dê para se perceber que as equipes criativas continuam as mesmas da edição anterior, merece nota o fato de que a editora esqueceu-se de dar crédito aos autores nesta segunda edição.

Por sua vez, a nova edição da Pixel Magazine traz os devidos créditos e confirma uma linha de histórias mais urbanas e contemporâneas. A revista apresenta novos capítulos de DMZ: Corpo de Jornalista e Y - O último homem, a reestréia de Freqüência Global e a conclusão da história Hellblazer: Boas Intenções, com John Constantine. Capa desta edição, o quarto capítulo de DMZ avança na história que mostra uma Nova York de um futuro caótico e violento. A seguir, vem a publicação do primeiro capítulo de Frequência Global, num roteiro de Warren Ellis com desenhos de Garry Leach. A trama da série envolve uma organização secreta voltada a enfrentar desafios gerados pelo mundo contemporâneo, algo bem ao estilo de séries e filmes de espionagem.

O ponto alto da revista é o segundo capítulo de Y - O último homem, série que conta a história de Yorick e seu macaquinho Ampersand, os últimos machos mamíferos do mundo. Em meio a uma crise estrutural internacional e ameaças por todos os lados, além de milhões de “mulheres à beira de um ataque de nervos”, o último homem da Terra só quer mesmo reencontar sua amada. Para finalizar, a conclusão de Boas Intenções, atípica história de John Constantine, escrita por Brian Azzarello, que não agradou muito aos leitores em geral. Misturando perversão, lembranças e feras, esse último capítulo acaba por decepcionar aqueles, como eu, que ainda esperavam um bom desfecho para uma história que começou bem, mas se perdeu pelo caminho.

Indispensável para quem curte os quadrinhos do selo Vertigo, Fábulas Pixel e Pixel Magazine têm 96 páginas cada, no formato 17cm x 26cm, sendo vendidas ao preço de R$10,90. Para os leitores fiéis, um novo número de Pixel Magazine sai em setembro, enquanto a terceira edição de Fábulas Pixel chegará às bancas apenas em outubro.

20/08/2008

Chega às lojas o último volume de Supremo.


No início dos anos 90, após um período de afastamento, Alan Moore retornou aos quadrinhos de super-heróis, produzindo histórias para a recém-fundada Image Comics. Depois de trabalhar em HQs com Spawn de Todd McFarlane e Wild C.A.T.s de Jim Lee, foi a vez de ele emprestar suas idéias aos personagens de Rob Liefeld. Assim, em agosto de 1996, era lançada a revista Supremo n°41, na qual o roteirista inglês reinventou criativamente o que era, até então, meramente uma cópia mais violenta do Super-Homem.

Usando uma abordagem desconstrutivista (semelhante ao que fizera com Marvelman / Miracleman), o roteirista apropriou-se do fato de o personagem ser um plágio, escrevendo histórias que utilizavam os principais elementos da chamada “mitologia” do Homem-de-Aço. Além disso, a reformulação do personagem de Liefeld contou com sequências “nostálgicas” desenhadas por Rick Veitch, imitando o estilo de quadrinhos dos anos 40, 50 e 60 (algo próximo ao que já tinham feito com os heróis Marvel na minissérie 1963).

O resultado foram histórias originais e significativas que influenciariam trabalhos de outros autores (e lançariam as bases das séries Tom Strong e Tomorrow Stories da linha ABC). Concluindo a publicação da fase de Moore à frente da revista Supremo, a Devir lança agora A Era Moderna, quarto volume da coleção, que traz as cinco últimas edições escritas pelo consagrado roteirista. Com HQs lançadas entre 1999 e 2000 (época em que Moore já estava mergulhado no projeto ABC), boa parte desta edição final fica aquém do esperado.

A primeira história do volume é dedicada ao vilão Darius Dax e é tão fraca que chega a desanimar. Para piorar, o veterano Jim Starlin produz desenhos dignos de um iniciante sem talento. Nas três HQs seguintes, o visual melhora um pouco, mas os roteiros de Moore não convencem. A HQ com a namorada de Supremo, Diana Dane, é mal-estruturada; a seguinte com Radar, o supremo-cão, parece mais uma piada de mau-gosto; para completar, a que traz o amigo do herói, Billy Friday, enrola-se em paradoxos temporais e muita baboseira.

O que salva A Era Moderna são as sequências em estilo “retrô”, como o interlúdio estrelado pela Liga do Infinito (a versão Supremo para a Legião dos Super-Heróis da DC). Mas o melhor fica por conta da última história da edição: “New Jack City”, na qual Moore e Veitch homenageiam um dos grandes gênios dos quadrinhos. Inteligente e bem ilustrada, a HQ mostra a chegada de Supremo a uma misteriosa cidade saída das páginas dos quadrinhos de Jack Kirby, numa viagem que leva a um encontro com o “Rei” em pessoa.

“New Jack City” nasceu dos conceitos de inspiração platonista que Moore desenvolveu e adotou como filosofia pessoal, sobre uma dimensão ideal chamada “Ideaspace”. Nela, um autor tão produtivo e criativo quanto Kirby alcançaria uma condição de divindade, ocupando um lugar próprio, povoado por suas criações. Escrito por alguém que declarou ter tido um encontro real com um de seus personagens (o mago John Constantine), o roteiro de Moore é uma elaborada brincadeira ficcional e um inteligente tributo a um mestre.

O que impressiona mais, contudo, são as páginas desenhadas por Veitch, num convincente traço “kirbiano”. Página a página, estão lá versões alteradas dos heróis patrióticos (como o Capitão América), de vilões tecnológicos (como o Doutor Destino), de divindades emprestadas das antigas mitologias (como os Asgardianos) ou de seres cósmicos inventados (como os Novos Deuses). Há também as texturas, os maneirismos, os enquadramentos dinâmicos e as diagramações específicas de Kirby, tudo reproduzido em detalhe.

O clímax da HQ são as páginas em que aparece a cabeça-divindade Kirby. Evocando um sentido de respeito e temor quase religiosos, a figura brilha em raios laser, radia energia cósmica, assume a forma de pedra ou árvore, peixe ou máquina, sempre mutável e inconfundível, como era a arte do "Rei". Simplesmente fantástica, “New Jack City” foi o último capítulo que Moore e Veitch criaram para Supremo e, embora restassem duas edições a serem produzidas, este tributo em quadrinhos foi um fechamento com “chave de ouro”.

Supremo: A Era Moderna tem formato reduzido, 16,5cm x 24cm, capa cartonada e 144 páginas, ao preço de R$42,00, trazendo um texto complementar do editor Leandro Luigi de Manto sobre os quadrinhos de Jack Kirby. Não faltam também, mais uma vez, deslizes na revisão (“um amiga”, p.51) e mesmo na tradução (“aparência” no lugar de “aparição”, p.113). Uma edição para aqueles que acompanharam a série, este quarto volume também é indicado para os fãs de Jack Kirby.

15/08/2008

Coletânea traz os primeiros capítulos de Promethea.


Lançada nos Estados Unidos em 1999, Promethea foi a melhor série dos quadrinhos norte-americanos nos últimos dez anos. Tendo estreado no Brasil na quarta edição da Pixel Magazine, a HQ foi publicada mensalmente até o número 15 da revista, estando programada para retornar na quarta edição da Fábulas Pixel. Enquanto isso, para quem perdeu a primeira oportunidade, está sendo lançada Promethea: Livro 1, coletânea com os seis primeiros capítulos da fascinante viagem criada por Alan Moore, J.H. Williams III e Mick Gray.

A história começa com a universitária Sophie Bangs às voltas com a pesquisa para sua monografia de final de curso. O tema de seu trabalho é “Promethea”, uma personagem recorrente na cultura popular moderna, cujo nome liga um poema do século 18 a ilustrações, livros e quadrinhos do século 20. Tudo muda quando, perseguida por uma entidade assassina, a jovem acaba assumindo a identidade da personagem que estudava. A partir daí, sua vida é tomada por estranhos acontecimentos que a levam numa viagem iniciática pelos mundos da magia e da imaginação, tudo isso envolto em elementos de fantasia e metalinguagem.

O primeiro capítulo concentra-se na origem de Promethea e no processo que levou Sophie a assumir o manto da semi-deusa de Imatéria. A partir do segundo, o enfoque são os desafios que a nova heroína terá que enfrentar: de demônios enviados por uma organização chamada O Templo, passando pelo Lobo Mau e por homens-crocodilo imaginários. Entre os personagens coadjuvantes destacam-se Stacia, a amiga de Sophie que rende os momentos de humor da série, as cinco versões anteriores de Promethea, que auxiliarão a novata em sua iniciação, e Jack Faust, uma encarnação sinistra do João do pé-de-feijão.

Um dos melhores trabalhos de Alan Moore, Promethea impressiona pela densidade narrativa e a intercalação de ocultismo, história, literatura e quadrinhos. A primeira página da HQ nos leva ao ano 411 e também a um mergulho direto numa das temáticas centrais da série: a magia e como ela estaria ligada à imaginação e à realidade. Em seguida, somos levados a uma Nova York futurista, onde conhecemos a trajetória literária da personagem Promethea. A partir daí, tramas paralelas e informações incidentais surgem como complemento para o enredo principal que, por sua vez, divide-se em diferentes contextos narrativos.

Para completar, o bom desenvolvimento da trama é apresentado numa narrativa quadrinística originalíssima. Temos aí o que faz de Promethea uma HQ singular: a inspirada colaboração estabelecida entre o roteirista e os desenhistas. A cada capítulo, diagramações de página incomuns vão se tornando a marca registrada da série, com suas páginas duplas e frisos que sugerem composições de mosaicos ou vitrais. Mais que isso, os belos desenhos de J.H. Williams III e Mick Gray, auxiliados pelas cores e efeitos digitais, alcançam a façanha de superar o roteiro, em alguns momentos. E pode se dizer que o trabalho deles só melhora com o tempo!

Promethea é uma recriação do gênero super-heróis, com elementos de ocultismo, história, literatura e metalinguagem. Em outros termos, ela é fundamentalmente uma obra “inspirada”, cuja própria protagonista é uma personificação da imaginação, ou como ela mesma se define: “a centelha mais intensa da arte / toda inspiração / todo desejo”. Nestas palavras e na forma como a personagem é desenhada, fica evidente também que Promethea é uma homenagem não só à musa da inspiração, mas ao universo feminino e às musas reais que inspiram artistas e escritores. Mesmo porque, como já foi comprovado cientificamente, Deus não colocou no mundo outro ser mais fascinante e enigmático, adorável e terrível do que a mulher.

Promethea: Livro 1 tem capa cartonada e 176 páginas em formato 17cm x 24cm, sendo vendido ao preço de R$41,90. Os únicos “senões” ficam por conta do formato reduzido, da tradução que deixa a desejar e do preço um pouco salgado. Mas, se você não conhece esta fantástica HQ e ainda está em dúvida se compra ou não esta coletânea, não pense duas vezes! Para quem quiser saber mais sobre Promethea e os quadrinhos de Alan Moore, incluindo uma entrevista exclusiva com J. H. Williams III, basta clicar nas palavras em destaque abaixo.

11/08/2008

A despedida de Sandman.


Lançada em 1988 e concluída em 1996, The Sandman foi uma das melhores séries de quadrinhos já produzidas. Muito premiada durante sua publicação, o prestígio dessa obra só fez aumentar após seu encerramento, projetando internacionalmente o nome de seu criador, o roteirista inglês Neil Gaiman. Lançada no Brasil inicialmente pela editora Globo, a saga do Mestre dos Sonhos ganhou uma luxuosa reedição pela Conrad, que chega agora a seu décimo e último volume. Sandman: Despertar tem excelente qualidade gráfica, com capa-dura e 200 páginas em formato estendido, incluindo várias ilustrações produzidas por Dave Mckean, uma seção de auto-retratos dos autores envolvidos e outra com notas informativas, sendo vendido ao preço de R$69,90.

Reunindo as edições 70 a 75 da revista original, o último volume de Sandman é uma história sobre partidas e despedidas, sobre o “trabalho de luto” por amigos e amores que se vão, e também uma sábia reflexão sobre o sentido de nossas existências. Com a morte do Sandman Morpheus no volume anterior, é hora de todos prestarem suas homenagens. Ao mesmo tempo, seguindo a tradição inglesa de “o rei está morto; vida longa ao rei”, é também a hora de reconhecer o novo monarca do Sonhar, o Sandman Daniel. E é exatamente em torno disso que giram as três primeiras histórias do livro, ilustradas por Michael Zulli, nas quais somos testemunhas dos funerais de Morpheus.

Com a presença de soberanos de terras imaginárias, deuses das mitologias antigas, personagens saídos de histórias e também de pessoas comuns, os ritos fúnebres do Mestre dos Sonhos tiveram a devida “pompa e circunstância”. Compareceram também os membros de sua família, além de poucos e verdadeiros amigos, e de antigas namoradas e amantes. Podemos, assim, dizer que Morpheus teve um funeral invejável, não pela “pompa e circunstância”, mas pelo fato de ter sido amado e, ao final, compreendido. E enquanto nos narrava essa história, Gaiman despedia-se do personagem que o consagrou, falando-nos profundamente sobre perda e a necessidade de se seguir em frente.

Já o quarto capítulo trata da importância de prestarmos contas de nossos atos e escolhas. E não haveria personagem mais adequado para este capítulo do que Robert Gadling, o homem que tem a escolha de jamais morrer e que a cada cem anos encontrava-se com Morpheus para beber e conversar. Num passeio com sua namorada por um parque temático “medieval”, o imortal inglês acaba mergulhando nas lembranças de um passado que preferia esquecer e também recebendo a visita de uma querida irmã de Sandman. Além de contar uma história com dois de seus personagens favoritos, Gaiman utiliza “Luto Dominical” para falar do vergonhoso envolvimento inglês no tráfico de escravos africanos.

As páginas de Zulli para os quatro primeiros capítulos do livro representam bem o clima de luto. Suas imagens sombrias e pesadas evidenciam o trabalho minimalista de um desenhista que, se não era um talento nato, conseguiu com persistência estabelecer um estilo próprio, de beleza peculiar. Essa impressão é o oposto da que temos com o quinto capítulo de Sandman: Despertar, ilustrado por Jon J. Muth. Um virtuose da ilustração, Muth transpõe para o papel imagens quase etéreas, que imitam a leveza das antigas ilustrações e caligrafia chinesas, ao mesmo tempo em que traduzem o clima onírico de um roteiro que narra os encontros de um velho sábio com as duas versões de Sandman.

Por fim vem “A Tempestade”, capítulo no qual o Mestre dos Sonhos se encontra pela última vez com William Shakespeare. O dramaturgo inglês já havia aparecido na HQ “Homens de Boa Fortuna”, na qual faz um acordo com o Rei dos Sonhos, e também em “Sonho de uma noite de verão”, na qual entrega a primeira de duas peças que escreveria para Morpheus. Mostrando um Shakespeare envelhecido, cansado e melancólico, esse capítulo final mistura elementos da vida do escritor, a trechos de sua última peça. Mais uma homenagem de Gaiman a um de seus autores favoritos, a história desenhada por Charles Vess é um fechamento à altura para uma grande série de quadrinhos.

Uma HQ bem elaborada, o capítulo final de Sandman trata também de como as escolhas e suas consequências influenciam nossas vidas e as das pessoas à volta. Sem ter o valor de seu trabalho reconhecido pela mulher e sendo cobrado por sua filha por não ter sido um pai presente, Shakespeare se pergunta “se valeu a pena” viver pela arte. Poderíamos responder que “sim”, a esse autor de obras que continuam relevantes quase quatrocentos anos após sua morte. Ainda assim, esse é um questionamento que deve rondar os pensamentos de Gaiman e de todos que dedicam a vida à criação artística, muitas vezes deixando de lado o que outras pessoas chamam de “felicidade”.

Prova de que as HQs podem se igualar às melhores criações literárias de nosso tempo, esse último volume de Sandman não me agradou tanto quando o li pela primeira vez. Foi preciso que alguns anos se passassem e que eu amadurecesse para poder apreciar a beleza e compreender a profundidade dessa história em quadrinhos. Coincidentemente, há alguns dias eu conversava com uma querida amiga sobre escolhas e a passagem do tempo, sobre amor e perda. Ao acabar de ler Sandman: Despertar, fecho as páginas desse belo livro com aquela boa sensação que a verdadeira arte pode nos dar: a de que outras pessoas também sentem o que sentimos e de que, no fim, não estamos sós.

08/08/2008

Nilson, o criador de A Caravela, completa 60 anos.


Veterano dos quadrinhos e cartuns, Nilson Azevedo costuma se definir como sendo “o cartunista anônimo mais famoso de Belo Horizonte”. Criado na pacata Raul Soares (MG), o filho da Dona Aracy publicou seus primeiros desenhos em 1967, pelas mãos de Ziraldo, no Cartum JS (o suplemento humorístico do Jornal dos Sports). O sucesso de público veio no início dos anos 70, com a série de tiras e HQs do Negrim, publicada no jornal Estado de Minas. Em seguida, ele foi para São Paulo, onde trabalhou ao lado de Henfil, publicando charges e quadrinhos em jornais alternativos e também na Folha de São Paulo. Nas duas últimas décadas, sua principal atuação tem sido na imprensa sindical e também na produção de cartilhas educativas.

Grande conhecedor dos quadrinhos e incentivador de novos quadrinistas (como este que vos escreve), Nilson produziu várias séries de tiras e HQs (como Pery a Perigo e Pingo de Gente), mas talvez sua criação mais elaborada seja A Caravela. Para homenageá-lo neste dia em que completa sessenta anos de vida, publico a seguir meu texto de apresentação para a coletânea de tiras lançada pela Marca de Fantasia. A Nilson, então, nossos parabéns e um muito obrigado!

Muita coisa pode ser dita sobre a série de tiras e histórias em quadrinhos A Caravela. Antes de mais nada, deve-se dizer que se trata de um quadrinho da melhor qualidade. Sendo parte de um projeto iniciado há três décadas e ainda em andamento, essa “aventura marítima” se passa em pleno Oceano Atlântico, por volta de 1530. A bordo da caravela Flor do Lácio e na companhia de sua tripulação de nobres, militares, clérigos e marinheiros, somos levados numa viagem que tem como destino incerto o Novo Mundo, ou o fundo do mar (e que também nos leva a interpretar A Caravela como uma alegoria social que faz jus à tradição crítica do humor jornalístico).

Como toda história, a das “Grandes Navegações” é feita de pequenos fatos, um punhado de mentiras, diversas versões, várias lacunas e alguns esquecimentos. Nos livros de História, ao lado de nomes como Colombo, Vasco da Gama ou Cabral, pouco se diz sobre os milhares de marinheiros que “ajudaram” a fazer aquela história. Por sorte, nas tirinhas de Nilson podemos conhecer alguns desses anônimos personagens, como Joaquim e Manuel que, embora sejam ficcionais, em muitos sentidos, são menos fictícios que vários dos figurões que pululam nos manuais escolares (o que faz de A Caravela uma autêntica paródia histórica).

Transformando-se ao longo das mais de 200 tiras da série, Joaquim e Manuel escapam do estereótipo da dupla cômica, formada por um personagem “ridículo” e outro “consciente”. Apanhados numa história da qual se recusam a ser meros coadjuvantes, eles nos fazem lembrar dos arquetípicos Dom Quixote e Sancho Pança (pois como sugere o próprio Joaquim, essa Caravela de Nilson é também uma metáfora existencial). Haveria ainda muito que dizer dessa série de quadrinhos (sobre a reconstituição de época precisa, sobre a narrativa criativa, os desenhos saborosos ou o humor que busca provocar a consciência das leitoras e dos leitores). Poderia se dizer ainda muita coisa, mas deixarei que vocês mesmos descubram porque A Caravela é, de fato, um quadrinho da melhor qualidade.