31/07/2008

Erotismo e belas imagens em álbuns europeus.


Um dos modelos de publicação mais bem-sucedidos dos quadrinhos é o álbum europeu (ou “franco-belga” como é mais conhecido por lá). Com uma elaboração plástica superior e um conteúdo literário ausente nos comics em geral, o formato álbum já originou algumas das melhores criações da arte dos quadrinhos (Verão Índio, Companheiros do Crepúsculo e Tangências, para citar alguns favoritos). Recentemente, tive acesso a dois interessantes trabalhos: Predadores I lançado pela brasileira Devir (capa cartonada, 20cm x 28cm, 64 páginas, R$29,90) e Vidas a Contraluz da espanhola Diábolo (capa-dura, 22,5cm x 30cm, 72 páginas, 15 euros).

Escrita pelo belga Jean Dufaux e ilustrada pelo italiano Enrico Marini, a série Predadores foi lançada há dez anos, somando cinco volumes. A história se passa em Nova York, onde misteriosos assassinatos chamam a atenção da tenente Vicky Lenore e do detetive Benito Spiaggi. Avançando em sua investigação, a dupla de policiais acaba deparando com uma antiga e poderosa sociedade secreta. Mas os mistérios só começam a despontar quando os crimes investigados colocam em cena o que parecem ser duas raças de vampiros inimigas. Embora haja algum sangue derramado neste primeiro volume, os supostos vampiros não exibem as tradicionais presas afiadas.

Na verdade, os irmãos Camilla e Drago (principais destaques do álbum) preferem um estilo mais contido, trocando o terror, pela sensualidade. Se essa primeira edição não vai muito além de colocar as “peças no tabuleiro”, as primeiras cinquenta páginas de Predadores devem agradar a quem gosta de tramas envolvendo sociedades secretas. De qualquer forma, o melhor do álbum são suas imagens de traços elegantes, finalizadas com técnicas de pintura (algo que se tornou característica dos álbuns europeus). Com páginas atraentes e bem finalizadas, a HQ ainda nos brinda com cenas de sexo e belas personagens seminuas, não trazendo, contudo, todo o erotismo de outros quadrinhos europeus (de Manara ou Crepax, por exemplo).

Vidas a Contraluz, produzida pela dupla Raule e Roger, é uma coletânea de histórias curtas que haviam sido publicadas em 2002 e 2003. O trabalho dos autores evidencia um bom entrosamento que envolve o leitor na ambientação cotidiana de suas narrativas. O melhor fica por conta da primeira parte (“Amores Muertos”) que tem como tema central fantasmas; mas não os espectros das histórias de terror, e sim a lembrança e o vazio deixados pelos amores perdidos. Aqui também o erotismo e belas mulheres nuas são atrativos à parte, com páginas em que o sexo é bastante explícito e por vezes poético. Uma HQ para “gente grande”, o álbum da Diábolo narra dramas reais, com personagens não mais que humanos, em belas sequências ilustradas.

Em linhas gerais, Vidas a Contraluz é um trabalho bastante profissional, publicado de forma exemplar por uma pequena editora voltada aos quadrinhos do próprio país (repetindo a valorização dos autores locais que sempre beneficiou e fundamentou os álbuns europeus).

30/07/2008

Séries da Vertigo em lançamentos da Pixel.


Como foi bastante divulgado nas últimas semanas, a Pixel Media está passando por uma fase de reestruturação editorial e administrativa. Com isso, o volume de lançamentos da editora foi significativamente reduzido neste mês. Além disso, edições mensais como a Fábulas Pixel têm sofrido atrasos, enquanto o projeto de lançar quatro edições mensais seguidas de 100 Balas parece ter sido suspenso. Para consolo dos leitores, a editora levou às bancas duas boas edições com séries da Vertigo: a revista Pixel Magazine n°16 (96 páginas, formato 17cm x 26cm, R$10,90) e o encadernado Monstro do Pântano: Amor em vão – Completo (96 páginas, 16,5cm x 25cm, R$12,90).

A nova edição da Pixel Magazine traz capítulos das séries Hellblazer e DMZ, além de uma HQ curta de Histórias do Amanhã: Greyshirt. Mas o principal destaque desse número é a estréia de Y – O Último Homem. Escrita por Brian K. Vaughan, um dos roteiristas do seriado de tevê Lost, a série já teve algumas edições publicadas no Brasil, mas os editores da Pixel optaram por começar do início. Um dos grandes sucessos do selo Vertigo nos últimos anos, a série promete uma boa viagem para quem a acompanhar. Nesta primeira HQ introdutória, conhecemos o artista de fugas Yorick e o irritante macaco Ampersand. Após um misterioso evento, ao que parece todos os machos do planeta simplesmente morrem instantaneamente. Os únicos sobreviventes são o jovem norte-americano e o macaco que ele adotou como bichinho de estimação.

Uma trama superestrutural é sugerida, envolvendo alguma ficção científica e segredos governamentais, porém a primeira edição da série não vai muito além de uma introdução. Conhecemos as personagens fundamentais, como a namorada e a irmã de Yorick, além da agente conhecida pelo codinome 355. Qualquer desenrolar, no entanto, fica reservado para as edições seguintes. Quanto aos desenhos, o trabalho de Pia Guerra e Jose Marzan é competente em representar personagens e situações, embora não vá muito além em termos de expressividade artística. Baseado numa ambientação cotidiana, sem personagens ou sequências fabulosas, o visual da HQ reforça a sensação de que estamos lendo um quadrinho que mais parece um seriado da tevê. Precisamos agora esperar para ver aonde a criação de Vaughan e Guerra levará.

Uma nota curiosa diz respeito à antepenúltima página dessa HQ de estréia. Quando a li pela primeira vez numa coletânea promocional da Vertigo, dei uma risada diante do desconhecimento do roteirista e desenhista sobre a realidade brasileira. No primeiro quadro da referida página, no qual se lê “São Paulo, Brasil”, vemos uma cena num campo de futebol, onde dois times devidamente uniformizados se enfrentavam. As equipes, no entanto, são de jogadoras, usando camisas com números no lugar de escudos dos times, sendo que um deles ainda por cima se chama “Dellacruz”, enquanto o juiz da partida usa calças compridas e camisa listrada. Todos sabemos, é claro, que no Brasil o futebol feminino, infelizmente, não conta com times organizados, e que muito menos se fala espanhol por aqui.

Monstro do Pântano: Amor em vão – Completo nos leva por uma macabra, grotesca e aterrorizante viagem pelos rincões da Luisiana. Mais uma vez, o defensor do Verde se vê às voltas com seu mais recorrente inimigo e também alguns demônios saídos do inferno, tudo em meio a crises de identidade e casos amorosos. Escrita por Joshua Dysart e ilustrada por Enrique Breccia, “Love in Vain” foi publicada nas edições 9 a 12 da Swamp Thing e lançada originalmente pela Pixel em duas partes. O encadernado que chega à bancas agora é, na verdade, uma colagem do encalhe daquela primeira edição. Mas quem perdeu da primeira vez não deve deixar passar a nova oportunidade. Alguns pequenos vacilos na narrativa não chegam a comprometer essa HQ de imagens estranhissimamente arrebatadoras. Um terror na medida certa, que perpassa uma trama macabra repleta de situações e imagens grotescas. Um fruto estranho dos quadrinhos norte-americanos que, de forma original, brinca de rimar amor com terror.

27/07/2008

Conrad lança o quarto volume da coleção Calvin e Haroldo.


Está chegando às livrarias o quarto volume da coleção completa de Calvin e Haroldo, lançada pela Conrad em seu formato original. Com o humor sensível e os personagens carismáticos criados por Bill Watterson, Yukon Ho! havia sido publicado no Brasil pela Cedibra há quase vinte anos (com o título Yukon, Hei!), ganhando agora uma nova tradução e uma qualidade de impressão superior.

A premiada série Calvin e Haroldo foi lançada em 18 de novembro de 1985 e encerrada em 31 de dezembro de 1995, sendo considerada por alguns a melhor tira cômica já produzida. Apresentando-nos o impagável Calvin (um hiperativo menino de seis anos) e seu inseparável amigo Haroldo (um tigre de pelúcia com muita “personalidade”), a tira traz uma galeria de coadjuvantes que inclui os pais do garoto, sua babá, professora e coleguinhas de escola. Invariavelmente, todos acabam vistos e julgados pela ótica implacável de Calvin, quando não são vítimas de sua fértil e incontida imaginação. Este, aliás, é o elemento que fez da série uma obra-prima dos quadrinhos: as fantasias e a lógica de uma criança apresentadas de forma autêntica.

As viagens imaginárias e os delírios infantis de Calvin são, é claro, um dos principais ingredientes de Yukon Ho!. Um camaleão, uma lesma, uma baleia e um tiranossauro rex são alguns dos bichinhos nos quais o menino se imagina transfigurado. Mas há também um “raio x ambulante”, o super-herói “Homem-Estupendo” e o “Todo-Poderoso Calvin”, sem falar no ótimo “Astronauta Spiff”. Ao final do livro, temos ainda uma longa sequência em que ele e Haroldo se enfrentam num duelo de transfiguração (que parece ter sido inspirado na disputa entre o Mago Merlin e a Madame Min, do desenho da Disney A espada era a lei). Em outros momentos, a imaginação de Calvin se direciona às pessoas à volta (mãe, pediatra, professora) e são elas que aparecem transfiguradas em monstros gosmentos ou alienígenas asquerosos.

Aprofundando a relação entre Calvin e Haroldo, o livro dá espaço a ótimos momentos com os pais do menino e até mesmo a uma sequência com um tio Max (personagem secundário que Watterson considerou, mais tarde, não ter sido uma boa idéia). Algumas das melhores tiras e HQs reunidas em Yukon Ho! são aquelas em que aparece a coleguinha de sala Susie, geralmente em situações envolvendo bolas de neve, tarefas escolares ou as diferenças entre meninos e meninas. O que essas variadas interações de personagens acabam evidenciando é o elemento que tornou Calvin e Haroldo um quadrinho tão significativo e permanente; ou seja, a capacidade de captar, com humor e sensibilidade, elementos da condição humana. E tudo representado num traço expressivo, dinâmico e cativante.

Yukon Ho! abre com “A Canção de Yukon” (uma espécie de hino a Passárgada na versão Calvin), avançando por páginas e mais páginas de elogios às férias de verão, substituídos mais tarde pela espera da neve e do Papai Noel (cuja existência é brilhantemente questionada). Mas há ainda espaço para temas mais sérios, como o efeito estufa, o lixo tóxico e as armas nucleares, que ecoam preocupações ambientais muito presentes hoje. No geral, a tradução da Conrad é bastante competente, embora cometa um excesso de liberdade na página em que Haroldo diz: “Não desista dos relógios, Santos Dumont”. Não conheço o texto original em inglês, mas nele certamente o cartunista norte-americano não fez uma referência ao brasileiro que inventou o avião (o que se lê na versão da Cedibra é: “Não venda sua fábrica de cera, Ícaro”).

Yukon Ho! tem 128 páginas, formato 21,5cm x 22,5cm e capa cartonada, chegando às livrarias ao preço de R$29,90 e à venda em preço promocional na loja da editora. Imperdível para os fãs de Calvin e Haroldo, o livro é também perfeito para quem ainda não conhece essa memorável série de tiras e HQs.

25/07/2008

Chega às lojas o “Animatrix” do Batman.


Acompanhando o avassalador sucesso do filme O Cavaleiro das Trevas, chegou às lojas o DVD com a animação Batman: O Cavaleiro de Gotham, o mais recente lançamento da série DC Universe. Trazendo seis episódios curtos produzidos por Bruce Timm e dirigidos por diretores japoneses, a animação situa-se entre os dois longas-metragens do Homem-Morcego dirigidos por Christopher Nolan. O desenho obviamente segue o modelo de Animatrix, colocando lado a lado diferentes estilos de desenho e ritmos de animação, ao mesmo tempo em que adiciona peças às histórias narradas no cinema.

Batman: O Cavaleiro de Gotham é uma animação feita para os fãs do herói e, em especial, para aqueles que gostaram de Batman Begins. O leitor mais purista poderá estranhar as diferentes abordagens e visuais que se sucedem de episódio a episódio. Na verdade, porém, a diversidade de estilos empregados para narrar cada história revela-se a maior virtude dessa produção. O fato é que os roteiros em geral, escritos por David Goyer, Alan Burnett, Brian Azzarello, entre outros, deixam a desejar. Assim, o melhor dos 75 minutos de animação fica mesmo por conta das imagens e do ritmo em estilo anime.

A produção tem lá seus altos e baixos, seus episódios melhores e piores. Além disso, a liberdade criativa dada aos diretores japoneses originou algumas inconsistências, como diferenças na cor dos olhos de Bruce Wayne e na aparência de personagens coadjuvantes. Contudo, trazendo bastante ação, tiros e cenas de luta, o DVD deverá agradar a quem gosta das tramas mais policiais envolvendo o Batman. Diretamente relacionados aos eventos mostrados em Batman Begins, os episódios deixam de lado os bat-vilões mais tradicionais, contando apenas com a participação do Espantalho e de Croc.

Em todos os sentidos, o melhor de Batman: O Cavaleiro de Gotham está no primeiro e quarto episódios. “Eu tenho uma história para você” repete uma fórmula já utilizada em quadrinhos e desenhos do Homem-Morcego, em que pessoas comuns se sentam para contar suas histórias sobre o herói. Neste caso, jovens skatistas narram como foram seus encontros com o Cavaleiro de Gotham, descrevendo-o como cada um o viu, ou seja, uma sombra viva, um morcego gigante e uma armadura-robô. O visual e acabamento são de primeira, lembrando o mangá Preto & Branco ou as HQs de Miguelangelo Prado.

Já “Esconderijos na Escuridão” tem uma atmosfera que parece o cruzamento de Blade Runner com as HQs de Mike Mignola. Numa grotesca e sombria viagem aos esgotos de Gotham, o Homem-Morcego enfrenta aberrações humanas e loucos fanáticos. Com enquadramentos inclinados e personagens distorcidos, o episódio é eficiente ao apresentar o monstruoso Croc e situar o vilão Espantalho após os acontecimentos de Batman Begins. Outros episódios, como “Teste de Campo” e “Lidando com a dor”, trazem elementos interessantes, como um visual diferenciado para o Batman ou sequências de animação passadas na Índia.

Pessoalmente, eu esperava mais de Batman: O Cavaleiro de Gotham. Em especial, se considerarmos toda a antecipação e os recursos milionários que envolveram o projeto. Mas esse anime do Homem-Morcego vale uma conferida por suas abordagens originais de um super-herói clássico. Para quem quiser conferir, o DVD traz alguns extras, nem todos traduzidos, estando à venda por R$29,90. E para quem quiser saber mais sobre os quadrinhos, filmes e animações do Batman, basta clicar nas palavras em destaque abaixo.

22/07/2008

O novo filme do Batman (e do Coringa).


Estreou na última sexta-feira O Cavaleiro das Trevas, segundo filme do Batman dirigido por Christopher Nolan e protagonizado por Christian Bale. Também trazendo um elenco estelar, o novo longa-metragem é muito superior a Batman Begins e tem como destaque a impressionante atuação de Heath Ledger no papel do Coringa. Seu trabalho é tão original e intenso que, segundo se especula, pode até render um Oscar póstumo, além de influenciar a forma como o vilão aparecerá futuramente nos quadrinhos.

Diferente do primeiro filme dirigido por Nolan, O Cavaleiro das Trevas tem um roteiro interessante, no qual os principais personagens são bem aproveitados. A história avança no que foi mostrado em Batman Begins, contando com uma pequena aparição do vilão Espantalho e aprofundando a relação do Homem-Morcego com Alfred e Lucius Fox, interpretados por Michael Caine e Morgan Freeman. Mas o que realmente ganha dimensão e relevo é a atuação do Comissário Gordon, vivido por Garry Oldman, que assume a condição de principal coadjuvante. Há ainda o promotor Harvey Dent, interpretado por Aaron Eckart, e a advogada Rachel Dawes, vivida por Maggie Gyllenhall, que substitui a inócua Katie Holmes. Porém, como já se podia notar em algumas imagens promocionais, O Cavaleiro das Trevas é mesmo um filme do Batman no qual o Coringa é a grande estrela.

A versão encarnada por Ledger traz os elementos básicos do vilão, representado como um homicida insano com um senso de humor sádico e um visual peculiar. Mas a caracterização e interpretação do ator australiano diferem das tradicionais versões de Cesar Romero e Jack Nicholson, sendo mais realista e perturbadora. Em primeiro lugar, a caracterização de Ledger não simula uma pele branca, mas sim uma maquiagem borrada e escorrida, com um sorriso falso que encobre cicatrizes. Completam a figura um cabelo esverdeado que parece suado e sujo, além de um terno roxo, escuro e surrado. Já a interpretação é mais contida e menos cômica que as anteriores, marcada por uma postura corporal particular e por trejeitos inquietantes. Chamado de “terrorista”, o novo Coringa é manifestadamente mais crível e assustador que seus antecessores.

A impressionante atuação de Ledger teria tudo para se repetir num terceiro filme dirigido por Nolan. Mas, com a morte do ator em janeiro deste ano, o Coringa deverá ficar de fora da provável sequência de O Cavaleiro das Trevas. Certamente, porém, ator e personagem ficarão definitivamente associados, e isso não apenas pela caracterização e interpretação originais. Logo que a morte de Ledger foi anunciada, não faltou quem associasse sua overdose de remédios para insônia e ansiedade à pesada carga emocional associada ao “palhaço do crime”. Provavelmente, essa nova versão do Coringa, ainda mais doentia e estranha, deverá também influenciar futuras aparições nos quadrinhos da DC Comics. Especulações à parte, o personagem psicótico de Ledger não deixa muito espaço para outros bat-vilões, como Espantalho e Duas-Caras, valendo por si só a ida ao cinema.

Os únicos senões nas mais de duas horas do longa-metragem dizem respeito a alguns exageros e a situações inexplicadas e inexplicáveis. No entanto, O Cavaleiro das Trevas é uma ótima produção cinematográfica baseada nos quadrinhos, que deverá agradar mesmo àqueles que não lêem as HQs do Homem-Morcego. Por isso mesmo, os fãs de Batman e Coringa podem tranquilamente levar suas namoradas para assistirem a Christian Bale e Heath Ledger, com direito a ótimos coadjuvantes, numa história interessante e empolgante. Nestes tempos de ingressos tão caros, O Cavaleiro das Trevas é um filme que vale o investimento.

Para quem quiser saber mais sobre os quadrinhos e filmes com Batman e Coringa, basta clicar nas palavras em destaque abaixo.

16/07/2008

Shazam! ganha nova versão, por Jeff Smith.


Depois de lançar no Brasil o Spirit na versão de Darwyn Cooke, a Panini publicará em breve Shazam! The Monster Society of Evil, história em quatro partes escrita e desenhada por Jeff Smith (o premiado criador da série Bone). Partindo da história original criada pelo roteirista Bill Parker e pelo desenhista C.C. Beck, a nova HQ mistura elementos tradicionais, com uma contextualização atualizada.

Foi em 1940, nas páginas da revista Whiz Comics n°2, que o jovem vendedor de jornais (em seguida radialista) Billy Batson pronunciou pela primeira vez a palavra mágica “Shazam!”. Nascia assim o Capitão Marvel, “o mortal mais poderoso da Terra” e sem dúvida um dos super-heróis mais populares da história dos quadrinhos. Sucesso imediato, o herói logo ganhou a companhia de Mary Marvel e Capitão Marvel Jr. (formando a Família Marvel), além do tigre falante Tawky Tawny (Sr. Malhado). Para completar, alguns dos vilões mais interessantes das HQs: o gênio do crime megalomaníaco Dr. Silvana e o Sr. Cérebro, uma minhoca alienígena que quer dominar a Terra. Realizando o sonho dos garotos e garotas da época, com suas palavras mágicas e boas ações, os jovens heróis da Família Marvel conquistaram a liderança do mercado norte-americano.

Preocupada com a perda de espaço, a DC Comics iniciou um infame processo de plágio contra a Fawcett Comics, alegando que o Capitão Marvel seria uma cópia do Super-Homem (!!!). O resultado foi o silenciamento da palavra "Shazam!" por vinte anos (o que teve como efeitos colaterais a criação de Marvelman na Inglaterra e a possibilidade de a Marvel Comics criar seu próprio Capitão Marvel). Mas, quer seja por seu visual inovador, quer seja por suas histórias inventivas ou personagens carismáticos, as HQs originais do Capitão Marvel desenhadas por C.C. Beck influenciaram criações e autores ao longo das décadas. O herói voltaria a ser publicado em 1973, agora pela DC Comics, ganhando diferentes abordagens nos últimos tempos (como a versão infantilizada na Liga da Justiça dos anos 80 e a hiperrealista das graphic novels de Alex Ross).

Após completar a aclamada saga de Bone, foi a vez de Jeff Smith tentar imprimir sua marca pessoal a Shazam!. Em princípio, não poderia haver uma escolha mais adequada ou óbvia, já que seu trabalho deve muito ao estilo cartunizado desenvolvido por C.C. Beck. Contudo, considerando os personagens envolvidos e o talento do autor, The Monster Society of Evil decepciona um pouco. Embora traga uma boa recriação do “mito de origem” do Capitão Marvel (com a aparição do Mago Shazam e tudo o mais), o primeiro capítulo tem uma estrutura truncada. Outro fator que atrapalha são algumas das “liberdades” tomadas por Smith na abordagem de personagens como Tawky Tawny, Dr. Silvana e Sr. Cérebro. Sobretudo, o clima “pós-11 de setembro” e a histeria anti-terrorista que perpassa o roteiro anulam a atmosfera de maravilhamento que o herói pede.

Mas a Shazam! na versão de Jeff Smith também tem suas virtudes e seus bons momentos. O ponto alto da HQ se dá, sem dúvida, quando Mary Marvel ganha seus poderes, reagindo de uma forma autenticamente infantil. E mesmo que os desenhos pareçam pouco dinâmicos em alguns momentos, o visual como um todo funciona bem. Na verdade, o estilo cartunizado de Smith e a colorização em computador de Steve Hamaker produzem imagens que parecem saídas de um desenho da Disney. Aliás, sendo uma história fechada que não tem relação direta com a cronologia das revistas da DC, The Monster Society of Evil é uma forte candidata a se tornar uma animação da linha DC Universe (a série de desenhos produzidos para DVD, a partir de sucessos dos quadrinhos de super-heróis). A edição norte-americana em capa-dura traz ainda uma ótima seção de extras.

A Panini havia anunciado o lançamento de Shazam! A Sociedade dos Monstros como uma minissérie em quatro edições (como lançada originalmente nos Estados Unidos). Porém, houve uma alteração nos planos da editora e a HQ deverá ser lançada, neste segundo semestre, como edição única. Certamente, o trabalho vale uma conferida pelos fãs do personagem, apesar de não ter o "charme" da série original.

13/07/2008

A “ficção sombria” de Cthulhu.


Diferente do que ocorre no Brasil, pequenas e médias editoras da Espanha investem prioritariamente em quadrinhos de autores nacionais, podendo também lançar produtos estrangeiros. Este é o caso da Diábolo Ediciones que, entre outros lançamentos de quadrinistas espanhóis, publica a antologia de terror Cthulhu. Tive a oportunidade de "intercambiar" alguns de meus quadrinhos pelas duas primeiras edições da revista, que podem ser melhor definidas como pequenos álbuns temáticos reunindo vários autores, HQs, textos e histórias ilustradas.

Coordenada por Lorenzo Pascual e Pilar Lumbreras, Cthulhu tem ótima produção gráfica, com capa plastificada e impressão em papel couché, trazendo 64 páginas de miolo em seu primeiro número e 80 no segundo. O título, é claro, refere-se à monstruosa quimera de polvo e dragão idealizada pelo escritor norte-americano H. P. Lovecraft. Alguns dos trabalhos do primeiro número são diretamente adaptados ou parcialmente inspirados em contos e poemas do autor de “A cor que veio do espaço” e “O chamado de Cthulhu”, não faltando sequer uma página da série El Joven Lovecraft (algo como Calvin feito em Expressionismo Alemão). Já a segunda edição, dedicada a histórias de fantasmas, presta um tributo ao escritor britânico M. R. James, com a adaptação de seus contos e incluindo um artigo sobre as “ghost stories” da Era Vitoriana.

À primeira vista, além da qualidade de impressão, salta aos olhos a diversidade de estilos e técnicas empregados em Cthulhu. De um traço mais fotográfico com meios-tons em computação gráfica, passando por páginas coloridas também em computação, até chegar ao mais puro contraste entre preto & branco, a publicação espanhola consegue manter uma unidade na soma das diferenças. Esta unidade vem da temática comum às histórias de terror, que os autores optam por classificar como “ficção sombria”. Há, é claro, uma variação na qualidade artística e mesmo na capacidade técnica dos autores reunidos. Mas é notável que, mesmo nas HQs mais fracas, há algo de interessante (quer seja uma idéia original, quer seja um desenho inspirado). Isto pode ser atribuído ao próprio fundamento da Cthulhu, que é o de ser uma publicação autoral.

As melhores HQs das duas primeiras edições são as assinadas por Pepe Avilés. Em “Oscuridad”, uma expedição de barco que poderia ter feito parte do filme Tubarão acaba mal quando cruza caminho com uma misteriosa criatura das profundezas. Com boa narrativa visual, que se vale de silêncios e contrastes, o autor consegue construir a tensão, envolvendo o leitor até o arrebatamento final. Já o visual em si conta com desenhos eficientes, alternando contrastes em P&B e meios-tons (a título de comparação, o traço lembra muito o estilo de Dave Gibbons em seus melhores momentos). Fechando a segunda edição, “La Advertencia” apresenta uma técnica ainda mais elaborada, com uma narrativa visual impecável, numa história de fantasmas que, no fim, escapa aos lugares-comuns do gênero. Por tudo isso, Avilés é um autor que vale a pena ser conhecido.

Talvez, porém, o mais surpreendente em Cthulhu n°s 1 e 2 não seja uma de suas HQs, e sim as histórias ilustradas criadas pelo escritor Raule e pela ilustradora Meritxell Ribas. Em “Viaje al Más Allí”, uma menina persegue a misteriosa dama que conduz seu irmão “até o umbral onde tudo termina”. Com textos curtos de quatro versos rimados (quadrinhas), a história de cinco páginas impressiona pelas elaboradas ilustrações (que parecem saídas das melhores animações de Tim Burton, como Vincent ou O Estranho Mundo de Jack). Melhor ainda é a bela, arquetípica e horripilante “En lo profundo del bosque”, com seu texto rimado e preciso, suas ilustrações sombrias e envolventes. Uma vez que as editoras brasileiras interessam-se mais por autores estrangeiros, a bela obra produzida pela dupla Raule e Meritxell seria uma ótima opção.

Em princípio, Cthulhu terá edições semestrais, dependendo da resposta dos leitores. Com seus dois primeiros números, a revista prova que mesmo uma iniciativa modesta pode fazer diferença num mercado dominado por quadrinhos comerciais. O resultado é que todos saem ganhando. A editora, por ter produtos originais e interessantes para vender. Os autores, por terem seus trabalhos publicados. Os leitores, por terem mais opções de quadrinhos para ler. E a arte dos quadrinhos que ganha em nuances, linguagens e olhares regionais ou pessoais, que se sobressaem na produção massificada predominante. Certamente, um exemplo que deveria ser seguido por mais editores mundo afora!

07/07/2008

Planetary e Authority em coletâneas e edições especiais.


Entre os trabalhos de maior sucesso criados pelo roteirista inglês Warren Ellis, estão as séries Authority e Planetary, lançadas pelo selo Wildstorm da DC Comics. Para os fãs desses super-heróis “pós-modernos”, a Pixel lançou há pouco Planetary - Deixando o Século 20, Authority - Terra Infernal e outras histórias e Authority - Choque de Realidades Parte1.

Terceira coletânea da série produzida por Warren Ellis, John Cassaday e Laura Martin, Deixando o Século 20 reúne as edições 13 a 18 de Planetary. Na primeira história do volume, os autores nos levam à Europa do início do século passado, onde encontramos monstros de Frankenstein reptilianos, um demoníaco Conde Drácula e um envelhecido Sherlock Holmes. Além das citações literárias, há uma referência direta aos extraordinários cavalheiros reunidos por Alan Moore e Kevin O’Neill. Vale notar que Ellis e Cassaday utilizam em sua HQ justamente os personagens mais emblemáticos que ficaram de fora da Liga Extraordinária.

No capítulo seguinte, continuamos descobrindo importantes fatos sobre o passado do Planetary, em meio a mais citações a outras obras. Na primeira frase de “Ponto Zero”, uma óbvia referência ao seriado Arquivo-X, que se repete nos diálogos envolvendo naves derrubadas, supostas abduções e alienígenas. Com uma participação especial da bengala-martelo do herói Thor, o capítulo também traz uma sequência que mais parece um cruzamento do “armário” de armas do filme Matrix, com o "Ideaspace" da série Miracleman. Impressiona a condensação de informações, num roteiro que não deixa de ser muito dinâmico.

O terceiro capítulo da edição faz uma viagem à Austrália, com direito à recriação de um mito de origem aborígine. Mas, embora parta de uma idéia interessante, seu roteiro é o menos bem-solucionado desse terceiro volume. Para compensar, a maior linearidade do roteiro seguinte nos leva a uma China antiga bem ao estilo do filme O Tigre e o Dragão. Cenas de luta empolgantes e ilustrações belíssimas são as características principais dessa impressionante HQ “cinematográfica”, em que o trabalho de Cassaday e Martin chega a seu ápice. O final é mais comum em termos de narrativa, tendo como objetivo avançar na trama de Planetary.

A viagem seguinte é à África, onde um Elijah Snow mais jovem encontra uma cidade gloriosa e o primeiro amor de sua vida. Um destaque fica por conta da desconstrução do herói Tarzan que, ao ser recriado por Ellis, evidencia seus fundamentos etnocêntricos e racistas. Essa história traz ainda o único momento minimamente erótico em Planetary, nas cenas em que vislumbramos uma bela e sensual mulher africana. Por fim, temos um capítulo importante para a conclusão da série, no qual os autores aproveitam para homenagear a ficção científica pioneira de Júlio Verne. De quebra, os agentes do Planetary capturam um de seus piores inimigos.

Planetary - Deixando o Século 20 tem 144 em 17cm x 24cm, custando R$37,90. Se no caso de séries como Os Invisíveis e Preacher a publicação em formato reduzido não traz grandes perdas, isso não acontece com Planetary. Basta uma olhada nas edições originais, ou na publicação desses mesmos capítulos na Pixel Magazine, para se notar uma perda nos desenhos. E considerando que essas mesmas HQs já haviam sido publicadas em “formato americano” pela Pixel, a opção pelo formato reduzido para este terceiro volume tem mais a ver com o trabalho da editora Devir, que havia publicado dessa forma os dois primeiros volumes da série. Somam-se a isso alguns equívocos de tradução.

Authority - Terra Infernal e outras histórias tem 176 páginas em formato 16,5cm x 25,5cm, ao preço de R$19,90, enquanto Authority - Choque de Realidades Parte1 tem 72 páginas em formato 17cm x 26cm, ao preço de R$9,90. Escritas e desenhadas por autores como Mark Millar, Garth Ennis e Frank Quitely, as duas edições concentram-se em catástrofes humanitárias, matanças sem-fim, pancadarias sem sentido e muitos desenhos ruins. Páginas e mais páginas de quadrinhos que não valem o papel em que são impressos. O tipo de HQ que, nos tempos sombrios da Image, eu costumava chamar de lixo cultural.

05/07/2008

O maravilhoso mundo estranho de Planetary.


De tempos em tempos, uma série chega para deixar sua marca no mercado norte-americano de quadrinhos. Este é certamente o caso de Planetary, a complexa e bela revista escrita por Warren Ellis e desenhada por John Cassaday, com cores produzidas por Laura Martin e outros colaboradores. Reunindo releituras de personagens clássicos, ficção científica de última geração, uma trama conspiratória envolvente e citações a filmes e quadrinhos famosos, essa HQ conquistou uma legião de fãs, que ansiosamente aguarda por sua conclusão. Mas o que faz de Planetary uma série tão cultuada e especial?

Surgida em setembro de 1998 numa história curta promocional (baseada na origem do Hulk), Planetary estreou como uma série regular do selo Wildstorm no primeiro semestre de 1999. Planejada inicialmente como uma revista bimestral de vinte e quatro edições autocontidas, a publicação passou a sofrer atrasos e ganhou três números extras, estendendo-se pelos anos seguintes (no momento em que escrevo este texto, o roteiro para a última edição está pronto e a HQ está sendo enfim desenhada). Sua premissa básica era a seguinte: o que aconteceria se um século de História secreta, envolvendo superpoderes, monstros e maravilhas, começasse a vir à tona? Em outras palavras, uma trama ao estilo de Arquivo-X, porém tendo como base os quadrinhos de super-heróis.

É aí que entram em cena o enigmático Elijah Snow, a superpoderosa Jakita Wagner e o irreverente Baterista, que formam a equipe de campo da Corporação Planetary. Sua missão é percorrer o mundo coletando informações e catalogando fatos que outros parecem interessados em manter longe dos olhos da Humanidade. E à medida que os “arqueólogos do impossível” avançam em sua caça aos mistérios, mais provas apontam para o envolvimento de conspiradores conhecidos como Os Quatro (vilões inspirados no Quarteto Fantástico). A cada passo também, uma nova peça é somada ao quebra-cabeça que liga o passado de Elijah a importantes fatos ocorridos no século 20, bem como à identidade do misterioso Quarto Homem.

Se para Jakita, Baterista e Elijah a verdade tanto pode estar “lá fora”, quanto nos recônditos da memória, Planetary também tem sua frase marcante: “É um mundo estranho. Vamos mantê-lo desse jeito”. E embora muito de sua estrutura tenha sido enunciado já na primeira edição, o fato é que a série cresceu e se transformou ao longo do caminho (o leitor atento pode até notar algumas correções de curso). Há, é claro, algumas falhas narrativas e momentos mais fracos (como a sequência que tenta imitar uma história saída de uma revista pulp). No entanto, à medida que os autores tomavam pé de sua criação, uma intrincada trama foi tomando forma e, ao fim dos dois primeiros anos, o leitor é defrontado com algumas respostas que abrem portas para outros mistérios.

Mas Planetary é muito mais que uma história de conspiração. Um dos elementos que se destaca nas primeiras edições são as releituras de antigos personagens, seguindo o caminho aberto por Alan Moore nas séries Marvelman, Watchmen e 1963 (não é à toa que o mago de Northhampton faz uma “participação especial” na Planetary n°7 e alguns de seus conceitos, como o “Infraspace”, aparecem ao longo da série). Contudo, o trabalho de Warren Ellis possui dimensão e alcance próprios. Partindo de personagens como Fu Manchu, Doc Savage e O Sombra, passando por versões distorcidas ou gloriosas dos heróis da DC, até mergulhar na “mitologia” dos heróis Marvel criados por Stan Lee e Jack Kirby, o roteirista consegue surpreender com enredos originais e inventivos.

Outro destaque de Planetary são as interfaces de linguagens artísticas e o cruzamento de diferentes gêneros. Temos, por exemplo, o encontro de cinema e quadrinhos nas edições dedicadas aos filmes de monstros e de espionagem, ou a intertextualidade de quadrinhos e literatura nos capítulos em que aparecem Tarzan, Sherlock Holmes e Drácula (com direito a uma referência a outra série “extraordinária”). E a diversidade narrativa não pára por aí: histórias de fantasmas e filmes policiais de Hong Kong, épicos chineses e mitologia aborígine, Júlio Verne e Arthur Clarke, Akira e Cavaleiro Solitário são algumas das referências que podemos ver lado a lado nas páginas e edições de Planetary (uma pluralidade que já se percebe em suas variadas capas).

Sendo uma revista que viaja pelos mundos da ficção, Planetary tem a virtude de (quase sempre) manter-se ligada a um contexto realista. Exceto pelos monstros gigantes, a quase totalidade dos mistérios revelados na série não viola sua premissa de poderem ter sido, de alguma forma, mantidos em segredo (bom, consideremos que, no mundo de Planetary, não existe jornalismo investigativo...). Assim, mesmo para os poderes mais incríveis e para as tecnologias mais mirabolantes, existe uma base científica ou uma contextualização histórica, ora nas mais recentes teorias da Física, ora nas conspirações reais da época da Guerra Fria. Neste sentido, o que nasceu como uma atípica revista de super-heróis da Wildstorm evoluiu para uma ficção científica de primeira linha.

O mesmo pode se dizer do visual, que começa como um trabalho eficiente e acaba se tornando algo belo e fascinante (basta comparar a primeira edição e a n°17, por exemplo). A partir do terceiro ano de publicação, os desenhos de John Cassaday e as cores de Laura Martin alcançaram uma qualidade raras vezes vista nos quadrinhos comerciais. Exibindo um realismo dinâmico, seus quadros e páginas trazem uma narrativa “cinemática”, gerando o que já foi chamado de widescreen comics (não é por acaso que algumas cenas de Planetary parecem ter saído de um filme de John Woo ou da trilogia Matrix). E se todo bom roteiro de quadrinhos precisa de um visual adequado, pode-se dizer que é o trabalho de Cassaday e Martin o que torna Planetary de fato uma ótima HQ.

Com boas doses de ação, diálogos na medida e até algum humor, com sua diversidade narrativa, desconstrução de antigos personagens e visual elaborado, Planetary é uma série que merece ser lida. Uma mistura singular de super-heróis, ficção científica, tramas conspiratórias e puro maravilhamento, numa das melhores revistas norte-americanas dos últimos dez anos. Embora a série perca um pouco da força nos últimos capítulos, sua última edição (anunciada para o final do ano) é aguardada com muita expectativa pelos fãs. Enquanto isso, Warren Ellis e John Cassaday colhem os frutos de um bom trabalho, dedicando-se a projetos pessoais e também a personagens mais comerciais, como os heróis mutantes da Marvel.

No Brasil, Planetary teve algumas edições ruins, como as coletâneas em formato reduzido e páginas internas foscas, lançadas pela Devir. Seu melhor momento foi na Pixel Magazine, onde os capítulos 13 a 26 foram lançados com qualidade gráfica adequada. A Pixel também lançou três edições especiais em formato ampliado (Planetary / Batman - Noite na Terra, Planetary / Liga da Justiça - Terra Oculta e Planetary / Authority - Dominando o Mundo) e uma terceira coletânea (Planetary: Deixando o Século 20) no inadequado formato reduzido. Mas há rumores de que a editora possa relançar os primeiros capítulos, seguindo o modelo da absolute edition norte-americana. Para quem ainda não conhece, Planetary vale conferir!

02/07/2008

Saudades do Arroz Integral!


Conheci Cleuber e o Arroz Integral há dez anos, numa convenção de quadrinhos em Belo Horizonte (MG). Na época, o movimento quadrinístico na cidade passava por sua melhor fase, com autores e publicações surgindo a cada dia. No meio de muita novidade, pastas, portifólios e originais, os desenhos aparentemente mal-acabados das primeiras tiras do Arroz Integral chamaram minha atenção.

Fiel à irreverência e à sinceridade que seriam as bases do underground e do grunge, Cleuber passou a desenhar exclusivamente o Arroz Integral. Nos anos seguintes, ele lançou fanzines, estabeleceu um estilo, reinventou esse estilo, explorou ao máximo o pequeno universo das bandas iniciantes. Com isso, a cada tira e nas HQs de página inteira, ele desenvolveu (quase intencionalmente) uma série original, inteligente e engraçada.

Misturando dilemas e sonhos juvenis, a série Arroz Integral pode ser resumida numa palavra: “nostalgia”. Não exatamente o sentimento definido nos dicionários, mas um certo estado de espírito então cultivado por Cleuber, como sendo: “aquela mesma velha nostalgia de sempre”. Essa característica é percebida em seus melancólicos personagens, que tentam manter a identidade, ao mesmo tempo em que buscam um lugar no mundo do rock.

As aventuras de Crof, Nico e Berly simbolizam uma esperança teimosa: a persistência em produzir quadrinhos no Brasil (sem apoio, nem recursos). E assim, contra todas as probabilidades, Cleuber seguiu retratando novos acontecimentos e revelando faces surpreendentes dos meninos do Arroz Integral. Com o tempo, sua proposta criativa também amadureceu, gerando histórias mais críticas e bem-estruturadas e desenhos mais elaborados e cativantes.

Pela amizade com o autor e por acreditar no trabalho, em 2002 editei e lancei a revistinha O Melhor do Arroz Integral e no ano seguinte O Lado B do Arroz Integral. Com fãs espalhados pelo Brasil, as pequenas edições não demoraram muito a desaparecer. Contudo, devido à impossibilidade de se dedicar profissionalmente aos quadrinhos, Cleuber acabou deixando de lado as tirinhas, HQs.

Para os fãs de Cleuber e do Arroz Integral, os últimos cinco anos sem seus ruídos e rabiscos foram de um silêncio ensurdecedor. Para aqueles que ainda não conhecem as tiras e HQs de Nico, Crof e Berly, restam alguns exemplares disponíveis na loja virtual da Marca de Fantasia. Por hora, fica a torcida para que Cleuber retorne aos quadrinhos e possa lançar novos “discos quadrados” com o Arroz Integral.