30/03/2008

Alan Moore repete receita para boas HQs.


Alan Moore pode ser considerado o autor de HQs mais influente do último quarto de século. Em mais de uma ocasião (Marvelman, Monstro do Pântano, Watchmen), seus roteiros e concepções inovadores definiram os rumos dos quadrinhos ocidentais. Com poucos momentos desprezíveis em sua carreira (como a minissérie Feudo de Sangue – ARGH!), o roteirista inglês conseguiu propor uma visão interessante até mesmo para o mais inócuo dos personagens, como aconteceu com Supremo.

Supremo apareceu em 1992, numa história menor para a revista Youngblood de Rob Liefeld (de longe o pior autor a fazer sucesso na historia dos quadrinhos). Plágio descarado do Super-Homem, o personagem clicheresco e violento foi um dos muitos clones dos super-heróis da Marvel e DC, surgidos na avassaladora onda de sucesso dos primeiros anos da Image Comics. Mas, após 40 edições lastimáveis, Liefeld conseguiu contratar Alan Moore para assumir os roteiros de seu herói. A condição para isso era que o roteirista pudesse começar do zero, reescrevendo como achasse melhor toda a história de Supremo. O resultado foi algo muito melhor do que se vira até então, que transformou a série numa sincera homenagem às histórias clássicas do Homem de Aço (ao invés de simplesmente plagiá-lo).

Ao longo de sua carreira (e em especial nos últimos anos), várias vezes Moore revisitou idéias ou reaproveitou concepções que ele já havia utilizado. A série Supremo oferece uma perspectiva dupla para esse fato. Por um lado, a revisão nostálgica das HQs do Super-Homem dos anos 50 já havia sido apresentada pelo roteirista na história em duas partes “O que aconteceu ao homem do amanhã”. A incorporação de conceitos científicos aos roteiros, como elementos fundamentais da trama, também já havia aparecido em Marvelman, sem falar na utilização de elementos metalinguísticos (naquele caso a referência às histórias clássicas do Capitão Marvel). Há também a concepção de várias versões extradimensionais de um super-herói, que Moore já havia utilizado em sua temporada na série do Capitão Bretanha (publicada pela sucursal inglesa da Marvel). Para completar, a simulação de quadrinhos antigos, com a imitação de textos e desenhos dos anos 60, fôra o mote da minissérie 1963.

Por outro lado, o trabalho desenvolvido por Moore em Supremo serviu de base para várias de suas criações posteriores para a linha ABC (publicada pela DC Comics através do estúdio Wildstorm). É isso que vemos, por exemplo, nas histórias do personagem Tom Strong com seus elementos metalinguísticos (como o aparecimento de uma revista em quadrinhos do personagem dentro da própria HQ) e o uso de diferentes desenhistas para marcar a representação do mesmo herói em épocas diferentes (variando de acordo com o estilo de desenho predominante na época em questão). Talvez mais significativo ainda seja a construção de roteiros inteiros a partir da história dos quadrinhos norte-americanos, como vemos na própria série Tom Strong, mas também em Promethea e Contos do Amanhã (com destaque para a aventura do grupo America’s Best para a revista Tomorrow Stories Special n°2, desenhada por Rick Veitch em estilo antigo e "envelhecida" com margens amareladas e manchas).

Todos esses elementos e algo mais estão presentes em Supremo: A Era de Bronze, terceiro volume de uma série de quatro livros editados pela Devir. Com 168 páginas coloridas, capa cartonada e formato 16,5cm x 24cm, a edição traz cinco capítulos, páginas de esboços, a versão alternativa para uma das HQs, uma seção de tiras “dos anos 50”, um pôster, algumas ilustrações e uma introdução escrita pelo editor Leandro Luigi Del Manto. O volume traz desenhos de Chris Sprouse, Rick Veitch e Melinda Gebbie (que trabalhariam mais tarde nas séries Tom Strong, Greyshirt e Cobweb, respectivamente), além do veterano Gil Kane. As histórias mostram o desenhista de quadrinhos Ethan Crane vestindo a capa do “Maestro de Marfim” para enfrentar as mais diversas ameaças extradimensionais e transtemporais.

Um duende saído da décima nona dimensão, o drama da "eterna namorada" de Supremo, uma inadvertida alteração da história dos Estados Unidos e o ataque de seus piores vilões são os desafios que o herói tem que vencer (numa sequência de HQs que termina com a participação especial de Bill e Hillary Clinton). É claro que, no fim, Supremo vence todos os desafios (embora não fique com a mocinha...). Mas o interessante mesmo são as várias referências e recriações da chamada “mitologia do Super-Homem”, em que não faltam uma Cidadela Suprema (que faz as vezes da Fortaleza da Solidão), o Inferno dos Espelhos (no lugar da Zona Fantasma) ou uma Liga do Infinito (que substitui a Legião dos Super-Heróis). Para completar, destacam-se os ótimos desenhos de Chris Sprouse (para as sequências atuais) e Rick Veitch (para as seções nostalgia).

Supremo: A Era de Bronze custa R$ 45,00, sendo uma boa pedida para quem leu A Era de Ouro e A Era de Prata (e com a promessa de que o volume final da série será lançado pela Devir ainda este ano). As primeiras HQs de Tom Strong também foram publicadas no Brasil pela Devir e as novas edições com o personagem saem agora pela Pixel, como aliás as demais séries da Linha ABC. Para saber mais sobre os quadrinhos de Alan Moore, clique no nome em destaque abaixo.

27/03/2008

Spirit de Will Eisner, por Darwyn Cooke.


A Panini começa a publicar neste mês as seis primeiras edições da série Will Eisner’s The Spirit, escritas e desenhadas por Darwyn Cooke, com arte-final de J. Bone e cores de Dave Stewart. Lançada em dezembro de 2006, a nova revista chegou com a proposta de atualizar esse personagem clássico dos quadrinhos, tornando-o mais atraente ao público do século 21 e antecipando a chegada do filme dirigido por Frank Miller. Mas, apesar do visual interessante e da boa produção gráfica, será que o novo Spirit faz jus ao original?

De seu refúgio subterrâneo num velho cemitério de Central City, o detetive mascarado Denny Colt surgiu, em 1940, para combater o crime e revolucionar os quadrinhos norte-americanos. Publicado em vários jornais e revistas, Spirit foi definido por Will Eisner como sendo: “um homem comum, oficialmente morto, mas vivendo na verdade sob uma identidade secreta; era vulnerável; podia ser ferido, como qualquer outro ser humano, e não possuía um único superpoder”. Em várias histórias, o simpático herói de chapéu e terno azul aparecia como um simples coadjuvante, em outras chegava a ser vencido por seus inimigos, tendo que ser salvo por interferência de outros personagens ou por pura sorte. Na verdade, Spirit era um pretexto para Eisner e seus assistentes contarem histórias com ação e suspense, nas quais o tema era a condição humana.

Publicada até 1952, a série The Spirit trouxe, sobretudo, preciosas contribuições para a linguagem e a temática dos quadrinhos, reinventando sua narrativa e incorporando elementos do cinema, literatura e, é claro, da vida real. Com isso, ao longo dos anos, diversos autores manifestaram sua gratidão às lições artísticas aprendidas com a HQ noir de Eisner. Não faltaram também edições de tributo, como Spirit Jam e The New Adventures, lançadas pela Kitchen Sink nos anos 90, além de seguidas reedições das HQs originais. A mais recente delas é a bela coleção The Spirit Archives, lançada pela DC Comics, com vinte e quatro volumes em capa-dura, reunindo a série completa, de 1940 a 1952. O que talvez não se esperasse é que, tendo adquirido os direitos de publicação do personagem, a editora fosse dar o passo além, produzindo novas histórias com o detetive mascarado.

A primeira investida da DC foi o especial Batman & Spirit, escrito por Jeff Loeb e desenhado por Darwyn Cooke, que não passa de uma apresentação do herói de Central City aos leitores mais acostumados com o cavaleiro de Gotham. Então, no mês seguinte, a editora lançou Will Eisner’s The Spirit, dessa vez com Cooke assinando também as histórias. Hábil em criar um clima de época para HQs passadas nos anos 40 e 50, na nova série, porém, o quadrinista canadense optou por uma ambientação contemporânea. E talvez esteja aí o “calcanhar de Aquiles” desse trabalho. Não quero estragar o prazer de quem possa se interessar em ler a série lançada pela Panini, mas atualizar o Spirit, colocando-o diante de questões político-sociais de hoje ou dando-lhe um telefone celular, pode sim torná-lo mais familiar aos leitores do século 21, ao mesmo tempo em que mata o “espírito” original do personagem.

Na edição de estréia, Spirit liberta uma apresentadora de tevê das garras de perigosos bandidos. Na edição seguinte, ele se envolve com uma mulher-fatal em busca de se vingar de um cruel ditador do Oriente Médio. O número 3 começa com assassinatos num restaurante de Central City, levando a uma recriação da história de como Denny Colt tornou-se o Spirit. A seguir, uma viagem à fronteira com o México, um encontro com uma agente federal, tiros e explosões dão o tom da edição. O quinto número, com um humor bastante questionável e um tema não muito original, trouxe Spirit às voltas com antigos vilões e uma estranha guloseima que lhe plagia a imagem. O golpe final veio numa HQ que mistura uma banda de rock e um asteróide azul, numa batida metáfora para a dependência de drogas.

Apesar de desenhos bem ruins em sua penúltima edição, as revistas produzidas por Cooke & Cia. têm um visual tecnicamente competente. Mais uma vez, o traço cartunizado do autor combina bem com as cores e efeitos de computação gráfica produzidos por seus colaboradores. Por outro lado, não vemos nem uma sombra das invenções narrativas e gráficas trazidas por Eisner na série clássica. E se a opção na nova série foi por divisões de página mais regulares, o único elemento narrativo mais formalista é a regra de, sempre após a introdução da trama, abrir uma página dupla com o título da HQ e o nome The Spirit incorporado à cena. Em resumo, com suas referências veladas à CNN e outras atualidades, seu conservadorismo político-social e ainda que traga os vilões e coadjuvantes do passado, a nova série não chega aos pés da original. A versão produzida por Cooke não tem o “charme” do original de Eisner.

Ao contrário do que acontece em outras artes mais tradicionais, as noções de “clássico” ou “obra-prima” são muito frágeis em se tratando dos quadrinhos, podendo sofrer não só os ataques do tempo, mas também serem vítimas dos oportunismos empresariais. O resultado é que mesmo as criações mais renomadas podem acabar se desgastando ou perdendo sua força, em nome da exploração comercial e do interesse financeiro. Por seu prestígio e qualidade, isso provavelmente não acontecerá com The Spirit de Will Eisner. Quanto à versão século 21, podemos dizer que ela prova que Darwyn Cooke é um ótimo desenhista, mas deveria deixar os roteiros por conta de autores mais capazes e inventivos. Para ler outros textos sobre Eisner e Cooke, clique nos nomes destacados abaixo.

25/03/2008

O zoológico cartunístico de Fernando Gonsales.


A Devir vem se notabilizando pelo lançamento de boas coletâneas com trabalhos dos principais cartunistas de São Paulo. O mais recente lançamento da editora é Níquel Náusea: Minha mulher é uma galinha, sétimo volume com a popular série de Fernando Gonsales. Em formato 21cm x 28cm, 48 páginas, capa cartonada e caprichada colorização de Marília de Lascio, o álbum é recheado de bons desenhos e humor inteligente, sendo vendido ao preço de R$26,00.

Com um total de 230 tiras, esse novo volume de Níquel Náusea cumpre sua promessa de diversão do começo ao fim. Trazendo o personagem título, além do Rato Ruter e da barata Fliti, o destaque da edição fica por conta de uma verdadeira arca de coadjuvantes e participações especiais, em que não falta sequer o próprio Noé e sobram aves, peixes, insetos e mamíferos em geral. Vindos da cultura popular, personagens como Batman, Hulk e Homem-Aranha, Lobo Mau, Príncipe Encantado e Chapeuzinho Vermelho, anjos, dragões e vampiros são reinterpretados satiricamente por Gonsales. Mas o traço cartunístico do desenhista ainda reserva uma carga extra de gozação para figuras consagradas como Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Adão e Eva.

E se os desenhos concisos dão conta do recado, o melhor mesmo fica por conta das piadas visuais ou textuais. Uma característica recorrente nesse volume são tirinhas que parecem ter nascido de uma expressão linguística corriqueira, embora muitas vezes a expressão em si não apareça textualmente. Alguns exemplos seriam as tiras que parecem ter surgido de “piada de papagaio”, “rinoceronte na loja de louças”, “o cavalo do mocinho” e “ninho de guaxo”. Em outros casos, a expressão aparece textualmente, o que serve para Gonsales empregá-la de forma inesperada. Alguns bons exemplos seriam “cão dos infernos”, “filho de chocadeira”, “sexo selvagem”, sem falar na brilhante fusão entre “ver a luz” e “o sentido da vida”.

Se os jogos de sentido e as fusões de texto e imagem já estão presentes no subtítulo e capa de Minha mulher é uma galinha, no interior do álbum o encontro de imagens e palavras é feito numa narrativa bastante competente. Embora a maioria das tiras tenha uma divisão em dois ou três quadros, algumas delas escapam à regularidade, revelando um autor atento às possibilidades narrativas. Com isso, não faltam invenções originais, como a tirinha de seis quadros em que Gonsales explora criativamente a horizontalidade do veículo, para marcar a lentidão de um caracol. Já em outros momentos, o que garante a risada do leitor é uma maior concisão, como na tira-cartum de quadro único e apenas um balão, com as hienas no velório de Noé.

Em meio ao dilúvio atual de piadas sem-graça e humor cafajeste, Níquel Náusea: Minha mulher é uma galinha mostra que, com simplicidade e precisão, ainda se pode fazer tirinhas da melhor qualidade. Obviamente, nem todas as 230 tiras são absolutamente brilhantes e, certamente, cada leitor terá suas preferidas. Mas, gostemos mais desta ou daquela, prefiramos a sátira cultural ou a crítica de costumes, a diversidade e inventividade do trabalho são a garantia de satisfação para quem procura um humor inteligente. E com mais este volume de seu zoológico cartunístico, Fernando Gonsales prova de vez que merece maior destaque entre nossos quadrinhos.

21/03/2008

Artes Mágicas: uma entrevista com J.H. Williams III, parte3.


Última parte de nossa entrevista e J3 fala um pouco mais da magia de Promethea, de suas colaborações com Grant Morrison e sobre um “projeto secreto para a DC”.

Wellington Srbek: Promethea traz sempre aquelas inventivas e incomuns divisões de página. Quanto disso é idéia sua e quanto é de Alan Moore? E sobre a edição 32, que podemos ler a partir da capa, ou de cabeça para baixo, ou como dois pôsteres?

J.H. Williams III: Os experimentos em diagramação que usamos foram provavelmente cerca de 50% meus e 50% do Alan. Como eu disse, nós tínhamos conversas antes de ele começar a escrever os roteiros. As idéias discutidas eram então traduzidas em roteiros. Houve idéias de diagramação que foram puramente dele e houve idéias que foram puramente minhas. E havia outras que foram uma combinação de idéias nossas em algo novo. A edição 32 é um artefato interessante. O conceito original para ela era de que as pinturas que formam as imagens do pôster fossem num estilo pontilhista. Era o que Alan estava querendo. Isso acabou não sendo muito efetivo em combinação com os desenhos em linha que precisavam ser incorporados às imagens pintadas. A idéia do pontilhismo carecia de energia e vivacidade. Então, eu achei melhor fazer das pinturas essa estranha mistura de impressionismo e pop art, meus dois tipos favoritos de arte. Isso imediatamente deu energia às peças e, quando combinadas aos desenhos em linha, elas criaram uma explosão psicodélica e metafísica de pensamento e arte. Meu objetivo era criar uma experiência visual que realmente não tivesse sido vista antes nos quadrinhos ou fora dos quadrinhos também. Eu creio que, mesmo que tenhamos feito as coisas diferentemente do que Alan tinha imaginado, o resultado final foi algo único e poderoso e que, portanto, fez jus a suas noções iniciais. E por causa daquela energia, o comentário final da série foi cheio de vida e cor, algo psicodelicamente cósmico no seu caráter pop art singular. Creio que a fusão de impressionismo e pop art verdadeiramente levou as coisas a um território inexplorado. Não era nem completamente uma revista em quadrinhos, nem completamente uma peça de artes plásticas. Ela existe em algum lugar entre as duas. Perfeitamente adequada para ser o último comentário baseado em tudo o que a série disse ao longo do caminho. Uma outra coisa interessante é que ela não só lê em todas as direções mencionadas por você, bem como se você seguir as pequenas trilhas nas versões em pôster, você encontrará fios de ligação que se movem em todas as direções, não apenas da direita para a esquerda. Alguém pode facilmente se perder ali. Ela funciona realmente da maneira como a mente humana trabalha, onde pensamentos aleatórios podem ocorrer baseados em uma simples palavra ou frase. Assim como ouvir uma canção pode de alguma forma ativar uma memória que, através de caminhos sutis, está conectada àquela canção. Muito fascinante. O trabalho naquelas duas imagens é bem expressivo, exaustivo e emocional. Definitivamente, não é para aqueles que não queiram passar um tempo ali. Requer profunda concentração e trabalho.

WS: Embora vejamos demônios fazendo sexo grupal nos frisos de uma das primeiras edições, eu li que a DC Comics censurou alguns quadros de Promethea n°22. Isso é verdade? O que aconteceu?

J3: Sim, é verdade. Tivemos que encarar a censura em muitos outros lugares ao longo da série, mas o número 22 foi o mais significativo. As páginas 14 e 15 daquele número eram originalmente uma imagem única de deuses fazendo sexo. Era muito direta e apropriada para a cena. Mas os editores acharam que era demais e que precisávamos mudá-la. Porém, considerando que se tratava de uma parte totalmente pintada da história, e levaria muito tempo e seria muito dispendioso para eu pintar algo novo que fosse mais domesticado, nós dividimos a imagem digitalmente em quadros individuais, obscurecendo muitíssimo a ação. Eu sinto que isso prejudicou significativamente a clareza da narrativa, e então Alan e eu insistimos que a versão original fosse usada nas edições encadernadas. Assim, aqui nos Estados Unidos as coletâneas em capa-dura e brochura agora têm a imagem intacta, como ela deveria ter sido. Espero que as edições brasileiras sejam assim também e vocês não sejam forçados a ver uma versão censurada, uma vez que se trata de um produto inferior.

WS: O que você pode nos dizer sobre trabalhar com Alan Moore? Nós veremos uma nova colaboração num futuro próximo? Pessoalmente, eu espero que sim!

J3: Trabalhar com Alan foi uma das experiências mais criativamente libertadoras que tive e me permitiu trazer essa perspectiva para todos os meus trabalhos seguintes, que espero você terá a oportunidade de ver. Eu posso agora confiantemente trazer algo novo e fresco para cada projeto e não estou certo de que poderia dizer isso se não tivesse tido a oportunidade de trabalhar com Alan por tanto tempo. Eu também espero por uma futura colaboração. Será interessante ver o que pode ser feito, já que eu evoluí ainda mais desde que Promethea acabou.

WS: Mudando um pouco, como foi trabalhar com Grant Morrison em Sete Soldados?

J3: Novamente, trabalhar com Grant foi uma experiência criativa muito libertadora, mas por diferentes razões. Muito desafiador de maneiras alternativas ao que foi com Alan, mas tão gratificante quanto. Eu de fato acho que Grant e eu temos uma forma de pensar similar. Nós vemos coisas de uma forma similar. Em minha opinião, o trabalho que fizemos em Sete Soldados número 0 e número 1 é tão interessante quanto meu trabalho em Promethea, mas com uma diferente sensibilidade. Eu creio que o mesmo pode ser dito sobre meu trabalho com Warren Ellis em Desolation Jones.

WS: Para encerrar, fale-nos sobre seus projetos presentes e futuros.

J3: Bom, no final do ano passado saíram três edições minhas de Batman escritas por Grant Morrison. Eu fiz para a Vertigo dezenove capas multimídia para Crossing Midnight, escrita por Mike Carey e com arte por Jim Fern e cores por José Villarrubia [ilustrador e colorista digital de alguns números de Promethea]. Estou atualmente trabalhando em um projeto secreto para a DC Comics, que deve começar a sair no final do ano. Estou também quase terminando uma história de edição única com Jonah Hex, escrita por Jimmy Palmiotti e Justin Gray. E algum tempo depois de concluir o projeto secreto para a DC, Grant e eu deveremos começar nosso projeto de direitos autorais reservados, que ainda está por ser nomeado. Eu poderei também fazer alguns quadrinhos para Internet no futuro. [Perguntei a J3 se ele poderia nos dizer mais alguma coisa sobre o “projeto secreto” e a nova parceria com Grant Morrison, mas infelizmente ele disse que não era impossível no momento.]

WS: Obrigado pela entrevista!

J3: Obrigado Brasil! Por favor, visitem-me no endereço
WWW.JHWILLIAMS3.COM e dêem um olá.

20/03/2008

The Magical Arts: an interview with J.H. Williams III, part3.


Last part of our exclusive interview and J3 tells us a little more about the magic of Promethea, and also his previous and future collaborations with Grant Morrison.

Wellington Srbek: Promethea gives us always those inventive and unusual page divisions. How much of that is yours and how much is Alan’s ideas? And what about #32 that we can read from the front cover, upside down or as two posters?

J.H. Williams III: The page design experiments we used were probably about 50% me and 50% Alan. As I said before we would have conversations about things before he would write the scripts. And those ideas would then get translated into the scripts. There were page design ideas that were purely his and there were page designs that were purely mine. And there were ones where it would be a combination of our ideas into something new. Issue 32 is an interesting artifact. The original concept for it was for the paintings that form the poster images to be in a pointalism style. That was what Alan was looking for. As it turned out that was not going to be very effective with the line art aspects that needed to be to incorporated with the painted images. And the pointalism idea lacked energy and vivid life. So I thought it best to make the paintings this strange mix of impressionism and pop art, my two favorite types of art. This immediately gave the pieces an energy and when combined with the line art created a psychedelic metaphysical explosion of thought and art. My goal was to create a visual experience not really seen before in comics or outside of comics either. I think, even though we had to do things differently than Alan had envisioned, the end result was something unique and powerful and therefore lived up to his notions of what it should be. And because of that energy the series' final comment was full of life and color and psychedelically cosmic in its own unique pop art way. I think the fusion of impressionism and pop art truly took things into unexplored territory. It was neither fully a comicbook and neither fully a fine art piece. It exists somewhere between. Perfectly suited for being the last comment based on everything the series had to say along the way. Another interesting thing is not only does it read in all the directions mentioned by you but also if you follow the little trails on the poster versions you will find connecting threads that move in all directions, not just right to left. One could easily get lost in it. It works very much in the way the human mind works, where random thoughts can occur based on a single word or phrase. Such as hearing a song may trigger a memory that somehow, through subtle ways, is connected to that song. Very fascinating. The work on those two images is very expressive, exhaustive and emotional. Definitely not for those who don't want to take their time with it. It requires deep concentration and work.

WS: Although we have demons performing group sex in an early issue, I’ve heard that DC Comics had censored some panels in Promethea #22. Is that true? What happened?

J3: Yes that is true. We had to face censorship in many other places throughout the series but issue 22 was the most significant. Pages 14 and 15 of that issue were originally a single image of gods having sex. It was very blatant and appropriate for the scene. But editorial thought it was too much and needed us to change it. But considering that was a fully painted portion of the story, and would be very time consuming and costly to have me paint something new that was more tame, we digitally broke up the image into individual panels obscuring the action dramatically. I feel it significantly hurt the clearness of the storytelling and so in the collected editions Alan and I insisted that the original version be used for those editions. So here in America the collected hardcover editions and softcover editions now have the art intact as it was meant to be. I hope that the Brazilian editions do as well and you are not forced to see a censored version since it was an inferior product.

WS: What can you say about working with Alan Moore? We will see a new collaboration in the near future? Personally, I hope so!

J3: Working with Alan was one the most creatively freeing experiences I have had and has allowed me to bring that perspective to all of my following works, which I'm hoping you will have the opportunity to see. I can now confidently bring something new and fresh to each project and I'm not certain I could say the same if I had not had the opportunity to work with Alan for such a lengthy time. I too hope for a future collaboration. It would be interesting to see what could be done since I have grown even more in the time since Promethea ended.

WS: Changing the subject, how it was to work with Grant Morrison on Seven Soldiers?

J3: Again working with Grant was a very freeing creative experience but for different reasons. Very challenging in alternate ways than from Alan but just as gratifying. I do feel Grant and I have a similar mindset. We see things in a similar fashion. In my opinion, the work I did on Seven Soldiers issue zero and issue one is just as compelling as my work on Promethea but with a different sensibility. I think the same could be said for my work with Warren Ellis on Desolation Jones.

WS: To finish, tell us about your present and future projects.

J3: Well, late last year I had 3 issues of Batman come out with Grant Morrison. I've done 19 painted multimedia covers for Crossing Midnight written by Mike Carey and art by Jim Fern with colors by José Villarrubia published by Vertigo. I'm currently working on a secret project for DC Comics which should start coming out at the end of the year. I'm also just about to finish a one issue story for Jonah Hex written by Jimmy Palmiotti and Justin Gray. And sometime after the secret project for DC is done Grant and I should be starting our creator owned project that is yet to be named. I may also being doing some webcomics in the future as well.

WS: Thanks for the interview!

J3: Thank you Brazil. Please visit me at my website
WWW.JHWILLIAMS3.COM and say hello.

19/03/2008

Artes Mágicas: uma entrevista com J.H. Williams III, parte2.


Parte2 de nossa entrevista e J3 nos conta como foi trabalhar com Alan Moore na fantástica série Promethea, publicada no Brasil pela Pixel.

Wellington Srbek: Promethea finalmente está sendo publicada no Brasil. Ela é sem dúvida a melhor série dos quadrinhos norte-americanos nos últimos dez anos. Você poderia nos falar como era o processo de trabalho nessa revista, do roteiro às cores?

J.H. Williams III: O trabalho em Promethea era muito exaustivo. Muito mais do que qualquer um de nós havia antecipado. O processo básico era este: Alan e eu conversávamos ao telefone sobre idéias que ele tinha e coisas que eu queria fazer ou tentar fazer. Ele então escrevia um roteiro baseado naquela conversa. De início, eu não tinha muita contribuição nas idéias, até que eu começasse a desenhar. Porém, Alan viu o que eu estava fazendo nos esboços e visual, e meio que seguiu por ali. Ele mudou a maneira como pensava na estrutura, a partir do quê eu estava fazendo. Eu rapidamente percebi quanto poderíamos experimentar e comecei a dar a ele mais idéias com as quais trabalhar, e em retorno ele me dava desafios e mais idéias ainda em seu texto. Isso se tornou realmente mais evidente no que chamo de as edições da Jornada da Quabbalah, com todas aquelas mudanças de estilo. Nós conversávamos sobre que tipo de estilo eu queria testar, dependendo de qual era a história básica, e então ele escrevia um roteiro baseado nessas idéias. Eu também me comunicava direto com Mick na arte-final, com Jeremy Cox nas cores e com Todd Klein no letreramento, fornecendo notas para tudo, baseadas nos roteiros de Alan. Os roteiros de Promethea eram extremamente detalhados e requeriam muita atenção com o menor dos detalhes. O conteúdo e tema eram muito específicos no que diz respeito a várias coisas. Por exemplo, todas as cores, particularmente nas edições da Jornada da Quabbalah, tinham uma especificidade temática. Os roteiros de Alan eram bastante precisos e detalhados a esse respeito e eu tinha que transmitir essa informação corretamente para o colorista. Foi muito desafiador para todos nós. Permitiu-nos tentar coisas que você normalmente não vê na maioria dos quadrinhos.

WS: Alan Moore disse uma vez que já tinha a idéia para os 32 números desde o início. Mas eu tenho a sensação de que os números 1 a 12 de Promethea foram planejados como uma história por si só: a narrativa de como Sophie Bangs se torna essa semi-deusa de Imatéria. Portanto, se algo desse errado com a linha ABC [selo da Wildstorm que publicava as séries escritas por Moore], a série poderia parar no número 12, deixando os leitores com uma história completa. Estou muito errado?

J3: Bom, pelo que me lembro, não havia realmente uma edição final planejada. O que quero dizer é que Alan ia escrevendo a série dia após dia. Não havia um número de edições planejado ou qualquer plano de terminar no número 32. Pelo menos não que eu tenha sido informado. No início, todos queríamos trabalhar na série por quanto tempo fosse possível, e eu acredito que a forma como trabalhamos nela é prova disso. De várias maneiras a série foi escrita e ilustrada num movimento espontâneo. Era bem comum eu estar trabalhando numa página de uma edição, digamos as páginas 10 e 11 por exemplo, sem ter o roteiro para as páginas seguintes, 12 e 13. Então, eu ligava para o Alan e perguntava a ele o que teria na próxima página, de forma que eu pudesse planejar melhor a página em que estava trabalhando, e ele dizia algo como: “eu realmente não sei o que vai ter na próxima página, Jim, porque eu ainda não a escrevi”. Assim, ele estava realmente escrevendo a série dia após dia, com muito pouco planejamento envolvido, com muito pouca antecipação, no início, de para onde ela apontava, exceto por sabermos que ela seria sobre magia. Eu tinha que basicamente desenhar as páginas para as quais eu já tinha o roteiro e então fazer as páginas seguintes encaixarem no que eu tinha feito. Foi tudo muito complicado. É incrível como o material finalizado parece tão perfeitamente planejado e orquestrado. Acho que isso mostra o brilhantismo dos talentos de Alan. Provavelmente a seção mais pré-planejada da série foram as edições que levam ao fim, pois naquele ponto ele tinha decidido que a série de fato terminaria no número 32. A maneira como essa série foi construída, do texto ao desenho e às cores finais, eu sinto que foi em grande parte um exercício de criação metafísica. O que é de certa forma o tema da série.

WS: Falando de Promethea n°12, as imagens de fundo em cada uma das páginas começam onde as da página anterior terminaram. A coisa toda parece uma gigantesca tira de quadrinhos. Técnica e materialmente como você resolveu isso?

J3: Foi um desafio na certa, mas um que foi mais fácil de resolver do que você possa esperar. Basicamente, após concluir uma página, eu colocava a próxima prancha de desenho em branco ao lado da página concluída e simplesmente continuava a desenhar de onde parei. Não havia realmente um jeito fácil de fazer isso, especialmente considerando que a série estava sendo escrita como descrevi na pergunta anterior. Era tudo muito livre e fluido.

WS: Começando com Promethea n°13 nós temos o que você chama de “as edições da Jornada da Quabbalah”: uma maravilhosa viagem aos reinos da Kabbalah e das Artes Ocultas, que é também uma deliciosa experiência para os olhos. Cada edição e capa têm um diferente estilo artístico: Van Gogh, Dali, Mucha, Kaluta... Houve alguma favorita ou especialmente difícil de executar?

J3: Todas elas apresentaram seus desafios e exercícios próprios e eu realmente amo cada uma delas por diferentes razões. Eu diria que minha favorita deve ser a número 21, com o estilo mais grosso, de impressão em madeira. Essa edição traz uma sensação realmente interessante e é graficamente atraente para mim. O grande desafio nela foi como as cores foram aplicadas. Porque era preciso parecer que as diferentes seções dos desenhos foram impressas usando diferentes opções de cores, semelhante ao que você teria com impressões em madeira sofisticadas. Era preciso desenhar de uma maneira que fizesse sentido visual e não fosse confuso para o olho, depois que a fixação das cores fosse feita. Assim, basicamente tínhamos que nos assegurar de que as cores eram levadas em consideração, quando os desenhos eram feitos. Aquela parte da edição tem esse tipo de sentimento religioso de vitral, ou algo primitivo e arcaico. Muito apropriado para o tema daquela edição, creio eu.

A seguir: J3 fala da censura sobre Promethea, de trabalhar com Grant Morrison e de seu “projeto secreto para a DC”.

18/03/2008

The Magical Arts: an interview with J.H. Williams III, part2.


Part2 of our exclusive interview and J3 tells us how it was to work with Alan Moore on the fantastic Promethea series.

Wellington Srbek: Promethea is being published here in Brasil at last. It is no doubt the best mainstream comic book of the last ten years. Could you tell us how the working process on this book was, from script to colors?

J.H. Williams III: The work on Promethea was very exhaustive. Much more so than any of us had anticipated. The basic process was this: Alan and I would talk on the phone about ideas he had and things I wanted to do or try to do. He would then write a script based on that conversation. Early on I didn't have much input into the ideas until I would start drawing. However, Alan saw what I was doing with layouts and design and sort of ran with it. He changed the way he thought about structure based on what I was doing. As time went on I quickly realized how much we could experiment and began to give him more ideas to work with and in turn he would give me challenges in his scripting with even more ideas. This really became more evident on what I call the Quabbalah Quest issues with all of the style changes. We would talk about what sort of style I wanted to try depending what the basic story was and then he wrote a script based on those ideas. I would also communicate closely with Mick on the inking and with Jeremy Cox on the color and with Todd Klein on the lettering. Providing notes for everything based on Alan's scripts. The scripts for Promethea were extremely detailed and required a lot of attention to the smallest detail. The content and subject matter was very specific in regards to many things. As an example, all of the colors, particularly on the Quabbalah Quest issues, were very subject specific. Alan's scripts were very exacting and detailed in this regard and I had to convey that information correctly to the colorist. It was very challenging for all of us. It allowed us to try things that you normally would not see in most comics.

WS: Alan Moore once said that he had the idea for the entire 32 issues since the beginning. But I have the feeling that Promethea #1-12 have been planned as a story in itself: the tale of Sophie Bangs becoming this demigoddess from Immateria. Thus, if anything went wrong with the ABC line the book would be closed in #12, leaving the readers with a complete and satisfactory story. Am I too wrong?

J3: Well, from my memory there really was no planned ending issue. What I mean is that Alan wrote the series on a day by day basis. There was no planned number of issues or no plan to end on issue 32. Not that was conveyed to me anyway. Early on we all were willing to work on the series for as long as possible, and the way we worked on it was proof of that I think. In lot of ways the series was written and illustrated with spontaneous motion. Quite often I would be working on pages of an issue, let's say pages 10 and 11 just as an example. But I had no script for the following pages, 12 and 13, so I would call Alan and ask him what was on the next page, so I could better plan the current page I was working on. And he would say something like: "I don't really know what the next page is going to be, Jim, because I have not written it yet." So he was very much writing this series on a day by day basis with very little planning involved, with very little thought into where it was headed in the beginning, other than that we knew it would be about magic. I had to basically draw the pages I had script for and then make the next pages fit to what I had already done previously. It was all very tricky. It is amazing when looking at the completed material that it seems so perfectly planned and orchestrated. That shows the brilliance of Alan's talents I think. Probably the most pre-planned section of the series was the issues leading up to the ending because by that point he had decided that the series should indeed end with issue 32. The way this series was constructed, from the writing, to the drawing, to the final colors, I feel was very much an exercise in metaphysical creation. Which is sort of the point of the series.

WS: Talking about Promethea #12, the background artwork on every single page begins where the previous page ended. The whole thing is like a giant comic book strip. Technically and materially how did you work it out?

J3: It was a challenge for sure but one that was easier than you might expect. Basically after finishing a page I would put the next blank drawing artboard next to the finished one and just continue the drawing from where I left off. There really was no easier way to do it, especially when the series was being written as described in the answer to the previous question. It was all very free and flowing.

WS: Beginning with Promethea #13 we have what you call the “Quabbalah Quest issues”: a wonderful journey to the realms of Kabbalah and the Occult Arts, which is also a delightful experience to the eye. Each issue and cover has a different art style: Van Gogh, Dali, Mucha, Kaluta... So, any favorite or especially difficult one?

J3: They all presented their own unique challenges and exercises and I very much love each one of them for different reasons. I'd say my favorite might be issue 21 with the chunky wood block print styles. That one has a really interesting feel to it and is graphically appealing to me. The big challenge with that one was how the color was applied. Because it needed to look like the different sections of the drawings were printed using different color choices, much like you would see with sophisticated wood block prints. Drawing it in way that would make visual sense and be clear to the eye after the color fix were done. So basically we had to make sure the color was taken into consideration when designing the drawings. That portion of the issue has this sort of religious feeling of stained glass, or something primal and archaic. Very appropriate to the subject for that issue I think.

Next: More on Promethea, and some words about working with Grant Morrison and a "secret DC project".

17/03/2008

Artes Mágicas: uma entrevista com J.H. Williams III, parte1.


J.H. Williams III é, sem dúvida, um dos mais talentosos artistas dos quadrinhos norte-americanos na atualidade. Nesta entrevista exclusiva em três partes, feita por e-mail, nós conversamos sobre seu trabalho em Promethea (a fantástica série escrita por Alan Moore e atualmente publicada na Pixel Magazine), sobre suas parcerias com Grant Morrison e muito mais. Com vocês, então, a magia criativa de um grande artista dos quadrinhos.

Wellington Srbek: É um prazer conversar com você, a quem considero um dos melhores artistas dos quadrinhos norte-americanos hoje. Por favor, dê a seus fãs no Brasil algumas informações biográficas: onde e quando você nasceu? Que revistas e artistas você gostava quando jovem? Quais tiveram mais influência em seu trabalho?

J.H. Williams III: Olá Brasil. Eu nasci em Roswell, Novo México em 18 de dezembro de 1965. Segundo minha mãe, a primeira coisa que segurei com minhas próprias mãos quando bebê foi um lápis. No início da adolescência, eu tinha uma atração por revistas de super-heróis de todos os tipos, mas nunca realmente prestei atenção em quem as estava escrevendo ou desenhando, até mais tarde. Contudo, eu sempre desenhava os personagens. Uma de minhas lembranças mais antigas é de fazer desenhos do Homem de Ferro, Homem-Aranha e Hulk, vários personagens da Marvel. Quanto a influências, eu devo dizer que durante aqueles anos de formação eu tive contato com os Micronautas. Quando garoto eu era maluco com esses brinquedos chamados Micronautas. Eu tinha um monte deles e era viciado em brincar com eles e encontrar novos. Então, um dia eu estava dando uma olhada em algumas revistas em quadrinhos nos expositores do mercadinho local e topei com uma revista Micronautas [cujas HQs foram publicadas no Brasil nos anos 80 na Heróis da TV da Abril Jovem]. Era a primeira edição e por causa de minha obsessão com aqueles brinquedos eu tive que comprá-la. Eu voltei para casa e a li imediatamente. Acho que meu cérebro explodiu de imaginação enquanto eu lia aquele quadrinho. Ele me afetou como nenhum outro quadrinho antes. A história era brilhante e provocativa. Os desenhos eram magníficos e eram diferentes de tudo que eu tinha visto antes. Esse foi o primeiro quadrinho que eu realmente estudei cada detalhe, e aí notei que havia créditos ligados ao trabalho. Até aquele ponto, eu nunca tinha dado qualquer atenção para o fato de que pessoas escreviam e desenhavam aquelas coisas. Os criadores eram o roteirista Bill Mantlo e o desenhista Michael Golden, com arte-final de Al Migrom. Aquela série em específico mudou minha juventude. Alguns amigos da escola estavam conversando comigo sobre revistas em quadrinhos e disseram que, se eu gostava tanto de Micronautas, deveria ver esta outra chamada Uncanny X-Men. Eles me mostraram o que tinham e era uma das primeiras edições de Claremont e Byrne. Eu fui imediatamente fisgado por aquela revista também. Foi tão poderoso e inspirador quanto com Micronautas, mas de uma forma diferente. Ambas as séries tinham vozes únicas, muito distintas uma da outra, mas as duas eram forças muito poderosas numa mente adolescente. Foi daquele ponto na minha que eu decidi que seria um artista de quadrinhos. Então eu diria que aqueles foram os quadrinhos mais influentes enquanto eu crescia. Daí eu fui descobrir Kirby, Ditko, Moebius e muitos outros em minha juventude.

WS: Muitos dos seus quadrinhos trazem diferentes estilos e técnicas, o que sugere uma formação sólida em artes visuais e um gosto pela pesquisa. Estou certo?

J3: Minha principal formação em arte é realmente ser autodidata. Eu sempre estudava qualquer trabalho que estivesse olhando, para tentar compreender como ele era feito. Assim, eu me tornei muito bom em notar todas as coisas sutis que fazem uma imagem. Eu ainda faço isso hoje. O treinamento mais importante que já tive foi num curso de arte publicitária e design. Esse curso era menos sobre a qualidade do desenho e mais sobre a idéia por trás do desenho. Isso teve um enorme impacto em todo o meu trabalho. A principal razão pela qual meus desenhos tinham alguma qualidade quando jovem era porque eu estava desenhando e rascunhando o tempo todo. Tanto que eu devia pensar que meu trabalho seria melhor hoje do que ele é. Mas falando sério, esta é uma das coisas que meu professor de arte publicitária diria: “que meus desenhos prestavam porque eu praticava o tempo todo”. Mas o principal objetivo dele era me fazer pensar sobre O QUE eu estava desenhando. A forma como a composição funcionava. O que o desenho estava tentando dizer.

WS: Eu descobri seu trabalho em parceria com o arte-finalista Mick Gray na revista Green Lantern Tangent [parte da série que trazia versões alternativas dos super-heróis DC Comics], e tenho que dizer que foi “amor à primeira vista”! Como você conheceu Mick Gray e como foi trabalhar com ele?

J3: Obrigado. Eu conheci Mick numa convenção alguns anos antes de começarmos a trabalhar juntos. Na época, ele trabalhava como assistente de outros arte-finalistas e também com Chuck Austen numa série chamada Strips. Estávamos sentados ao lado um do outro numa apresentação e começamos a conversar. Naquela época, eu era um grande admirador de Strips e isso foi o que deu início a nosso relacionamento. Algum tempo depois, eu o convenci a arte-finalizar uma ilustração que eu tinha feito e adorei o resultado. Daquele momento em diante, eu não trabalhei com ninguém mais como meu arte-finalista. Eu trabalhei exclusivamente com ele até quase o fim de Promethea. Foi aí que comecei a arte-finalizar todos os meus trabalhos. Ele foi o único arte-finalista que realmente trabalhou melhor sobre meu lápis, até que eu evoluí a um ponto onde eu precisava arte-finalizar meu próprio trabalho. Eu estimo imensamente a parceria que tivemos.

A seguir: J3 fala sobre a magia de criar Promethea.

16/03/2008

The Magical Arts: an interview with J.H. Williams III, part1.


J.H. Williams III is one of the most talented artists in American comics today. In this 3-part exclusive interview, we talk about his work on Promethea (the fantastic series written by Alan Moore), his collaborations with Grant Morrison and much more.

Wellington Srbek: It is a pleasure to be talking to you, who I consider one of the best American comic book artists today. Please give your Brazilian fans some biographic information: Where and when you were born? Which comics and artists you loved as a kid? Which ones had most influence on your work?

J.H. Williams III: Hello to Brazil. I was born in Roswell, New Mexico on December 18th 1965. According to my mother the first thing I ever picked up with my own hands as an infant was a pencil. As a young adolescent boy I was attracted to superhero comicbooks of all kinds but never really considered who was writing or drawing them until later. However, I was always drawing the characters. One of my earliest memories was doing drawings of Iron Man and Spiderman and The Hulk, a lot of the Marvel characters. As for influence, I'd have to say during those formative years was being exposed to the Micronauts. You see as a boy I was very much infatuated with these toys called Micronauts. I had lots of them and was addicted to playing with them and finding new ones. So one day I'm looking at some comicbooks in the local market spinner racks and came across a Micronauts comicbook. It was the first issue and because of my obsession with those toys I had to buy it. I walked home and read it right away. I think my brain exploded with imagination when reading that comic. It had affected me like no other comic had before. The story was brilliant and thought provoking. The art was magnificent and looked unlike anything I had seen before. This was the first comic that I truly studied every detail of and therefore noticed that credits were attached to the work. I had never really paid any attention to the fact that people wrote and drew these things until that point. Those creators were writer Bill Mantlo and artist Michael Golden with inks by Al Milgrom. That single comic series changed my young life. Some school friends of mine were talking with me about comicbooks and said if I liked Micronauts so much I should see this other comic called Uncanny X-men. They showed me what they had and it was one of the earliest Claremont and Byrne issues. I was immediately hooked on that too. It was just as powerful and inspiring as the Micronauts but in a different way. Both those series had very distinct unique voices from each other, but both were very powerful forces on my adolescent mind. It was from that point in my childhood that I decided I would be a comicbook artist. So I'd say those were the most influential comics growing up. From there I went on to discover Kirby, Ditko, Moebius and many others in my youth.

WS: Many of your books have different art styles and techniques. It suggests a solid background in visual arts and a taste for research. Am I right?

J3: My main background in art is really being self taught. I always would study whatever artwork I was looking at to try and comprehend how it was done. So I became very good at noticing all of subtle things that would make up an image. I still do that to this day. The most influential training I've ever had was an advertising art and design class. This class was less about the quality of the drawing and more about the idea behind the drawing. This has had the most impact on all of my work. The main reason why my drawings were decent as a youth was because I was drawing and sketching all of the time. So much that I would think my work would be better today than it is. But seriously this was one of the things that my advertising art and design teacher would say: "that my drawings were decent because I practiced all of the time". But his main goal was to get me to think about WHAT I was drawing. The way a composition was working. What was the drawing trying to say.

WS: I've discovered yours and Mick Gray’s work in that Green Lantern Tangent book, and it was really “love at first sight”! How did you meet Mick Gray, and how was it to work with him?

J3: Thank you. I first met Mick at a convention a few years before we started working together. He was currently assisting for other inkers and was also working with Chuck Austen at the time for the series called Strips. We were sitting next to each other at this show and started talking. At the time I was quite an admirer of Strips and that was what got our relationship going. At some point after that I had convinced him to ink a pin-up I had done for something and I was thrilled at the results. From that point on I would not work with anyone else as my inker. I've exclusively worked with him up until almost the end of Promethea. That is when I began to ink all of my own work. He was the only inker that ever really worked best over my pencils until I evolved to a point where I needed to ink my own work. I cherish the partnership we had greatly.

Next: J3 talks about the magic of creating Promethea.

12/03/2008

A Nova Fronteira em boa versão animada.


Por afinidades em suas linguagens, a animação possibilitou algumas das melhores adaptações dos quadrinhos, particularmente em filmes que contaram com a supervisão dos autores das HQs originais. Esse é o caso dos antigos especiais do Snoopy, dos desenhos do Asterix ou do longa-metragem Akira. O mais recente exemplo de uma boa transposição dos quadrinhos para a animação é Liga da Justiça: A Nova Fronteira, produção da Warner Premiere que chega às lojas num DVD simples, com alguns extras interessantes e ao preço de R$29,90.

Produzido por Bruce Timm e dirigido por David Bullock, o filme de 74 minutos é uma adaptação bastante fiel dos principais elementos da minissérie DC: A Nova Fronteira. Contando com a consultoria de Darwyn Cooke (quadrinista responsável pela HQ original), a produção enfoca as personalidades e os primeiros encontros de alguns dos principais heróis da DC Comics. Marcando a transição da chamada “Era de Ouro” para a “Era de Prata” dos quadrinhos de super-heróis, A Nova Fronteira apresenta versões clássicas do Super-Homem, Batman, Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna Verde e Ajax. Misturando um ambiente histórico a elementos futuristas, a história busca ressaltar o clima de heroísmo dos anos 50, reunindo pessoas comuns e super-heróis contra um monstro-ilha que ameaça conquistar o mundo e destruir a humanidade.

Lançado como parte do DC Universe (série de desenhos animados baseadas nos quadrinhos e lançados direto em DVD), A Nova Fronteira tem uma animação competente, com alguns momentos excepcionais. O filme é eficiente em criar uma ambientação de época, tendo seu visual construído a partir da minissérie de Cooke (embora o leitor do trabalho original possa sentir falta de sua identidade visual). Mais fiel ainda é o roteiro adaptado que, salvo algumas alterações e cortes necessários, é a história de Cooke recontada em animação, incluindo a não-linearidade, a violência e todo o sangue (o que, apesar da classificação “Livre”, não faz deste filme exatamente um desenho animado para crianças). Os maiores cortes foram no sofrível capítulo de abertura na ilha dos dinossauros (completamente cortado) e na trama envolvendo a viagem espacial (que foi simplificada para caber no filme).

Se algumas falas e ações foram trocadas, enquanto muitos coadjuvantes não foram incluídos no filme, as diferenças mais evidentes em relação à HQ acontecem logo nos primeiros minutos. Neles, o monstro-ilha ganha voz para narrar sua própria história (algo muito parecido com o que o vilão Abu faz na abertura do desenho Samurai Jack). A isso se segue a sequência de créditos, que utiliza um visual simplificado e estilizado para resumir elementos da narrativa, como o banimento da Sociedade da Justiça e a morte do Homem-Hora (em termos estilísticos, essa parte também não é muito original, assemelhando-se à sequência de créditos do filme Os Incríveis da Disney). Por outro lado, algumas alterações mais sutis vieram realmente para o benefício da história, por exemplo, a forma como Hal Jordan assume a identidade de Lanterna Verde, ou a inteligente explicação do porquê Batman teria mudado seu visual mais sombrio dos primeiros anos, para algo menos ameaçador.

No geral, Liga da Justiça: A nova Fronteira corresponde às expectativas (exceto é claro pelo título, já que o grupo de heróis só aparece de fato nos últimos segundos do filme). E se a trilha sonora várias vezes desliza na obviedade, o bom elenco de vozes (tanto em inglês, quanto em português) mantém o filme nos trilhos (contando na versão original com o autêntico discurso de John F. Kennedy do qual o filme e a HQ tiraram seu título). O DVD lançado no Brasil traz ainda uma seção de extras com traileres, uma prévia especial do “anime” Gotham Knight e o ótimo vídeo “A história completa da Liga da Justiça” (com depoimentos de importantes nomes dos quadrinhos, como Denny O’Neill, Len Wein e Marv Wolfman). O espectador pode também optar por ver o filme escutando os comentários dos produtores ou do próprio Darwyn Cooke (isso se entender inglês, já que as duas opções não vêm com legendas).

Para aqueles que leram e gostaram da minissérie original ou simplesmente para os fãs dos super-heróis DC, Liga da Justiça: A Nova Fronteira é uma boa pedida. E a recepção positiva nos Estados Unidos deixa aberto o caminho para futuras adaptações na série DC Universe (lançada com Superman: Doomsday e tendo as próximas produções dedicadas a Batman e Mulher-Maravilha).

10/03/2008

Batman & Spirit enfrentam seus inimigos, no Havaí.


Criados respectivamente em 1939 e 1940, Batman e Spirit foram produtos de um momento em que os quadrinhos de detetive e os quadrinhos de super-heróis disputavam a preferência dos leitores. Mais de seis décadas depois, as criações de Bob Kane e Will Eisner encontraram-se numa HQ com roteiro de Jeph Loeb, desenhos de Darwyn Cooke, arte-final de J. Bone e cores de Dave Stewart. Lançada em fevereiro pela Panini, em antecipação à nova série The Spirit produzida por Cooke, a edição especial tem o preço de R$ 5,90.

A história de Batman & Spirit começa com os comissários Dolan e Gordon à frente de uma lareira, relembrando uma velha história. É assim que o leitor é introduzido ao tema da HQ, que parte de uma sequência em que Spirit não se sai muito bem numa perseguição a alguns de seus piores inimigos. Em seguida, é a vez de Batman e Robin, que quase viram churrasquinho ao tentar impedir a fuga de seus próprios vilões. Passando a uma sequência mais cotidiana, vemos o Comissário Dolan despedindo-se de sua filha Ellen em Central City, enquanto em Gotham City o Comissário Gordon se despede de sua filha Bárbara. Ambos viajam então para o Havaí, onde uma convenção de policiais os aguarda. O que eles não sabem, mas logo Batman e Spirit deduzem, é que também os vilões se dirigiram para um encontro naquele arquipélago. A partir desse ponto, o roteiro perde a força, baseando-se em forçadas sequências de ação e situações fracamente explicadas ou mal apresentadas.

Evitar o assassinato dos comissários e prender os vilões passa a ser o elemento central da trama envolvendo Batman e Spirit. E se o vilão Octopus parece ter inicialmente o papel preponderante, Coringa e Arlequina acabam roubando a cena, mais uma vez. No final, as quarenta páginas da HQ não parecem o bastante para se contar uma boa história, pois a captura final do bando de vilões é feita com um artifício externo: a aparição injustificável de um certo super-herói de Metropolis. Além disso, a idéia de levar dois heróis urbanos para uma aventura no Havaí não é lá muito brilhante. Em resumo, a história de Jeph Loeb é uma decepção, mesmo para alguém que não espera muito desse supervalorizado roteirista. A única ressalva fica por conta dos paralelismos entre o herói encapuzado de Gotham e o herói mascarado de Central City. É o que vemos, por exemplo, na apresentação dos personagens, em uma página inteira para cada um: primeiro é o nome de Spirit que aparece num letreiro despedaçado, e depois o de Batman que surge nas dobras de sua capa.

É claro que mesmo o exemplo acima pode ter mais a ver com os desenhos de Darwyn Cooke do que com o roteiro original. E o fato é que o grande atrativo de Batman & Spirit são os desenhos em estilo cartunizado, auxiliados pela competente arte-final e cores bem trabalhadas. O visual no conjunto cria uma leve atmosfera “anos 40”, na trilha do que vemos nas páginas de DC: A Nova Fronteira, em relação aos anos 50. Deve-se dizer, porém, que a qualidade final não se compara, sendo o trabalho que consagrou o desenhista canadense muito superior em termos técnicos e expressivos. Assim, num saldo geral, Batman & Spirit agrada pelo visual, mas não é uma HQ que se justifica por si só. Na verdade, a edição especial utiliza Batman e seus vilões para apresentar o Spirit e seus personagens coadjuvantes aos leitores dos super-heróis DC.

Seria praticamente impossível enumerar hoje todos os “encontros” ou edições especiais envolvendo o Batman. Separadamente, aliás, Jeph Loeb e Darwyn Cooke foram responsáveis por algumas delas. No caso de Spirit, a história é bem diferente. Personagem de um autor e não de uma editora, o herói criado por Will Eisner teve uma carreira menos comercial. A maior parte das edições especiais com o herói de Central City ficou por conta de homenagens de outros autores de quadrinhos. A Kitchen Sink, que detinha os direitos sobre a obra de Eisner, publicou em P&B e formato magazine a HQ coletiva Spirit Jam, assinada por autores como Milton Caniff, Richard Corben, Harvey Kurtzman, Frank Miller e Bill Sienkiewicz. A editora de Denis Kitchen também lançou, em 1998, a série The Spirit: The New Adventures, com novas histórias curtas criadas por Alan Moore, Dave Gibbons, Neil Gaiman, Michael Allred, Kurt Busiek, Paul Pope, entre outros nomes de destaque dos quadrinhos.

A DC Comics detém hoje os direitos sobre o personagem de Will Eisner, lançando os vinte e quatro volumes da coleção The Spirit Archives. Batman & Spirit vem selar a associação do personagem com a editora do Homem-Morcego, antecipando a série mensal escrita e desenhada por Darwyn Cooke, que será tema de uma próxima postagem.

07/03/2008

Redesenhando o Universo DC, com Darwyn Cooke.


De tempos em tempos, uma HQ de super-heróis chega causando impacto, propondo visões originais de antigos personagens, trazendo prestígio para seus autores e gerando continuações ou imitações. Isso aconteceu, por exemplo, em meados dos anos 90 com o enfoque subjetivo e o visual hiperrealista da minissérie Marvels de Kurt Busiek e Alex Ross. Mais recentemente, esse fenômeno se repetiu com DC: The New Frontier, a premiada minissérie produzida pelo canadense Darwyn Cooke, que redesenhou em versão cartunizada os principais personagens do “Universo DC”.

Lançada em 2004 em seis edições, relançada em dois volumes em 2005 (forma como chegou ao Brasil pela Panini) e reedita para uma luxuosa “edição absoluta” em 2006, a aclamada HQ projetou seu autor como um astro dos quadrinhos norte-americanos na atualidade. Antes de mais nada, porém, é preciso dizer que os principais elementos de DC: A Nova Fronteira não são criações originais de Darwyn Cooke. Afinal, a releitura do visual anos 40 e 50 para os personagens DC já havia sido utilizada, em 1991, na minissérie Os Melhores do Mundo, escrita por Dave Gibbons e ilustrada por Steve Rude, Karl Kesel e Steve Oliff. Isso sem falar nas séries de animação do Batman e Super-Homem produzidas por Bruce Timm, a partir de 1992 e 1996 respectivamente (e em cuja equipe Cooke trabalhou na produção de storyboards).

Outro elemento importante em DC: A Nova Fronteira é o emprego de uma estrutura regular na divisão de páginas (em três grandes quadros horizontais), com variações de acordo com a demanda narrativa, e a inclusão de simulações de textos jornalísticos (que buscam reforçar a contextualização da história). Também se destaca a ambientação dos personagens em décadas passadas, entremeada de referências a acontecimentos reais e de uma tentativa de imprimir dimensão política aos super-heróis. Mas qualquer pessoa que leu Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons já viu todos esses elementos (estrutura de diagramação regular, simulação de textos, ambientação histórica e politização dos super-heróis) empregados com outras formas ou propósitos.

O grande mérito do trabalho de Cooke está em ter reunido as recriações visuais (das animações da Warner) e as invenções narrativas (de Watchmen) numa combinação bastante original, que partiu da própria cronologia de relançamento dos super-heróis DC nos anos 50 (época em que surgiram as versões da chamada “Era de Prata”). Pecando no excessivo pró-americanismo e numa visão um tanto triunfalista da sociedade ocidental, DC: A Nova Fronteira se salva, no entanto, a cada instante pelas deliciosas imagens criadas pelo autor (com auxílio do colorista Dave Stewart). A releitura visual de personagens clássicos (como Super-Homem, Batman, Mulher Maravilha, Flash e Lanterna Verde), a partir de suas versões dos anos 50, é simplesmente perfeita. E está aí, creio eu, grande parte do sucesso da HQ: o fato de ela ter virtualmente redesenhado o Universo DC.

O traço cartunizado de Cooke, os ótimos efeitos de coloração e os quadros em formato de storyboard dão a sensação de que estamos assistindo a um desenho da Warner. Não é por menos, então, que acaba de ser lançada a animação Liga da Justiça: A Nova Fronteira (como parte de DC Universe, série de animações criadas a partir de sucessos dos quadrinhos). O filme é uma adaptação fiel da minissérie original e contou com a consultoria do próprio autor. Cooke também acaba de lançar, nos Estados Unidos, Justice League: The New Frontier Special, com histórias inéditas que complementam a HQ original.

05/03/2008

A longa jornada do Lobo Solitário.


Em julho de 1988, viajei em férias com minha família para o Espírito Santo. Na época, eu já era um ávido colecionador de quadrinhos e não poderia arriscar perder um número de minhas revistas favoritas (afinal, colecionadores não tiram férias, não é mesmo?). Para minha sorte, havia uma bicicleta na casa de praia que alugamos, e pude usá-la para procurar uma banca de revistas. Enfim, cheguei a uma banca que ficava próxima a uma padaria, à beira de uma estrada que terminava no mar (não me perguntem como consigo, depois de vinte anos, lembrar-me desses detalhes!). Rapidamente constatei que não havia saído nenhum número de Superaventuras Marvel, Novos Titãs ou qualquer outro dos formatinhos da Abril que eu colecionava. Foi aí que chamou minha atenção uma revista em formato maior, que mostrava na capa um raivoso samurai segurando numa mão uma espada ensanguentada e na outra um bebê com um estranho corte de cabelo.

A ilustração em si era bastante convidativa e o estilo de desenho não me era estranho. Isso porque, um ano antes, eu havia me tornado um fã de quadrinhos com ninjas e samurais, depois de ler a minissérie Wolverine, desenhada por Frank Miller. O fato é que o renomado quadrinista norte-americano era também o autor daquela ilustração de capa e de uma introdução na abertura da revista. Aí foi fácil ligar os pontos, pois aquela edição em “formato americano”, com miolo em preto & branco e repleta de duelos de espadas, era o número 1 da primeira publicação brasileira de Lobo Solitário, o influente mangá de Kazuo Koike e Goseki Kojima (sobre o qual eu já havia lido, mas o qual não conhecia ainda). Naquela banca, havia também os números 2 e 3 da edição da Cedibra, o que me leva a pensar hoje que se tratava de uma redistribuição para o mercado capixaba, de revistas que haviam sido vendidas em outros estados (mas que, até onde sei, não haviam chegado ainda às bancas de minha cidade natal, Belo Horizonte).

O que importava para mim naquele momento era que, não tendo encontrado nenhuma revista que eu colecionava, eu tinha dinheiro “sobrando” e não queria voltar de mãos vazias. Posso dizer que os 250 cruzados indicados na etiqueta de remarcação na capa foram muito bem investidos! De volta à casa de praia, naquele mesmo dia, pulei no beliche em que dormia e devorei as primeiras páginas da saga do injustiçado Itto Ogami e seu filinho Diagoro. Foi uma revelação! A temática interessante, a narrativa perfeita, os desenhos precisos e a ação dinâmica conciliada às informações culturais eram tudo que eu podia pedir. É claro que não resisti e, no dia seguinte, voltei à banca para comprar os números 2 e 3, pelo mesmo preço de 250 cruzados cada (o que provavelmente “estourou” meu limitado orçamento). Também trazendo introduções e capas de Miller, as revistas avançavam na saga, com direito a um mergulho no cotidiano e na espiritualidade do Japão feudal, muitas batalhas e duelos em que o Lobo Solitário exibia toda sua elegância e perícia na fina arte de trucidar os adversários.

Aquele foi meu primeiro contato com um mangá (e uma das primeiras vezes que li essa palavra) e posso dizer que comecei logo por um dos melhores. Lançado no Japão em 1970, Kozure Okami tornou-se um enorme sucesso, com milhões de exemplares vendidos e posteriores adaptações para o cinema, tevê e teatro. A coleção completa de Lobo Solitário soma mais de 8.500 páginas, distribuídas em 28 volumes. A primeira edição ocidental da obra de Kazuo Koike e Goseki Kojima foi lançada nos Estados Unidos pela First Comics, em 1987, contando com capas de Frank Miller e Bill Sienkiewicz (admiradores da série japonesa e estrelas do mercado norte-americano na época). A publicação, contudo, foi interrompida, deixando Lone Wolf and Cub incompleta (o que perduraria até o início deste século, quando a Dark Horse assumiu a série, usando como referência a edição japonesa). Mas foi mesmo a edição da First Comics que serviu de base para a primeira publicação brasileira, que seguiu o formato americano, número de páginas e ordem de leitura invertida para o padrão ocidental.

Além de seguir os modelos gráficos, a edição da Cedibra também copiou da matriz norte-americana o destino de permanecer incompleta. Com papel de pior qualidade no miolo, ao preço de 1 cruzado novo e cinquenta centavos, a série foi cancelada em 1989, em seu nono número. No ano seguinte, a editora Nova Sampa retomou a publicação, num formato menor, mas com mais páginas por edição. Chegando às bancas com uma outra moeda, ao preço de 120 cruzeiros (nos meses seguintes 150, 210, 400...), a nova versão também trazia como novidade as belas capas pintadas por Bill Sienkiewicz. Porém, essa versão almanaquinho seguiu os passos da anterior, sendo também interrompida em seu nono número, que chegou às bancas com uma capa ilustrada por Matt Wagner (e custando 900 cruzeiros). No início dos anos 90, a Nova Sampa ainda insistiu lançando Lobo Solitário como revistinha, com menos páginas, capas ruins e menor qualidade gráfica, numa tentativa que se encerrou em seu quinto número, ao preço de 2 reais e cinquenta centavos.

Numa trajetória com tantas interrupções e muitos altos e baixos, não era de se espantar que os detentores dos direitos autorais no Japão ficassem ressabiados em permitir uma nova edição brasileira. Felizmente, com a estrutura e recursos financeiros necessários, a Panini lançou a partir de janeiro de 2005 (tendo como modelo os 28 volumes da coleção japonesa) sua competente edição completa de Lobo Solitário, em bom papel, impressão adequada, mais de 300 páginas por número e o preço acessível de 12 reais e noventa centavos (que se manteve até o último número em abril de 2007). Para os leitores brasileiros, que seguiram toda a acidentada trajetória de Itto Ogami e Diagoro, foram quase 10 anos de espera. Uma longa jornada que certamente se justifica, se considerarmos a qualidade e importância da obra em questão: um clássico absoluto dos quadrinhos mundiais. Agora, para mim, só resta encontrar tempo para devorar as mais de 8.500 páginas de Lobo Solitário.

03/03/2008

Usagi Yojimbo, as aventuras de um coelho samurai.


O uso de animais humanizados (ou seres humanos com feições animalescas) é um recurso cartunístico muito comum nos quadrinhos e animações. Sua ampla popularização aconteceu com as produções de Walt Disney, na primeira metade do século 20. Mais tarde, já nos anos 80, uma nova leva de trabalhos desafiou as convenções das HQs e desenhos de bichinhos com formas e hábitos humanos. Os relatos do Holocausto nas páginas de Maus, o erotismo explícito de Omaha e a ação dinâmica de As Tartarugas Ninjas trouxeram novas visões e outras funções narrativas para os netos do Mickey Mouse. Outro exemplo dessa inusitada geração é Usagi Yojimbo, série que tem um novo volume lançado pela Devir, ao preço de R$28,00.

Criada pelo quadrinista Stan Sakai (um japonês radicado nos Estados Unidos), Usagi Yojimbo: Daisho é a segunda coletânea das aventuras de um coelho samurai no Japão feudal. Lançada em 1984, a série é uma espécie de paráfrase das histórias de Miyamoto Musashi, um renomado samurai que viveu no século 17 (e que, aliás, ganhou no Brasil dois álbuns criados pelo mestre Julio Shimamoto). Para criar sua HQ, Sakai teve como fontes de inspiração a série Groo de Sergio Aragonés (com as cômicas aventuras de um desastrado bárbaro), o mangá Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima (com a história de um samurai sem mestre e seu filhinho), além de filmes do genial Akira Kurosawa (criador de épicos como Os Sete Samurais e Ran). Em estilo cartunístico, repleto de referências histórico-culturais, duelos de espadas e até algum romantismo, podemos dizer que Usagi Yojimbo (ou “coelho guarda-costas”, em português) é uma obra com altos e baixos.

Defendendo uma aldeia de terríveis bandidos, ouvindo de um monge a “música do céu”, caindo de amores por uma nobre ou em busca de suas espadas roubadas (as daisho que dão subtítulo ao livro), Miyamoto Usagi é um herói honrado e corajoso, no melhor estilo dos lendários samurais (e que, por isso mesmo, não vacila em matar seus oponentes). Com 190 páginas de quadrinhos, divididas em dez capítulos, Usagi Yojimbo: Daisho tem, no entanto, desenhos meramente regulares. Algumas páginas e quadros são pouco detalhados ou trabalhados, algumas soluções visuais são mal-resolvidas e, no geral, a narrativa não é muito criativa. Por esses fatores, os bons roteiros do livro acabam surpreendendo e se sobressaindo em relação ao visual. As histórias de Sakai partem de uma boa pesquisa sobre o universo dos samurais, sendo pontuadas de referências culturais e alcançando uma admirável autenticidade (especialmente se considerarmos que os personagens são versões humanizadas de coelhos, cães, raposas, rinocerontes, entre outros bichos). E, por contraditório que pareça, o elemento cômico surge justamente nas sequências mais violentas, em que o herói mata seus adversários, que liberam então uma "fumacinha" com a imagem da caveira do animal em questão.

Usagi Yojimbo: Daisho traz uma (dúbia) introdução do roteirista James Robinson, reproduções de capas, um glossário dos termos japoneses e uma breve biografia do autor. A edição da Devir traz também descuidos na revisão de texto (que têm sido recorrentes nos últimos lançamentos da editora), deixando passar erros de digitação (“em uma ano”) ou mesmo de português (“as marteladas compactam o metal e o livra”) que não comprometem a leitura, mas poderiam ser evitados. Como um todo, o livro (que até nos ensina como eram feitas as espadas japonesas) é uma leitura interessante. Embora o visual e a narrativa deixem a desejar, seguramente as aventuras de Usagi Yojimbo agradarão aos fãs de histórias de samurais.

01/03/2008

Will Eisner no coração da tempestade.


Will Eisner foi sem dúvida um dos grandes inovadores dos quadrinhos, sendo um dos responsáveis pelo desenvolvimento da narrativa, das possibilidades expressivas e temáticas das HQs norte-americanas. O autor falecido em 2005 levou para as páginas de suas histórias o cotidiano e os conflitos pessoais dos habitantes das grandes cidades, representando-os através de um estilo inconfundível. E é isso que encontramos nas páginas de No Coração da Tempestade, graphic novel lançada no Brasil em 1996, em dois volumes pela editora Abril.

Concluída em 1990, No Coração da Tempestade é, segundo o próprio autor, “uma mal-disfarçada autobiografia”. Nas primeiras páginas encontramos Willie (Eisner), um jovem cartunista norte-americano convocado para servir o exército, em plena Segunda Guerra Mundial. Na viagem em direção a uma base militar, enquanto outros recrutas passam o tempo conversando ou lendo jornais, Willie mergulha em suas lembranças. Utilizando um artifício engenhoso, o autor imprime um caráter de “memória” à sua narrativa: as imagens que Willie vê através da janela do trem remetem a lembranças de seu passado. Assim, uma garota andando de bicicleta faz surgir lembranças de uma antiga namorada, um menino vendendo jornais faz com que ele se lembre de seu primeiro emprego.

Somos, assim, convidados a uma viagem em que as imagens saem da memória de Willie, direto para o papel. Contudo, em momento algum, o personagem assume explicitamente a função de narrador, sendo na verdade a figura central de uma HQ repleta de muitos outros personagens. Boa parte das páginas é dedicada à história de seus pais: ora é sua mãe que conta suas desventuras nos Estados Unidos do início do século 20, ora é seu pai que narra porque foi parar na América, após trabalhar como pintor em Viena. Mas, confusões de infância, interesses eróticos e o início da carreira como cartunista são lembranças que devolvem Willie ao centro da narrativa. Trabalho de um verdadeiro mestre, a história é contada com uma precisa variação de formas e disposições de quadros, aliada a um eficiente emprego das massas de claro e escuro.

O universo descrito em No Coração da Tempestade é o do final do século 19 e da primeira metade do século 20. Relações familiares, crises sociais e o clima de guerra compõem o “pano de fundo” para a trajetória da família de Willie. Os subúrbios nova-iorquinos (com seus imigrantes multinacionais) e os cafés europeus (com seus artistas e vida cultural agitada) fornecem o ambiente para a história contada por Eisner. Os personagens, construídos a partir de experiências pessoais do autor ou relatos de seus pais possuem um incrível realismo. Como se tornou recorrente nos trabalhos do quadrinista, uma questão presente ao longo dessa HQ é o preconceito sofrido pelos judeus. Mas aqui o autor não nos mostra a perseguição aberta e violenta empreendida pelos nazistas nos anos 30 e 40, mas o preconceito das pessoas comuns, presente no dia-a-dia.

No Coração da Tempestade foi o melhor lançamento em quadrinhos a chegar às bancas em 1996. E isso apesar da impressão e acabamentos meramente comuns, empregados pela Abril Jovem. Assim, como a obra está esgotada há algum tempo e a Devir vem lançando outras graphic novels de Will Eisner, seria um bom momento para uma reedição de No Coração da Tempestade, desta vez com o cuidado e a qualidade de impressão que o trabalho merece.