27/02/2008

A Força da Vida de Will Eisner.


Dando continuidade à publicação das graphic novels de Will Eisner, a Devir lança agora A Força da Vida. Com impressão especial na capa e 152 páginas impressas em sépia sobre papel chamois, a edição chega às livrarias ao preço de R$ 38,00. Ambientado na década de 1930, durante os anos da Grande Depressão econômica nos Estados Unidos, o livro traz a essência dos melhores trabalhos do mestre da “arte sequencial”.

Em termos estilísticos e temáticos, A Força da Vida enquadra-se na sequência de ótimas obras que Eisner lançou a partir de 1978 (Um contrato com Deus, Nova York: A Grande Cidade, O Edifício) e que deram origem à tradição das graphic novels norte-americanas. Criada há vinte anos, a HQ traz uma narrativa bastante diversa, que mistura páginas de quadrinhos, textos ilustrados, representações de cartas e reportagens ou até mesmo a compilação de dados meteorológicos. Produzida por alguém que viveu no ambiente e época retratados (a nova York dos anos 30), a obra traz uma notável riqueza na representação dos personagens, cenários e contexto. Não é por menos que, no traço característico do mestre, pessoas e acontecimentos vão surgindo e interagindo, ganhando vida e sentido a cada capítulo.

É interessante notar que A Força da Vida não constitui exatamente uma trama linear (sendo mais uma espécie de “novela” do que propriamente um “romance” gráfico). O que o livro nos apresenta são um tema e vários personagens, ao longo de capítulos que vão se entrelaçando. O tema já está presente no título, é a “força da vida” que nos impele adiante mesmo nas situações mais adversas, e ainda que nos questionemos sobre o sentido de nossa existência ou sobre a existência ou não de um Deus. Os personagens (como não poderia ser diferente numa obra de Eisner) são pessoas comuns, capturadas em breves instantâneos ou longas sequências da vida nas grandes cidades. São os injustiçados e os perseguidos das grandes lutas sociais, os heróis e os vilões dos pequenos dramas cotidianos, os apaixonados e os desesperançados, jovens e velhos, pessoas como nós, tratadas com lirismo e respeito.

O título do livro também dá nome ao primeiro capítulo e reaparece na parte em que um dos personagens centrais se põe a questionar o sentido da vida, diante de uma indefesa barata (talvez um eco intertextual de Franz Kafka?). E embora o inseto seja bastante relevante nas primeiras páginas, ele desaparece no decorrer do livro, retornando para um desfecho temático, no capítulo final. O que ganha força à medida que os capítulos se sucedem são os elementos do contexto histórico, que surgem do cotidiano dos personagens ou provocam a interação entre eles. É assim que ficamos sabendo dos conflitos envolvendo o movimento comunista e sindical em Nova York, de como surgiu e se estabeleceu a máfia italiana naquela cidade ou das dificuldades e desafios impostos pela Grande Depressão. E uma vez que Eisner passou a juventude num bairro de forte presença judaica, vários personagens da HQ têm essa origem cultural. Logo, o início da perseguição nazista na Alemanha, que levaria ao Holocausto dos judeus na Segunda Guerra Mundial, tem um papel importante no desenrolar dos fios narrativos da obra.

Seguramente, A Força da Vida não é a obra mais genial de Will Eisner. Ainda assim, é um trabalho que eleva e enriquece a arte dos quadrinhos, sendo também um título que não deve faltar na coleção dos admiradores do grande mestre norte-americano. E para aqueles que quiserem ler uma entrevista exclusiva que fiz com ele ou saberem mais sobre seu trabalho, basta clicar no nome WILL EISNER abaixo.

24/02/2008

Chiclete com Banana de Angeli em “edição definitiva”.


Chegou às lojas o quarto número da Antologia Chiclete com Banana, série lançada pela Devir e Nova Sampa como uma seleção dos melhores momentos da revista criada por Angeli. Reunindo HQs curtas, tirinhas, textos satíricos, cartuns e fotonovelas, a edição oferece uma boa dose do humor ácido e cínico que caracterizou a publicação original, tudo no estilo sexo, biritas & nonsense do udigrudi brasileiro, não faltando sequer descuidos na revisão de texto.

Lançada em outubro de 1985, a Chiclete com Banana original teve 24 edições regulares e mais 20 especiais, numa bem-sucedida trajetória que se estendeu até 1995, somando mais de 3 milhões de exemplares impressos. Com desenho e texto influenciados pelo underground francês e norte-americano, o trabalho de Angeli tinha, no entanto, um caráter bastante pessoal, que serviu para consagrar personagens como Rê Bordosa e Bob Cuspe. Aproveitando tirinhas já publicadas no jornal Folha de São Paulo misturadas a novas HQs e desenhos de Angeli, a revista contou ainda com a colaboração de vários cartunistas e humoristas, como Laerte, Glauco, Cacá Rosset e Marcatti.

Símbolo do novo humor que surgia com a abertura política pós-Ditadura, a Chiclete fazia a chamada “crítica de costumes”, ao mesmo tempo em que traçava a crônica de um segmento da vida paulistana. Sem engajamentos a causas políticas ou compromissos com qualquer posição ideológica, a revista atirava para todos os lados, numa proposta pretensamente anárquica. Tendo como base o renome alcançado por Angeli com seus trabalhos na Folha de São Paulo, a revista surgiu como uma iniciativa de Toninho Mendes, através da Circo Editorial. Tendo se especializado na edição de livros de humor, o editor viu na época uma boa oportunidade para a publicação de quadrinhos para bancas, lançando revistas com trabalhos de Angeli, Glauco e Laerte, além da Circo, uma das melhores antologias de HQs brasileiras já lançadas.

Parceiro da Devir na edição de coletâneas de humor desde 2000, Toninho Mendes também é o coordenador editorial da Antologia Chiclete com Banana, que terá 16 volumes, num total de 800 páginas reeditadas. O quarto e mais recente número traz de brinde um pôster colorido com os Skrotinhos e na capa a criação maior de Angeli, a “porra-loca” Rê Borsosa. Sempre regada a vodka, a personagem também aparece numa sequência de tiras sobre seus amantes e em uma história de página única, ao lado de Meiaoito. Outros personagens bastante conhecidos que têm lugar nesta edição são Bob Cuspe, protagonista de duas HQs de página única, e Los Tres Amigos, na história de que fecha o número. O restante da revista fica por conta de novos personagens e sátiras sociais, com destaque para a seção "Rui Resenha", com a biografia de vários mártires desconhecidos do rock. Merece ainda atenção o pôster central “Paulista também trepa”, em que Angeli faz uma “releitura” da sequência memorável de Tempos Modernos de Charlie Chaplin.

Trazendo na capa o subtítulo Edição Definitiva para Colecionadores, a revista tem boa impressão, mas não se enquadra exatamente no que se convencionou chamar de “Edição Definitiva”. Contudo, num tempo de quadrinhos lançados em belos livros a preços caríssimos, a opção por uma coleção de revistas vendidas a R$7,90 talvez se revele bastante acertada. Outro fator que merece registro é a intenção de legitimar a reedição, marcando textualmente o fato de que “Humor também é História”. Embora essa frase seja perfeitamente correta, é no mínimo notável a busca de legitimação histórica para uma revista que sempre se caracterizou pela intenção anárquica e anti-institucional. Talvez o destino dos transgressores do passado seja mesmo se tornar os modelos do presente.

De qualquer forma, para um mercado que tanto negligencia a produção nacional e as obras que fizeram a história de nossos quadrinhos, a publicação de Antologia Chiclete com Banana, bem como dos belos volumes de Piratas do Tietê, é certamente uma notícia a ser comemorada.

21/02/2008

Harvey Kurtzman: cartunista, roteirista, editor e gênio dos quadrinhos.


Completam-se hoje quinze anos do falecimento de Harvey Kurtzman. Cartunista, roteirista e editor de grande talento, ele foi um dos nomes de destaque na extinta EC Comics, além de ser o criador da Mad, um importante colaborador da Playboy e um dos artistas mais influentes dos quadrinhos norte-americanos. Tendo emprestado seu nome a um conceituado prêmio, o quadrinista nascido em Manhattan em 1924 é, no entanto, relativamente pouco conhecido no Brasil (principalmente considerando a importância de sua obra).

Harvey Kurtzman começou a desenhar quando criança (com giz na calçada em frente à sua casa), ganhando mais tarde concursos de desenho que o incentivaram a continuar. Cursando uma escola técnica de Artes, ele conheceu alguns dos desenhistas que se tornariam seus parceiros na futura carreira, como John Severin e Will Elder. Com o advento da Segunda Guerra Mundial, o aspirante a cartunista teve que servir em bases militares nos Estados Unidos, mas logo retornou à sua grande paixão. Páginas de HQs e cartuns para jornais e revistas se seguiram nos primeiros anos de sua trajetória profissional, notoriamente a série Hey Look!. Mas seu destino eram mesmo as revistas em quadrinhos.

Foi na revolucionária editora EC Comics (conhecida pela revista de terror Tales from the Crypt) que Kurtzman despontou como um dos mais talentosos artistas dos quadrinhos norte-americanos. Dono de um traço que chamo de cartunizado (que concilia simplificações próximas ao estilo cartunístico, com proporções próximas ao desenho acadêmico), o artista logo conquistou um lugar fixo na editora. Com histórias de ficção científica para as revistas Weird Science e Weird Fantasy, ele também se firmou como um roteirista muito popular entre os leitores. Atento ao resultado dos trabalhos, Kurtzman costumava desenhar esboços detalhados de cada uma das páginas dos roteiros feitos para outros desenhistas.

Talentoso e eficiente, o quadrinista acabou acumulando funções de editor. Foi assim que, após o advento da Guerra da Coréia (1950-1953), Kurtzman convenceu o dono da EC Comics, William Gaines, a mudar o enfoque de sua revista bimestral de aventuras, a Two-Fisted Tales, para algo mais sério e voltado ao clima do momento. Com isso, surgia um dos melhores e mais influentes quadrinhos de guerra já feitos. Com capas desenhadas por Kurtzman, inicialmente as temáticas das HQs variavam muito, indo da conquista espanhola das Américas, até a Segunda Guerra Mundial, passando por contos de contrabandistas da Amazônia, imperadores romanos e piratas sanguinários. Com o tempo, porém, histórias com relatos da Guerra da Coréia, bem como denúncias das atrocidades de outros conflitos passaram a predominar.

Publicada no momento em que os Estados Unidos mergulhavam numa nova guerra, Two-Fisted Tales não fazia a apologia patriótica que se esperava. Como explicou o próprio Kurtzman: “os quadrinhos de guerra até aquele momento tinham mostrado só um lado. Os americanos eram os mocinhos e todos os outros eram maus. Os soldados americanos eram caras bonitos e durões com nervos de aço. Os inimigos pareciam sub-humanos e eram covardes sem-orgulho. Eu queria fazer um quadrinho de guerra que mostrasse a verdade” (The New Two-Fisted Tales, 1993). Com boas histórias, narrativa eficiente e desenhos de qualidade, a revista tornou-se um grande sucesso, motivando o lançamento de outra antologia de guerra, a Frontline Combat.

Mas o que tornou Harvey Kurtzman um nome conhecido internacionalmente foi outro gênero editorial. Com o sucesso mercadológico da EC Comics, William Gaines resolveu lançar uma nova publicação editada por Kurtzman, porém dessa vez no gênero do humor. Lançada em 1952, editada, escrita e totalmente esboçada por Kurtzman, Tales Calculated to Drive you Mad era uma revista em cores, trazendo HQs curtas desenhadas por Will Elder, John Severin, Jack Davis e Wally Wood. Já na capa-cartum ilustrada pelo próprio editor, a primeira edição da Mad deixava clara sua proposta de um humor inteligente e baseado principalmente em sátiras culturais. Ao longo das primeiras edições não faltaram paródias a filmes e quadrinhos de terror, faroeste, ficção científica, aventura e super-heróis, além de personalidades dos esportes e da cultura norte-americana da época.

A versão comic book da Mad durou até meados de 1955, quando a revista passou a ser publicada em formato magazine e em P&B. Essa mudança foi proposta por Kurtzman, que buscava mais reconhecimento social e recompensa financeira por seu trabalho. No final das contas, a Mad não apenas passou a vender mais, como acabou sendo a única publicação da EC Comics a sobreviver à “caça às bruxas” que levou à imposição do nefasto Código de Ética dos Quadrinhos (de cuja influência a nova versão da revista escapava). Ainda assim, no ano seguinte, Kurtzman deixou a EC Comics, após se desentender com seu patrão. De fins dos anos 50 até o início dos anos 60, o cartunista, roteirista e editor participou de vários projetos e iniciativas para fazer decolar uma nova publicação de humor, lançando títulos como a Help! e abrindo espaço para novos talentos como Robert Crumb e Gilbert Shelton.

A última criação de sucesso produzida por Kurtzman foi a série Little Annie Fanny, veiculada pela revista Playboy entre 1962 e 1988. Em quadrinhos desenhados e pintados inicialmente por Will Elder, a sátira traz sua bela, ingênua e bem-dotada protagonista, em várias situações de conotação sexual. Mas o trabalho mais significativo de Kurtzman foram mesmo as revistas que ele criou e editou nos anos 50 e 60. Produções como Two-Fisted Tales e Mad reinventaram os quadrinhos de guerra e a sátira em quadrinhos, recebendo seguidas reimpressões. Mais que isso, seu trabalho contribuiu para ampliar as possibilidades temáticas das HQs norte-americanas, além de redefinir os padrões do humor. Seus quadrinhos com “conteúdo” e suas sátiras inteligentes influenciariam criações importantes, como os roteiros de Alan Moore, a série Os Simpsons e os filmes de Monty Python. Gênio dos quadrinhos, Harvey Kurtzman faleceu em 21 de fevereiro de 1993, em decorrência de um câncer no fígado.

18/02/2008

O Circo metalinguístico de Jozz.


Desde os anos 90, assistimos a um crescente interesse pelo estudo dos quadrinhos, com a produção de vários trabalhos acadêmicos e o lançamento de diversas obras teóricas (eu mesmo dei minha contribuição em livros como Um mundo em quadrinhos). O mais recente produto dessa linhagem é Circo de Lucca, um trabalho de Jorge Otávio Zugliani, quadrinista que atende pelo pseudônimo Jozz. Lançado pela Devir Livraria, o livro traz uma original abordagem conceitual dos quadrinhos, numa mistura de elementos metalinguísticos, autobiográficos e ficcionais.

Resultado de um trabalho de graduação em Design Gráfico, Circo de Lucca abre com um “Prefácio de Luiz Gê”, professor e orientador de Jozz em sua pesquisa (e um dos mais criativos artistas que os quadrinhos brasileiros já viram). Com o objetivo de contextualizar o livro, o prefácio parece também ter uma função de legitimação, mas acaba se revelando dispensável (ou talvez apontando para o fato de que o texto seria melhor localizado num posfácio). O fato é que, apesar dos desenhos um pouco inconstantes, que variam de páginas menos detalhadas a outras bem mais elaboradas, Circo de Lucca se destaca pelo uso criativo da linguagem dos quadrinhos. Em meio a referências a HQs, livros, músicas e filmes, conhecemos um jovem aspirante a quadrinista em busca do tema para uma nova história, e às voltas com um misterioso palhaço imaginário.

Assim como Desvendando os quadrinhos e Reinventando os quadrinhos de Scott McCloud, o livro de Jozz utiliza o recurso de apresentar os elementos da linguagem dos quadrinhos, através da própria narrativa quadrinística. Circo de Lucca, porém, traz um novo componente, ao partir da mistura de elementos autobiográficos, ficcionais e metalinguísticos. Com isso, a história do desenhista Lucca serve de pretexto para a discussão sobre como funciona a linguagem dos quadrinhos (no que encontramos um paralelo com o livro O mundo de Sofia, no qual o escritor Jostein Gaarder emprega uma narrativa ficcional para apresentar a história da Filosofia). Para marcar as variações entre a história narrada e os comentários conceituais, Jozz emprega um amplo repertório de técnicas (lápis, nanquim, pintura, gravura, mimeógrafo), originando páginas ora em P&B, ora em cores, o que convida o leitor a um jogo visual e simbólico.

Na verdade, toda obra traz em si um componente interativo, uma vez que se realiza no encontro da intenção criativa do autor, com a liberdade interpretativa do leitor. Mas podemos dizer que Circo de Lucca surpreende com uma inventiva proposta de interação: num dado momento, o leitor depara com uma sequência de quatro páginas divididas igualmente em três tiras horizontais cada; as duas páginas centrais diferenciam-se por trazerem entre as tiras o desenho da tesourinha com linha pontilhada, indicando que o leitor deve recortá-las ali; depois de as páginas serem devidamente recortadas, o resultado é que o leitor pode passar ora uma, ora outra, ou mais de uma das tiras, produzindo diferentes combinações narrativas, gerando novas continuidades para a história naquele ponto. Simplesmente brilhante!

Nas últimas páginas, a discussão sobre o processo criativo interfere na história do personagem Lucca, ao mesmo tempo em que o componente autobiográfico cede mais espaço a elementos ficcionais. Mas o fim da HQ não traz o final do livro, que ainda inclui uma pertinente discussão sobre a linguagem dos quadrinhos e uma detalhada explicação de como ele foi produzido (numa última volta metalinguística, talvez não exatamente proposital, em que o livro nos diz: veja, eu sou um livro!). A primeira vez que vi o trabalho de Jozz foi na segunda edição de sua mini-revista Zine Royale. Já ali, em poucas páginas, tive a amostra de um quadrinista inteligente e interessado em explorar a narrativa quadrinística e sua interação com outras linguagens. Com Circo de Lucca, Jozz se apresenta como um dos mais promissores quadrinistas brasileiros da nova geração.

15/02/2008

Os 10 anos do Estórias Gerais!


Há dez anos, eu estava totalmente envolvido numa das maiores aventuras de minha vida: a criação de Estórias Gerais. Produzido em parceria com o saudoso Flavio Colin, com suas 148 páginas e capa, o álbum foi resultado de muita dedicação e paixão pelos quadrinhos e pelo Brasil (os detalhes de como ele foi produzido podem ser conhecidos na seção EXTRAS GERAIS do meu saite). Desde que nosso trabalho veio a público, tem sido muito gratificante ler e ouvir pessoas dizendo que ele é “um dos melhores quadrinhos que já li” ou “um dos melhores álbuns brasileiros já feitos” (afinal, como dizia o mestre Colin, o reconhecimento do público é nosso “salário moral”). Mas, a verdade é que o Estórias Gerais correu o risco de ficar inédito!

Após praticamente um ano me dedicando ao projeto, era grande a vontade de vê-lo impresso. Assim, em setembro de 1998, tão-logo Colin concluiu o último dos capítulos principais do álbum (restando apenas para serem desenhadas a HQ em cores "Estória de Onça" e a capa), decidi procurar um editor. Comecei por buscar, em expedientes de revistas em quadrinhos publicadas na época, os endereços das editoras (não importando se a empresa em questão só publicasse quadrinhos estrangeiros). Também anotei o endereço de duas editoras que não eram especializadas em quadrinhos, mas que haviam publicado HQs em suas linhas infanto-juvenis. Em pouco tempo, eu já tinha uma lista com aproximadamente uma dezena de endereços.

Então, escrevi uma carta de apresentação e tirei cópias xérox do primeiro capítulo do álbum. O passo seguinte, obviamente, foi colocar aquela dezena de cópias em uma dezena de envelopes, endereçá-los devidamente e postá-los (como Carta Registrada, por segurança). Ou seja, o primeiro capítulo de Estórias Gerais foi enviado a TODAS as editoras que publicavam ou haviam publicado quadrinhos no Brasil por volta de 1998. E qual foi o resultado? Quase nulo, é claro. O máximo que recebi como resposta foram duas cartas (tecnicamente educadas devo dizer), elogiando a qualidade do trabalho, mas dizendo em conclusão que “lamentavelmente nossa editora não tem interesse em publicá-lo”. Essa foi a primeira mostra da indiferença geral dos editores no Brasil pelos quadrinhos brasileiros (muitas outras se seguiriam!).

Logo percebi que, apesar de todo meu trabalho e da reputação do mestre Colin, publicar aquela HQ de quase 150 páginas não seria algo fácil. Mas também não daria para desistir! Assim, fiz em 1999 um projeto para a Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, mas ele infelizmente não foi aprovado. No ano seguinte, fiz outro projeto para a Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Governo de Minas, que foi aprovado, mas para o qual não consegui encontrar uma empresa que se interesse em receber descontos em seu ICMS para investi-los na publicação de uma história em quadrinhos. Ainda em 2000, fiz um novo projeto para o Fundo Cultural da Lei de Incentivo de BH, que finalmente foi aprovado, embora em menos de 40% dos recursos solicitados inicialmente e com um repasse financeiro que só se iniciou em meados de 2001.

Esses fatores forçaram-me a fazer cortes e adaptações na versão original do projeto (todos devidamente aprovados pela Comissão da Lei de Incentivo), que levaram, entre outras coisas, a que a HQ em cores "Estória de Onça" ficasse de fora da edição independente. De qualquer forma, em agosto de 2001 (após três anos de espera) pude finalmente lançar o Estórias Gerais, com uma tiragem de 1.000 exemplares. Para alegria minha e do mestre Colin, desde o início a recepção do álbum foi excelente, recebendo ótimas resenhas e críticas (algumas das quais também podem ser lidas na seção EXTRAS GERAIS do meu saite
). Para completar, em seguida o álbum conquistou os principais prêmios nacionais: os troféus Angelo Agostini de Melhor Desenhista e Melhor Roteirista, e os HQ MIX de Melhor Roteirista e Melhor Graphic Novel de 2001. Era realmente mais do que eu esperava quando comecei aquela aventura!

A publicação pela Lei de Incentivo possibilitou e de certa forma condicionou que o álbum tivesse um preço reduzido, o que facilitou em muito sua comercialização. Com isso, além dos 200 exemplares reservados para serem enviados a escolas de Belo Horizonte, em dois anos os 800 exemplares restantes já estavam esgotados (e isso mesmo com as dificuldades de distribuição e divulgação dos quadrinhos independentes, e em grande parte graças aos muitos fãs do mestre Colin). Mas, com isso, o Estórias Gerais ficaria outros três anos fora do mercado. E quando o álbum finalmente recebeu sua primeira publicação por uma editora, não foi no Brasil e nem em português. O fato é que o quadrinista Marcelo Lelis havia publicado seu álbum Saino a Percurá na Espanha e me perguntou por que eu não tentava lançar meu álbum por lá. Achei uma excelente idéia e consegui com Lelis o contato de seu editor espanhol.

Depois de uma troca inicial de e-mails, combinei de enviar a Paco Camarasa um Pdf com o primeiro capítulo do álbum (notem que foi exatamente o mesmo conteúdo que eu enviara aos editores brasileiros em 1998). Não demorou nada para chegar a resposta de que a Edicions de Ponent lançaria o Estórias Gerais, ou melhor o Tierra de Historias na Espanha (a opção pela mudança de título se deveu ao fato de que não seria possível manter a duplicidade do nome brasileiro, no idioma castelhano). Mas, se conseguir uma editora não foi difícil, para eles conseguirem um tradutor foi uma demora de mais de seis meses. Pelo que soube, nenhum tradutor na Espanha, ou mesmo em Portugal, estava conseguindo entender a linguagem coloquial e os jogos de palavras que utilizei no álbum (ou seja, meu “mineirês” como gosta de dizer o amigo Sidney Gusman). Por fim, acabei conseguindo uma tradutora brasileira que fez uma transposição técnica do texto para o Espanhol.

Tierra de Historias foi lançado em junho de 2006, tendo também uma ótima recepção pelos leitores e críticos espanhóis (e estando ainda disponível para os leitores ibéricos pelo saite da Edicions de Ponent
). Mas faltava ainda uma reedição para os leitores brasileiros. Tendo isso em mente, quando me encontrei com Rogério de Campos, o diretor da editora Conrad, no FIQ de 2005, lembrei-me de que ele havia dito, no HQ MIX de 2002, que gostaria de ter editado o Estória Gerais. Numa rápida conversa, deixamos acertada uma reedição de meu premiado álbum. Levamos ainda um tempo para assinar um contrato, mas o lançamento na Espanha serviu de incentivo para que, em agosto de 2007 (exatos seis anos após a primeira edição), o Estórias Gerais ganhasse uma nova edição (com papel especial, depoimento inédito do mestre Colin e finalmente trazendo a "Estória de Onça").

Mais uma vez a recepção de nosso trabalho foi muito boa, a exemplo das resenhas publicadas na revista Rolling Stone Brasil
, no jornal Estado de Minas e no Almanaque Virtual, além de uma nova leitura feita por Sidney Gusman para o Universo HQ. Para mim, o Estória Gerais foi e tem sido uma grande aventura. Para o mestre Colin, trabalhar no álbum foi uma grande satisfação (como ele me revelou em cartas e telefonemas). Para nós dois, foi sempre um privilégio quando um novo leitor descobria e se identificava com nosso trabalho. Para você que ainda não conhece nosso trabalho, posso garantir que será uma leitura, no mínimo, muito interessante. E para quem estiver interessado, o Estórias Gerais pode ser comprado em preço promocional aqui.

12/02/2008

O Novo Universo Marvel versão Warren Ellis e Salvador Larroca.


Em 2006, foi anunciado com alvoroço o lançamento de newuniversal, nova série em que o roteirista Warren Ellis e o desenhista Salvador Larroca recriariam os principais personagens e conceitos do Novo Universo Marvel (que então completava 20 anos). Os primeiros números se esgotaram logo após o lançamento, ganhando reimpressões e prometendo um duradouro sucesso comercial. Ainda assim, os autores decidiram interromper o trabalho na sexta edição (com a qual se concluiu a suposta “primeira temporada” da revista), deixando uma promessa de retorno para 2008. Mas a pergunta que me faço é: será que vale a pena?

Com suas 144 páginas, a coletânea das seis primeiras edições da série (newuniversal: everything went white) começa com uma rápida introdução de três de seus principais personagens: John Tensen (um policial ferido em serviço que se tornará Justice), Kenneth Connel (um cara comum do interior norte-americano que encarnará Star Brand) e Izanimi Randal (uma garota de San Francisco que assumirá a figura de Nightmask). Após o Evento Branco (acontecimento astronômico de natureza inexplicada), a vida dessas e de outras pessoas se transforma radicalmente. Nas edições seguintes, ainda somos apresentados a Jenny Swann (uma engenheira tecnológica que vestirá a armadura Spitfire), Emmett Proudhawk (um índio lakota capaz de se comunicar com o Grande Espírito) e Phillip L. Voight (um velho agente encarregado de executar pessoas com poderes sobre-humanos), isso sem falar numa cidade européia de milhares de anos com seus defensores superpoderosos e em três supostos seres do futuro que colocam o governo norte-americano em pânico.

A coletânea newuniversal: everything went white é um livrinho bacana, com ótima impressão e tudo mais. Considerando a inspiração no conceito fundamental do Novo Universo Marvel, o volume tinha tudo para trazer também uma ótima HQ de super-heróis e ficção científica. Porém, não é bem isso que acontece. Embora tenha alguns momentos interessantes, o roteiro de Warren Ellis não passa de “um roteiro de Warren Ellis”. Algumas doses de violência explícita, uma trama superestrutural que beira a grandiloquência e uma certa insistência em acrescentar “conteúdo” aos diálogos acabam levando a um roteiro que poderia ter sido muito melhor do que realmente é (um cruzamento forçado do Novo Universo, com os quadrinhos de Alan Moore e a série Arquivo-X). Quanto às ilustrações de Salvador Larroca com as cores de Jason Keith, podemos dizer que, por alguns instantes, elas até enganam com seu efeito de bem-acabadas. Porém, no instante em que nos lembramos de que estamos lendo uma HQ, as imagens excessivamente estáticas e sombreadas acabam mais prejudicando que contribuindo para a narrativa (o uso de atores como modelos para vários personagens também não ajuda muito).

Num saldo geral, por sua qualidade técnica e enredo mais cerebral, newuniversal é uma HQ de super-heróis acima da média. Mas não é uma obra que se possa chamar de “imperdível” (pessoalmente, prefiro o volume com as sete primeiras HQs originais de Star Brand, também lançado em 2006). Por seu visual e diálogos, a criação de Ellis, Larroca e Keith parece mais a transposição de episódios de uma série de tevê, do que propriamente uma história em quadrinhos. O interessante é que, na mesma época em que a “primeira temporada” de newuniversal era lançada, estavam sendo exibidos os episódios da primeira temporada de Heroes, série de tevê que também bebeu na fonte criativa do Novo Universo Marvel.

10/02/2008

Novo Universo Marvel: uma boa idéia que deu errado.


Em maio de 1987, os formatinhos da Abril com os heróis Marvel trouxeram na penúltima página um anúncio em que se destacavam as silhuetas em azul de vários personagens. No mês seguinte, uma propaganda similar revelava, com as devidas linhas e cores, toda uma galeria de novos personagens. Logo abaixo do desenho, um texto fazia a convocação: “prepare-se para conhecer novos heróis, novas lendas, O NOVO UNIVERSO”. E assim os leitores brasileiros foram apresentados ao chamado “Novo Universo Marvel”, publicado por aqui ao longo de um ano, nas revistas Força-Psi e Justice (que traziam a moldura negra que diferenciava as revistas dessa linha, das publicações com os heróis tradicionais).

Lançado nos Estados Unidos em 1986, The New Universe nasceu de uma idéia do editor-chefe Jim Shooter, como parte das comemorações pelos vinte e cinco anos da Marvel (contados a partir do lançamento da revista Fantastic Four em 1961). Mas houve também uma motivação mais comercial, já que na época a editora via sua principal concorrente, a DC Comics, reconquistar uma considerável parcela do mercado (após Crise nas Infinitas Terras e com as reformulações de seus principais super-heróis). Shooter percebeu então a oportunidade de lançar uma nova linha de heróis que, embora tivessem superpoderes, habitavam uma realidade mais próxima à do mundo contemporâneo, com explicações e implicações mais verossímeis para um leitor dos anos 80 (ao invés de mutantes, para-normais; no lugar de deuses ou tramas mirabolantes, pessoas comuns com dramas cotidianos).

O Novo Universo foi a versão Marvel para os super-heróis mais racionalistas dos anos 80 (uma proposta que começou com Marvelman de Alan Moore e talvez tenha se completado com Animal Man de Grant Morrison). A premissa básica era a de que após um misterioso clarão cósmico, conhecido como Evento Branco, pessoas comuns descobriram-se dotadas de poderes sobre-humanos (sim, qualquer semelhança com uma série de tevê chamada Heroes não é mera coincidência!). Assim surgiram personagens como Justice, Máscara Noturna, Trovão, P.N.7, Força-Psi e Star Brand (traduzido no Brasil como “Estigma, a marca da estrela”). Contudo, em meio a problemas editoriais, o Novo Universo sofreu atrasos, cortes de orçamento e dificuldades na escolha de uma equipe à altura da complexidade do projeto. Ainda assim, enquanto proposta criativa, o Novo Universo trouxe elementos bastante interessantes e algumas inovações.

A mais bem-acabada das séries foi Star Brand, a história do mecânico Ken Connell que, após o encontro com um alienígena, herda os poderes da “arma mais poderosa do universo” (uma versão diferenciada da história básica de como o Lanterna Verde Hal Jordan conseguiu seus poderes). Nos primeiros capítulos da série, escritos por Jim Shooter e desenhados por John Romita Jr., o herói enfrenta terroristas árabes, problemas amorosos com suas duas namoradas e a ameaça do suposto alienígena que chama de Velho. Como um todo, porém, o Novo Universo acabou não sendo um sucesso comercial (o que contribuiu para a tumultuada saída de Shooter da Marvel). Algumas alterações e correções editoriais foram feitas, entre elas a escolha de John Byrne como roteirista-desenhista de Star Brand (em HQs publicadas no Brasil na revista Superaventuras Marvel). Mas as mudanças não foram o bastante para impedir o cancelamento da linha de revistas, em 1989.

Personagens e elementos saídos do Novo Universo apareceram em revistas regulares da Marvel, ao longo dos anos. Mas o verdadeiro retorno da linha aconteceu em 2006, quando foi comemorado seu aniversário de vinte anos, com a publicação de cinco revistas da série Untold Tales of the New Universe (trazendo histórias inéditas dos personagens Estigma, Justice, Máscara Noturna, Força-Psi e P.N.7), além de coletâneas com as primeiras HQs de Estigma e P.N.7. Para completar, a Marvel anunciou com grande alvoroço o lançamento de newuniversal, revista escrita por Warren Ellis e desenhada por Salvador Larroca, recriando os principais personagens e temas do projeto original.

Apesar dos problemas e erros, o Novo Universo marcou época, antecipando uma concepção de super-herói que faz sucesso hoje na tevê. Com isso, talvez o Novo Universo Marvel deva mesmo ser lembrado como uma boa idéia que deu errado.

07/02/2008

A verdadeira origem e história de Wolverine.


Hoje pode parecer incrível, mas não muito tempo atrás era possível que alguém recém-chegado ao mundo dos quadrinhos jamais tivesse ouvido falar de um herói chamado Wolverine. O fato é que, desde os anos 80, a popularidade desse personagem e sua exposição nas HQs, animações e filmes foi tanta que, mesmo para alguém que não lê quadrinhos, “Wolverine” pode ser um nome familiar. Embora nos últimos tempos as várias transformações, reviravoltas e revelações, sem falar nas muitas cópias e plágios, tenham levado a uma superexploração e ao desgaste do personagem, houve um momento em que Wolverine esteve na "vanguarda" dos quadrinhos de super-heróis.

O wolverine (carcaju, em português) é um pequeno mamífero peludo e de garras afiadas, que vive no norte da América do Norte. No início dos anos 70, o roteirista Len Wein em parceria com o desenhista John Romita Sr. inspiraram-se no feroz bichinho para criar um novo super-herói. Com isso, o herói mutante Wolverine fez sua estréia na revista The Incridible Hulk n°180, desenhada por Herb Trimpe, participando de sua primeira HQ completa na edição seguinte, em novembro de 1974. Nesta edição, o “Gigante Verde” enfrenta um monstro lendário chamado Wendigo e acaba esbarrando no Wolverine, então um agente do governo canadense que já colocava em ação suas garras de “adamantium”.

Mas foi no ano seguinte que o personagem ganhou sua primeira grande chance, quando Len Wein e o desenhista Dave Cockrum integraram-no ao elenco dos novos X-Men. Posteriormente, Chris Claremont e John Byrne deram-lhe maior destaque entre os heróis mutantes, além de um visual mais moderno. Byrne teve ainda um papel importante na biografia de Wolverine ao relacioná-lo ao grupo de heróis canadenses Tropa Alfa e ao nome Arma-X. Já Claremont, em parceria com Frank Miller, apresentou a versão mais marcante do herói, em sua minissérie lançada em 1982. Assim, a partir de HQs dos X-Men, como “Dias de um futuro esquecido”, e da minissérie Wolverine, o personagem abriu caminho direto para o topo do “Universo Marvel”.

Além de um papel cada vez mais predominante na revista The Uncanny-X-Men e nas “sagas” dos heróis mutantes, o baixinho briguento passou a fazer aparições ao lado de outros heróis, como Capitão América, Demolidor, Hulk e Destrutor (neste último caso na ótima minissérie com arte pintada Fusão). Em fins dos anos 80, tendo ganhado uma revista própria, e num contexto em que os quadrinhos de super-heróis se tornavam mais violentos e os personagens mais agressivos, Wolverine assumiu a condição de principal estrela da Marvel (afinal, num verdadeiro “matadouro”, um herói com garras afiadas teria que ser mesmo o açougueiro-mor!). E com uma grande popularidade entre os leitores, na virada para os anos 90, várias edições e HQs especiais foram dedicadas a ele.

Um bom exemplo foi “Arma-X”, uma das primeiras e a melhor história a contar o passado de Wolverine. Lançada em 1990, em capítulos na Marvel Comics Presents n°s 72 a 84, a HQ foi escrita e desenhada por Barry Windsor-Smith. O artista já havia mostrado um excepcional trabalho numa HQ-solo de Wolverine para a revista The Uncanny X-Men n° 205 (publicada no Brasil em Heróis da TV n°100). E quando surgiu a oportunidade de fazer uma nova história com o personagem, Barry enfocou o passado até então desconhecido do herói. Com uma abordagem direta, ótima narrativa e desenhos incrivelmente detalhados, “Arma-X” conta como o mutante Logan adquiriu suas garras e esqueleto de adamantium, num projeto para criação de um super-soldado.

Wolverine voltaria a ser destaque nas páginas de Marvel Comics Presents em HQs e capas desenhadas por Sam Kieth, para os números 85 a 92, 100 e 117 a 122 (a maior parte delas publicada no Brasil, na revista Wolverine da editora Abril). Com seu traço que incorpora elementos caricaturais e experimentações estilísticas, Kieth conseguiu suavizar o caráter violento do herói, ao mesmo tempo em que introduzia alguns elementos novos às HQs de super-heróis. Esses trabalhos, lançados entre 1991 e 1993, também serviriam de base para o que o desenhista faria na série The Maxx, lançada pela Image Comics. E Kieth ainda desenharia o herói mutante na minissérie, com bela arte pintada, Wolverine/Hulk (lançada no Brasil em revista única pela Panini).

A partir de 1990, Wolverine apareceria em diversas edições no chamado “Prestige Format” (com capa cartonada, papel e impressão de melhor qualidade no miolo). Os destaques: The Jungle Adventure, com os desenhos de Mike Mignola na fase de consolidação de seu estilo; Bloodlust produzido pela dupla Alan Davis e Paul Neary, responsável por outras revistas de heróis mutantes; Inner Fury com o traço fortemente estilizado e caricaturizado de Bill Sienkiewicz; e por fim Killing, que traz o estilo originalíssimo de Kent Williams (boa parte dessas HQs foi publicada pela editora Abril). Com esses trabalhos, Wolverine assumiu uma posição semelhante à que Batman teve na segunda metade dos anos 80, estando na “vanguarda” dos quadrinhos de super-heróis.

Após anos de sucesso, Wolverine passou a ser um modelo a ser copiado, como mostra o Lobo, personagem da DC Comics que satiriza o herói da Marvel. Mas a “wolverinemania” também gerou péssimas crias, como os diversos clones surgidos nas revistas da Image Comics nos anos 90. A interminável galeria de plágios acabou afetando o original, que já não causava o mesmo impacto. A saída encontrada pela Marvel foi lançar revistas recontando o passado e a “origem” do personagem, ou até mesmo mudando radicalmente seu visual. O resultado foram anos de mudanças físicas, lavagens cerebrais e muita bobagem editorial, que só contribuíram para complicar suas HQs e afastar antigos leitores.

Nos últimos anos, talvez o que melhor se viu de Wolverine não tenha sido nos quadrinhos, mas sim no cinema. Perfeito no papel do personagem na trilogia X-Men, o ator Hugh Jackman se prepara agora para estrelar o filme-solo do temperamental e violento mutante (com lançamento previsto para 2009). Mas, apesar dos recentes erros e jogadas editoriais, houve um momento em que Wolverine foi o personagem mais popular dos quadrinhos norte-americanos, contribuindo para o desenvolvimento das revistas de super-heróis.

04/02/2008

A história que definiu o futuro dos X-Men.


Quando comecei a colecionar quadrinhos, havia uma edição que (embora não fosse muito antiga) era especialmente difícil de encontrar nas bancas de revistas usadas: a Superaventuras Marvel n° 45. A capa dessa revista traz uma cena intrigante, na qual um envelhecido Wolverine tenta proteger uma mulher, enquanto um holofote ilumina a parede ao fundo revelando um cartaz que lista vários heróis mutantes com a tarja de “morto” ou “preso”. A HQ dos X-Men naquele número era “Dias de um futuro esquecido”, primeira parte de uma história que definiria o futuro dos heróis mutantes.

Produzida em conjunto por Chris Claremont e John Byrne, a história publicada originalmente em The Uncanny X-Men n°s 141 e 142 ficou conhecida pelo título de sua primeira parte: “Days of Future Past”. Publicada em janeiro e fevereiro de 1981, a HQ mostra um futuro sombrio no qual os robôs Sentinelas dominaram o continente norte-americano (após extrapolarem sua missão de “combater a ameaça mutante”). Nessa sociedade dominada pelas máquinas e dividida em castas genéticas, os mutantes em geral são identificados e confinados em campos de concentração, enquanto todos aqueles que resistem à nova ordem estabelecida são caçados e exterminados.

Na primeira página da HQ, somos levados ao ano de 2013, e a maioria dos heróis Marvel (como os membros do Quarteto Fantástico e Vingadores, além dos mutantes Professor Xavier, Ciclope e Noturno) foi morta durante os conflitos que culminaram na tomada de poder pelos Sentinelas. Enquanto planejam dar prosseguimento ao programa de extermínio dos mutantes, invadindo outros países, os robôs gigantes levam o mundo à beira de um conflito entre superpotências. Para dar fim à ditadura das máquinas e evitar o holocausto nuclear, um grupo de antigos X-Men (liderados por Wolverine e Tempestade e auxiliados por Magneto) coloca em prática seu derradeiro plano.

Utilizando os poderes de Rachel Summers (personagem até então inexistente), a “consciência” da mutante Kitty Pryde é enviada ao passado e trocada por sua versão trinta anos mais jovem. Após se recuperar do choque de se ver rejuvenescida e de reencontrar amigos que viu mortos, Kitty dá início à sua missão: evitar o assassinato do senador Robert Kelly pelos membros da Irmandade dos Mutantes (evento que daria início à crescente perseguição sofrida pelos mutantes). A partir daí, a HQ toma um desenrolar mais comum às histórias dos X-Men (com sequências de luta e exibições de poderes), mas sua segunda parte ainda traz algumas cenas de impacto (como as mortes de conhecidos heróis mutantes).

Por vários motivos, “Dias de um futuro esquecido” marcou época, tornando-se uma das HQs mais influentes dos X-Men já feitas. Publicada pouco após a chamada “Saga da Fênix Negra”, a HQ futurista dava continuidade a uma abordagem mais madura dos quadrinhos de super-heróis, em que a morte é uma possibilidade até mesmo para protagonistas (como se vê na capa de The Uncanny X-Men n° 142, que traz a cena do Wolverine de 2013 pulverizado por um Sentinela). Mais significativo ainda foi a inclusão de temáticas político-sociais, em particular a questão da perseguição aos mutantes, representada nos moldes da perseguição nazista às minorias raciais (com leis segregacionistas, campos de concentração e símbolos de distinção nas roupas).

Se a temática da perseguição racial seria fundamental para as revistas dos heróis mutantes nas décadas seguintes, o próprio futuro apocalíptico seria reeditado em outras histórias (como a série de anuais “Days of Future Present”). Também a personagem Rachel Summers teria um papel significativo nos anos 80, reaparecendo na primeira HQ dos Novos Mutantes desenhada por Bill Sienkiewicz e assumindo o papel da nova Fênix. Elementos de “Dias de um futuro esquecido” foram ainda utilizados na série de animação dos X-Men e nos três filmes produzidos para o cinema. Além disso, a leitura de The Uncanny X-Men n°s 141 e 142 teria inspirado James Cameron na criação do filme de ficção científica O Exterminador do Futuro, sem falar no futuro apocalíptico e na viagem ao passado feita pelo Hiro do futuro na primeira temporada de Heroes.

Aquelas edições também marcaram o momento em que Wolverine se tornava o personagem mais popular dos X-Men e um dos principais heróis da Marvel (como deixam claro as capas de The Uncanny X-Men n°s 141 e 142). Mas, ao que consta, uma consequência imediata de “Days of Future Past” foi ter causado o desentendimento final entre o roteirista Chris Claremont e o desenhista John Byrne. Após essa história que definiria o futuro dos X-Men, a dupla (que tornou os personagens mutantes os mais populares e rentáveis da Marvel) se separou. Contudo, a semente estava plantada, e nas próximas duas décadas as revistas dos heróis mutantes trariam a sombra de um futuro sombrio. Para saber mais sobre os quadrinhos abordados aqui, clique nas palavras em destaque abaixo.

01/02/2008

Heroes: o seriado que poderia ter sido.


Nesta sexta-feira, foi ao ar pelo Universal Channel mais um episódio da segunda temporada de Heroes. Grande sensação da tevê em 2007, a série criada por Tim Kring (com colaboração dos quadrinistas Tim Sale e Jeff Loeb) apresenta pessoas comuns que se descobrem dotadas de poderes sobre-humanos. Com elementos de ficção científica e HQs de super-heróis, bem como várias idéias “emprestadas” de outras criações, no início de sua primeira temporada Heroes prometia fazer história, mas talvez não passe de um bom exemplo de que um sucesso avassalador também pode fazer muito mal.

A série parte de uma ambientação cotidiana, com sequências passadas em cidades como Nova York e Tóquio, além de personagens coadjuvantes e figurantes que compõem um quadro verossímil da sociedade atual. É nesse contexto que surgem Hiro (um empolgado japonês com o poder de interferir no continuum espaço-temporal), Claire (uma garota capaz de se auto-regenerar rapidamente), Nathan (um político com o poder de voar), Isaac (um artista capaz de pintar e desenhar o futuro), Niki (uma bela mulher com dupla personalidade e força descomunal) e Peter (um jovem enfermeiro que assimila superpoderes). Os caminhos desses e de outros “heróis” acabam se cruzando quando eles se vêem diante da ameaça de Sylar (um misterioso assassino devorador de poderes) e de uma iminente explosão nuclear em Nova York (que marcará o desenrolar de toda a primeira temporada). O resultado: uma frase-tema marcante (“salve a líder de torcida, salve o mundo”), uma trama cativante (pelo menos até o episódio 11) e um enorme sucesso de público (que chamou a atenção do estúdio e dos canais responsáveis pela série).

Deve-se dizer que, desde o primeiro instante, a originalidade não foi uma das características mais fortes de Heroes. A começar pelo conceito de heróis que descobrem seus superpoderes após um evento astronômico e que não usam vestimentas coloridas (que eram as premissas básicas do “Novo Universo Marvel” lançado em meados dos anos 80, com seu “Evento Branco” e sua abordagem mais cotidiana dos super-heróis). Os dois primeiros filmes dos X-Men dirigidos por Brian Singer também tiveram um papel na estética de Heroes (sem falar no fato de terem provado que produções misturando vários atores e diversos superpoderes eram viáveis e rentáveis). Há ainda o fato de que muitos dos poderes e aspectos dos personagens parecerem reedições de heróis dos quadrinhos (sendo os casos mais evidentes o viajante do espaço-tempo, o homem-radioativo e o filho do relojoeiro, surgidos de características do Dr. Manhattan, criado por Alan Moore e Dave Gibbons em Watchmen). Ainda assim, Heroes (com sua trama de conspiração ao estilo Arquivo-X) logo conquistou a atenção do público, graças a alguns momentos inspirados e a seu melhor personagem: o carismático Hiro Nakamura (interpretado por Masi Oka).

Alguns momentos marcantes: a chegada de Hiro a Nova York (semelhante à cena do capítulo final de Watchmen em que Ozymandias comemora sua vitória); as sequências em que Hiro folheia a revista em quadrinhos que conta seu futuro (numa boa interação com as páginas desenhas por Tim Sale); a aparição do emblemático “Hiro do Futuro” (conceito retirado da HQ dos X-Men “Dias de um futuro esquecido”, produzida por Chris Claremont e John Byrne); e isso sem falar na que talvez seja a cena mais surpreendente, quando a personagem Claire “ressuscita” num necrotério e olha para o próprio tórax aberto numa autópsia recém-iniciada (ou como ela mesma exclama: “holly sh**!”). A cada episódio, a história ganhava novos elementos e o interesse do público ia aumentando, até o primeiro grande clímax da trama (ao final do episódio 11). O fato é que Heroes conquistou uma legião de fãs nos Estados Unidos, tornando-se um fenômeno internacional em 2007 e chamando a atenção dos executivos da tevê. E foi aí que as coisas começaram a dar errado, pois mais recursos financeiros e interferências externas acabaram por deturpar a série.

A chegada de atores mais experientes e conhecidos, como George Takei (Jornada nas Estrelas), Christopher Eccleston (Doctor Who) e Malcolm McDowell (Laranja Mecânica), marcou essa virada negativa da série. A partir do episódio 12, alterações, remendos, erros e furos no enredo passaram a ser mais constantes (culminando no enganoso episódio do futuro apocalíptico). Mais decepcionantes ainda foram as alterações no personagem Hiro, que (de um cara comum com um trabalho assalariado) passou a ser um aspirante a samurai com um pai milionário. Se não bastasse, o último episódio da primeira temporada foi uma decepção, não correspondendo à expectativa gerada (a luta entre Sylar e os demais “heróis” foi simplesmente uma bobagem).

Então, veio a segunda temporada, que podemos definir como uma mistura de Smallville e Lost com filme-B japonês e novela mexicana. Como dizem, “tem gosto pra tudo”; mas, na minha opinião, Heroes acabou sendo o seriado que poderia ter sido.