30/01/2008

Um pouco da história dos quadrinhos brasileiros.


Nesta quarta-feira, comemorou-se o “Dia do Quadrinho Nacional”. Para marcar a data, republico aqui um texto em que faço um breve apanhado da trajetória dos quadrinhos em nosso país. A imagem que ilustra esta postagem é da série Nhô Quim de Angelo Agostini (e foi retirada da primeira edição da Phênix, revista da história dos quadrinhos, uma interessante iniciativa de pesquisa que, infelizmente, durou pouco).

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos autores, uma história dos quadrinhos no Brasil revelaria talentos de nível internacional e artistas que certamente figurariam entre os grandes nomes dessa arte. Começando com a série Nhô Quim, lançada em 30 de janeiro de 1869 pelo desenhista Angelo Agostini, a galeria das HQs brasileiras teria como um de seus marcos fundadores o surgimento, em 1905, da revista O Tico Tico, que trouxe colaborações do ilustrador J. Carlos e publicou a série infantil Reco-Reco, Bolão e Azeitona, criada por Luíz Sá.

Também marcariam a memória dos leitores HQs como Garra Cinzenta de Francisco Armond e Renato Silva, publicada em 1937. Mas, como é comum na trajetória dos quadrinhos no Brasil, um início promissor foi seguido por um período de “vacas magras”, no qual passaram a predominar as tirinhas norte-americanas veiculadas por publicações infanto-juvenis. Somente na década de 1950 os quadrinhos brasileiros ganhariam de fato novo destaque (como na revista infantil Era uma vez...). Mas a mesma sociedade que se escandalizava com as peças de Nelson Rodrigues proibia e condenava à marginalidade os “catecismos” pornográficos (do hoje festejado) Carlos Zéfiro.

Em 1959, estreou uma das mais duradouras revistas em quadrinhos totalmente produzidas no Brasil: As Aventuras do Anjo, que projetaria nacionalmente o nome do desenhista Flavio Colin. Já neste primeiro trabalho (que adaptava para os quadrinhos um famoso seriado da Rádio Nacional), Colin apresentou seu traço sintético e a busca pela valorização da cultura e realidade brasileiras, que o tornariam um dos quadrinistas mais originais e reconhecidos do Brasil. Naquele mesmo ano, o Brasil ganharia seu primeiro super-herói: o Capitão 7, que seria seguido de vários outros, a começar por Raio Negro, personagem criado por Gedeone Malagola em 1965.

Certamente, porém, o espaço privilegiado para os quadrinistas brasileiros nos anos 60 foram as revistas de terror. Com o desaparecimento das publicações desse gênero nos Estados Unidos, algumas editoras brasileiras (como a renomada Outubro) passaram a investir em produções locais. Nas páginas daquelas revistas, surgiram ou consagraram-se nomes como Jayme Cortez e Eugenio Colonnese, além do mestre Julio Shimamoto responsável por HQs antológicas como “Os Fantasmas do Rincão Maldito”. A saga dos quadrinhos de terror brasileiros ainda geraria muitos frutos, semeando publicações regulares até os anos 80.

Mas voltando aos anos 60, a influência modernista e o nacionalismo da Era JK tomaram conta da sociedade, refletindo-se nas páginas de uma das mais autênticas experiências dos quadrinhos brasileiros: a revista Pererê, criada por Ziraldo (e publicada em cores mensalmente pela editora de O Cruzeiro entre 1960 e 1964). Na mesma época, também começava a projetar-se (através das tirinhas do personagem Bidu e das primeiras HQs da futura Turma da Mônica) o desenhista Maurício de Sousa, que se tornaria o mais bem-sucedido empresário dos quadrinhos no Brasil.

Nos anos de repressão e censura da Ditadura Militar, surgiu uma incrível força de resistência. Para surpresa de muitos (que consideravam os quadrinhos apenas “uma inocente distração”), jornais como O Pasquim lançaram uma nova geração de desenhistas contestadores, encabeçada por Henfil (que com suas HQs dos Fradins e da Grauna provou que os quadrinhos podem tratar de questões sociais sem deixar de lado a arte). Na mesma linha, surgiriam novos talentos do cartum, como Nilson, Lor, Edgar Vasques e muitos outros. Numa seara bem diversa, trabalhando a partir da estética do cordel e da xilogravura, Jô Oliveira chegou da Hungria com seu original e marcante A Guerra do Reino Divino. E o Nordeste ainda nos daria outros batalhadores, como os autores-editores Antônio Cedraz e Henrique Magalhães, entre tantos outros.

Uma nova explosão dos quadrinhos brasileiros aconteceria nos anos 70, através da imprensa alternativa e de publicações independentes que privilegiavam os estilos pessoais e a cultura latino-americana (como Versus, Bicho e Risco). Já outras incorporavam influências das HQs de futurismo e fantasia de publicações como Métal Hurlant e Heavy Metal, sendo Mozart Couto e Watson Portela dois importantes destaques dessa corrente. Outra vertente na época seguia a linha do quadrinho underground norte-americano e francês, quando Angeli, Laerte e Glauco conquistaram legiões de fãs que hoje prestigiam as coletâneas de seus trabalhos. Mas, em termos artísticos, poucos alcançaram tanto quanto Luiz Gê (que nas páginas da Circo apresentava trabalhos que nada deixam a dever ao melhor quadrinho de autor europeu).

Nos anos 80, aconteceu uma nova retração no mercado de quadrinhos, amenizada por experiências esporádicas de pequenas editoras e pela iniciativa dos autores. O fanzineiro Marcatti e o desenhista Lacarmélio (conhecido pelo nome do personagem Celton) são representantes célebres da geração que montou suas gráficas e editoras caseiras de onde saíram os fanzines e revistas independentes que (em mimeógrafo, xérox ou tipografia) continuaram a trajetória dos quadrinhos brasileiros. Se os anos 90 começaram com outra crise econômica que inibiu ainda mais a produção de HQs, a relativa estabilidade de meados da década e as facilidades editoriais trazidas pela computação deram um novo alento aos quadrinhos brasileiros. O resultado imediato foi o surgimento de inúmeras revistas e grupos de desenhistas por todo o país, além de álbuns e coletâneas com os trabalhos de autores originais, como Ofeliano, Lourenço Mutarelli, Fernando Gonsales, Marcelo Lelis, Fábio Zimbres e muitos outros que poderíamos citar aqui.

Nos últimos anos, embora tenha havido um maior interesse por parte dos editores, a situação mercadológica dos quadrinhos brasileiros não melhorou. Em outras palavras, o mercado brasileiro de quadrinhos continua não pertencendo prioritariamente (como deveria ser) aos autores brasileiros. A despeito disso, vários jovens talentos têm surgido, através de edições independentes e também organizando-se em grupos (como o recém-lançado
Coletivo Quarto Mundo). E isso sem falar na Internet, espaço cada vez mais ocupado por nossos quadrinhos, como comprovou a longa relação de saites e blogs divulgada pelo jornalista Paulo Ramos. Por tudo isso (e por ainda mais que ficou de fora deste breve apanhado), só me resta dizer: viva o quadrinho brasileiro!

27/01/2008

Nossos parabéns a Frank Miller!


Frank Miller é hoje mundialmente conhecido como o autor das HQs que originaram os filmes Sin City e 300, além de ser o diretor do futuro filme Will Eisner’s The Spirit. Mas esse quadrinista norte-americano, que completa 51 anos hoje, já foi muito mais que uma estrela menor na constelação de Hollywood. Do início dos anos 80 até meados dos anos 90, seu trabalho influenciou os quadrinhos norte-americanos, dando origem a algumas das mais importantes HQs das últimas décadas.

Em postagens anteriores, já abordei sua prestigiada fase na revista Daredevil, sua marcante abordagem na minissérie Wolverine, além do inovador Ronin e do revolucionário O Cavaleiro das Trevas. Também falei de suas colaborações com David Mazzucchelli em A Queda de Murdock e Batman: Ano Um, bem como de suas parcerias com Bill Sienkiewicz na Graphic Novel do Demolidor e na minissérie Elektra Assassina. Mas, após essa sequência de importantíssimos trabalhos, Miller passou um tempo afastado dos quadrinhos. Nesse período, ele fez sua primeira aproximação com o cinema, produzindo o roteiro inicial do lastimável Robocop 2.

Quando voltou às HQs em 1990, Miller lançou a muito aguardada e bastante decepcionante graphic novel Elektra Vive, escrita e desenhada por ele, com cores pintadas por Lynn Varley. Na sequência, boa parte de seus trabalhos seria produzida em colaboração com outros desenhistas. Assim surgiram Give me Liberty em parceria com David Gibbons, Hard Boiled ilustrada por Geof Darrow, Robocop vs Exterminador desenhada por Walter Simonson e O Homem sem Medo com desenhos de John Romita Jr., isso sem falar na edição 11 da revista Spawn e na perfeitamente esquecível Spawn/Batman, ambas produzidas com Todd McFarlane. Contudo, o trabalho mais importante de Frank Miller em seu “retorno” aos quadrinhos foram as edições da série Sin City.

Lançada originalmente nas páginas da revista Dark Horse Presents, a primeira história de Sin City teve ótima repercussão, sendo reunida em livro e dando origem a uma bem-sucedida sequência de minisséries lançadas pelo selo Legend. Negando a superexploração visual pela qual os comics passavam na época, com suas HQs policiais em preto e branco, Miller resgatou elementos que andavam meio esquecidos nos quadrinhos norte-americanos. Efeitos de luz e sombra, uma história que justifique as sequências de ação, não existindo apenas em função delas, e uma narrativa que tenha um "fio condutor" são alguns dos elementos recuperados em Sin City. Além disso, nas seções de cartas das minisséries, Miller engajou-se num longo e acalorado debate contra os sistemas de censura do mercado norte-americano de quadrinhos. Mas o que mais impressionou em Sin City foi seu visual.

Alguns elementos, como um traço característico e conciso ou a narrativa rápida e com pouco texto, foram sendo aperfeiçoados por Miller ao longo de sua carreira. O que Sin City trouxe de inovador foi um uso peculiar do contraste entre luz e sombra. Esse novo estilo é composto principalmente por massas de preto e branco, empregadas de tal forma que os quadros parecem sempre iluminados por um clarão. Na verdade, esse recurso não foi criado originalmente por Miller, sendo em parte influenciado por Hugo Pratt, mas principalmente por Alberto Breccia, o desenhista argentino da série Mort Cinder. Nesta, a luminosidade e as sombras são utilizadas com o objetivo de reforçar o clima de tensão e mistério das histórias, enquanto no trabalho de Miller o efeito é empregado para destacar os personagens e as sequências de ação. Contudo, o quadrinista norte-americano parece ter se acostumado demais ao estilo e temáticas de Sin City, fazendo com que os volumes seguintes começassem a ser apenas “mais do mesmo”.

Enquanto trabalhava em novas HQs de Sin City, Miller produzia roteiros para diferentes desenhistas. Assim surgiram Martha Washington Goes to War e outras edições com a personagem desenhada por Dave Gibbons, a premiada The Big Guy and Rusty com as detalhadas ilustrações de Geof Darrow, bem como a apocalíptica e surrealista Bad Boy, produzida em parceria com Simon Bisley, como parte de uma aberta campanha contras as restrições aos temas abordados nos quadrinhos. Outro exemplo disso foi a revista Tales to Offend, na qual Miller apresenta o personagem Lance Blastoff, um mercenário interplanetário sem escrúpulos que vive atrás de diversão e dinheiro, matando dinossauros e poluindo reservas ambientais. Ao fim da década de 1990, Miller ainda lançaria com Lynn Varley a minissérie 300, sua estilizada e superestimada versão para a batalha das Termópilas.

O novo século trouxe Miller de volta à DC Comics e a um dos personagens que o consagraram no início de sua carreira. Os resultados, no entanto, foram o absolutamente dispensável DK2 e o meramente comercial All Star Batman, este último desenhado por Jim Lee. Mas, talvez cause ainda mais arrepios a anunciada “Santo Terror, Batman!”, HQ em que o quadrinista promete mostrar o Homem-Morcego enfrentando os terroristas da Al-Qaeda. De qualquer forma, com o sucesso das adaptações de Sin City e 300, além do esperado filme Will Eisner’s The Spirit, o futuro de Frank Miller parece cada vez mais ligado ao cinema. E se seus quadrinhos dos últimos anos deixaram muito a desejar, podemos sempre celebrar suas obras do passado, dando nossos parabéns a esse importante quadrinista.

Para saber mais sobre os trabalhos de Frank Miller, clique no nome em destaque abaixo.

26/01/2008

Ronin, o “mangá” futurista de Frank Miller.


Nos anos 80, novos autores e tendências possibilitaram uma transformação nas HQs norte-americanas. Entre esses autores estava Frank Miller, que inovou a narrativa dos comics ao empregar elementos dos quadrinhos japoneses. Tudo começou quando chegou às suas mãos um grosso volume com o mangá Lobo Solitário (um sucesso no Japão, que narra a história de um samurai sem mestre e seu filinho Diagoro). Ao folhear o mangá pela primeira vez, Miller ficou impressionado com a narrativa visual impecável, o que teria uma influência decisiva em suas HQs (além de torná-lo um dos principais divulgadores da obra de Kazuo Koike e Goseki Kojima no Ocidente).

Após essa feliz descoberta, o quadrinista norte-americano passou a incorporar elementos narrativos de Lobo Solitário às HQs do herói Demolidor. Ele também introduziu personagens saídos da cultura japonesa, como ninjas e samurais, dando destaque à sensual assassina Elektra (que ganharia mais tarde uma minissérie pintada por Bill Sienkiewicz). Outro personagem que ganhou um tratamento à japonesa foi o mutante Wolverine que, na minissérie escrita por Chris Claremont e desenhada por Miller, viaja ao Japão, onde enfrenta ninjas e lutadores de sumô (além de aparecer com garras na forma de lâminas japonesas). Mas talvez a maior homenagem de Miller aos quadrinhos japoneses seja Ronin (marco fundamental na trajetória das graphic novels e minisséries de luxo).

Lançada em seis edições pela DC Comics e concluída em 1984, Ronin deu início à publicação das minisséries com temática mais adulta. Começando no Japão feudal, a HQ mostra um jovem samurai que busca vingar a morte de seu mestre. No confronto final contra o assassino, Ronin e o demônio Agat acabam aprisionados numa espada mágica, ressurgindo séculos depois numa caótica e altamente tecnológica Nova York do futuro. O roteiro se desenrola a partir daí, contando com muitos duelos de espadas, cenas do Japão feudal e hordas de robôs. Bastante original em sua fusão entre passado e futuro, elementos orientais e ocidentais, o enredo básico e a temática principal de Ronin seriam, anos mais tarde, copiados pela série de animação Samurai Jack (produzida por Genndy Tartakovsky para o Cartoon Network).

Mas é sem dúvida em termos narrativos e estilísticos que a minissérie de Miller causou maior impacto. Antecipando alguns dos elementos que o quadrinista desenvolveria posteriormente em O Cavaleiro das Trevas (como sequências de flash back e simulações de imagens de monitores), Ronin também chamou atenção pelas sequências de duelo inspiradas por Lobo Solitário (e aprimoradas a partir do que Miller já havia feito em Daredevil e Wolverine). No entanto, o que mais se destacou na minissérie foi seu visual bastante incomum para os padrões dos quadrinhos norte-americanos, com linhas tênues, emaranhados de traços e cores estilizadas (produzidas por Lynn Varley). Por tudo isso, Ronin se assemelhava mais a um álbum europeu do que a um comics da época (evidenciando a influência das HQs de Moebius e em particular do álbum Exterminador 17 de Enki Bilal).

Ronin não foi um enorme sucesso comercial quando lançada. De qualquer forma, a minissérie de Miller contribuiu para a popularização dos mangás no Ocidente, particularmente da série Lobo Solitário (cujas edições ocidentais contaram com capas desenhadas por ele). Os elementos da narrativa dos mangás utilizados por Miller também influenciaram outros quadrinistas, promovendo uma renovação dos comics. Além disso, a minissérie (lançada originalmente no Brasil há vinte anos) foi um marco na relação das grandes editoras norte-americanas com os autores mais renomados, que passaram a ter maior controle e direitos sobre suas criações. Só isso já faria de Ronin, o “mangá” futurista de Frank Miller, uma HQ decisiva para a história dos quadrinhos norte-americanos (que abriria caminho para O Cavaleiro das Trevas e Elektra Assassina, entre outras obras marcantes).

24/01/2008

Todd McFarlane: a diferença entre fama e talento.


Na primeira metade dos anos 90, o canadense Todd McFarlane foi um dos desenhistas mais populares dos quadrinhos norte-americanos. Sendo um dos fundadores da Image Comics, ele foi aclamado pela mídia e revistas especializadas como um dos quadrinistas mais importantes da época. Mas será que, neste caso, fama e talento andavam juntos?

McFarlane é um cara de sorte ou, pelo menos, alguém que estava no lugar certo na hora certa e soube aproveitar as oportunidades. Tendo se formado em artes gráficas, ele não tinha muita experiência com quadrinhos quando conseguiu seu primeiro contrato. Mas, em pouco tempo, o desenhista já estava trabalhando para a DC Comics, em revistas de menor importância e até em algumas HQs com o Batman. Mas sua grande chance foi na revista Incredible Hulk, onde começou imitando e até plagiando os desenhos de John Byrne. Essa fase inicial de obscuridade e mediocridade foi logo superada e o primeiro sucesso de McFarlane veio com uma HQ em que o Hulk enfrenta o Wolverine.

A partir daí, a Marvel e os leitores passaram a prestar mais atenção no jovem desenhista, cuja popularidade crescia vertiginosamente. Com o sucesso das HQs do Hulk (onde definiu os principais elementos de seu estilo), McFarlane foi contratado pela DC para desenhar os primeiros capítulos da minissérie Invasão, e escolhido pela Marvel para assumir os desenhos de um dos mais importantes heróis da editora: o Homem-Aranha (em HQs lançadas no Brasil originalmente pela Abril Jovem e relançadas agora pela Panini). Adaptando-se rapidamente ao novo personagem, em poucas edições McFarlane impôs seu estilo pessoal e sua forma peculiar de desenhar o Homem-Aranha.

Quebrando o herói em ângulos e poses inusitadas, o desenhista aproximou-o do visual de um aracnídeo, explorando também a forma de suas teias. McFarlane foi ainda o co-criador do vilão Venon, que teria grande importância nas histórias do Aranha a partir de então. Essas HQs de fins dos anos 80 tornaram o “Cabeça de Teia” tão ou mais popular do que ele fôra nos anos 70, motivando a Marvel a criar uma nova revista totalmente produzida por McFarlane. O público respondeu à altura, e Spider-Man nº 1 bateu todos os recordes de vendas do mercado norte-americano. Porém, a alegria da editora não durou muito, pois (pouco mais de um ano após o lançamento da Spider-Man) o quadrinista deixou a Marvel para fundar a Image Comics e lançar a revista Spawn, outro sucesso instantâneo.

Como as demais formas de cultura de massas, os quadrinhos de super-heróis têm que se adaptar às novas exigências do mercado e do público. E uma vez que os roteiros em geral são muito fracos, as editoras buscam atrair os leitores pelo visual das revistas. No final dos anos 80, uma nova geração de desenhistas encabeçada por Todd McFarlane tomou de assalto as páginas das principais publicações, estabelecendo um novo estilo que transformaria o mercado dos comics definitivamente. Cores produzidas por computação gráfica, excessivas mudanças de ângulo, personagens que extrapolam os limites do quadro, predomínio de fragmentos de imagem, poses e expressões exageradas, além das linhas de movimento e da estética dos desenhos japoneses eram as principais características das HQs produzidas por McFarlane & Cia. A boa repercussão desses trabalhos acabou estabelecendo um padrão seguido pela maioria dos desenhistas nos anos 90.

Além da padronização (que diminui a diversidade de estilos e as possibilidades artísticas), um dos grandes problemas daquelas HQs era a superexploração dos recursos visuais, em detrimento da narrativa. Algumas das páginas desenhadas por McFarlane são emaranhados de traços e rabiscos sem função. O excessivo uso de páginas com apenas um ou dois quadros é outro problema: empobrece o desenrolar da história, tornando-a muito dependente do texto, que por sua vez é formado por pérolas como: “A força da rajada de Spawn faz um buraco do tamanho de uma bola de basquete no vilão. Os tijolos da parede são banhados em sangue fétido...”. Mas, com todo o sucesso comercial, McFarlane não demorou a deixar os quadrinhos de Spawn um pouco de lado. Tendo sido substituído várias vezes por outros roteiristas, ele acabou passando os desenhos da revista para Greg Capullo (que, apesar de seguir seu estilo, conseguia não raras vezes superar em muito o original).

O próprio McFarlane reconheceu que o fato de vários leitores gostarem de Spawn não o tornava um escritor ou artista genial, o que se confirma a cada página de suas HQs. Com seu estilo meio caricatural (repleto de erros de anatomia), sua narrativa fragmentada e seus roteiros medíocres, as primeiras edições da Spawn realmente conquistaram os leitores. Enorme sucesso comercial, o anti-herói saído do Inferno acabaria extrapolando as páginas dos quadrinhos, originando uma linha de brinquedos, uma série de animação e um horroroso filme para o cinema. Após ganhar muito dinheiro com os quadrinhos, McFarlane assumiu um papel mais empresarial, apenas supervisionando a revista Spawn e dedicando-se a projetos em outras mídias, como games e vídeos. Nos últimos anos, uma importante ocupação do empresário-desenhista foi responder a processos judiciais, numa contenda com o roteirista Neil Gaiman pelos pagamentos e direitos sobre a personagem Angela e o herói Miracleman.

Para McFarlane, os quadrinhos não passam de “vinte minutos de diversão despretensiosa”. Mesmo assim, isso não justificaria seu empobrecimento como linguagem. Afinal, foi também com a intenção de criar puro entretenimento que quadrinistas como Will Eisner e Jack Kirby revolucionaram a narrativa, estética e temática dos comics. Infelizmente, no caso de Todd McFarlane, fama e talento não costumam andar juntos.

18/01/2008

Virtudes variadas: uma entrevista com David Lloyd, parte3.


Parte final de nossa entrevista exclusiva, e David Lloyd fala porque ele prefere HQs curtas e também sobre sua nova graphic novel que será lançada no Brasil em 2008.

Wellington Srbek: Você já trabalhou com três outros importantes roteiristas britânicos: Grant Morrison, Garth Ennis e Jamie Delano. Como foi trabalhar com eles em Hellblazer?

David Lloyd: Bem, eles são todos grandes escritores. Mas trabalhar com Jamie foi diferente de trabalhar com os outros dois, porque criamos “O Horrorista” numa maneira ao “estilo-Marvel” - ou seja, trabalhando inicialmente com croquis da ação página por página, a partir dos quais eu desenhei os esboços, e a partir dos quais Jamie escreveu o texto final. Eu sempre considerei que esta forma de criar quadrinhos dá ao desenhista muito mais condições de fluir melhor a narrativa visual. Tudo que fiz com Jamie, eu fiz dessa mesma forma. Grant e Garth forneceram roteiros completos. Uma vez eu sugeri ao Garth que trabalhássemos em algo da mesma forma que eu trabalho com o Jamie, mas ele levantou as mãos para o alto horrorizado com tal perspectiva! Um roteirista sacrifica algo de seu controle se trabalha ao estilo-Marvel, e alguns roteiristas não querem isso.

WS: Você parece ter uma preferência por HQs curtas ou séries limitadas, e um gosto por experimentar diferentes técnicas.

DL: Uma razão é que me entedio facilmente, outra é que eu gosto de HQs curtas. Acho que poderia passar toda a minha carreira fazendo HQs curtas de vários tipos, se isso fosse comercialmente viável. Mas nos dias de hoje revistas de antologia sempre têm dificuldades para sobreviver. E, sim, eu gosto de experimentar se possível. Muita coisa nesse negócio [dos quadrinhos] está enraizada em práticas tradicionais voltadas a métodos de produção rápida e, como a experimentação geralmente toma tempo, não é sempre que se pode experimentar. Mas como eu disse, eu me entedio fácil - e a emoção de descobrir uma nova forma de representar algo, ou usar uma nova técnica, nunca se acaba para mim. Eu acho que a aventura de criar algo em arte é uma coisa preciosa, e eu quero preservar isso.
Uma outra parte da questão é que eu nunca quis me tornar um desenhista que vai de um trabalho para outro apenas para manter as contas em dia. Há muitos desenhistas que fazem isso, e eu os respeito por seu profissionalismo - mas eu enlouqueceria fazendo isso. Eu trabalho em coisas que acho interessantes de se trabalhar - e raríssimos projetos de longo prazo têm esse grau de atração para mim. O que aconteceria se eu ficasse entediado no meio de um projeto longo? O resto dele seria um inferno. No começo de minha carreira eu trabalhei em qualquer coisa que aparecia porque eu precisava, mas logo descobri que seria uma boa idéia ter sempre no banco um fundo de reserva que me poupasse da necessidade de pular de um trabalho a outro, a toda hora. E ter essa reserva foi muito importante quando eu quis criar minha própria graphic novel: Kickback. Se eu não tivesse podido escapar da ralação de trabalhar nos roteiros de outras pessoas, como eu teria encontrado tempo para trabalhar nela?

WS: Fale-nos, por favor, de seu novo livro São Paulo, lançado pela Casa 21.

DL: Ele é parte de uma série encomendada pela editora a vários artistas, tendo como tema cidades do Brasil. Eles são retratos dos lugares - texto e ilustração - como vistos do ponto de vista dos ilustradores. Existem volumes sobre o Rio, Belo Horizonte e Salvador, entre outros - estou certo de que você conhece os livros. E me pediram que fizesse o livro sobre São Paulo. Eu pensei muito seriamente antes de aceitar o trabalho. É um desafio e uma grande responsabilidade - retratar uma das maiores cidades do mundo em ilustração e texto não é uma tarefa para se aceitar levianamente, a menos que você seja louco. E pareceu uma responsabilidade e um desafio ainda maiores quando eu fui para São Paulo fazer a pesquisa. Eu descobri que muitas pessoas conheciam e gostavam de meu trabalho lá, e esperavam ansiosamente para ver o que eu faria de sua cidade. Foi muito diferente de minha prática usual de contar uma história sobre pessoas ficcionais num mundo ficcional, onde a verdade é uma escolha e não uma realidade. Definitivamente, no entanto, eu podia apenas responder ao que eu via e ouvia em minha jornada pela cidade naquela viagem de pesquisa, e compilar o livro com aquelas percepções, que foi o que fiz. Eu não sei quão bem, ou mal, os paulistanos responderam a ele. Muitas coisas amáveis me foram ditas sobre o livro quando voltei à cidade para o lançamento [no último mês de dezembro] e depois dele por algumas pessoas, mas não tenho noção de qual seja o consenso geral. Espero que, em geral, seja bom.

WS: Como está a indústria de quadrinhos na Grã-Bretanha hoje, e como você vê o futuro dos quadrinhos em geral, como linguagem e indústria?

DL: Na Grã-Bretanha, não há “indústria” de quadrinhos enquanto tal. Poderíamos ter tido uma aqui, se as editoras tivessem se importado o bastante com nossos talentos locais para mantê-los empregados no Reino Unido, em vez de deixá-los ser exportados no atacado para os Estados Unidos. Mas os editores não se importaram. Enquanto nação, nós não vemos realmente os quadrinhos como uma parte essencial da cultura, como os Estados Unidos e outros países vêem. Nós temos apenas uma revista que é importante em termos artísticos - e que ainda é um campo fértil para muitos novos talentos britânicos - a 2000AD. O resto é principalmente uma mistura de produtos de mercado licenciados ou títulos infantis.
É impossível fazer qualquer previsão sobre os quadrinhos em geral, porque eles variam de país para país e cobrem um enorme campo de estilos. Mas o mangá parece que ocupará um lugar permanente em cada país para o qual tenha sido exportado. Isso é o máximo que eu me arriscaria a especular com alguma certeza.

WS: No quê você está trabalhando agora? Algum novo projeto?

DL: Bem, em março ou abril, [a graphic novel] Kickback estará nas lojas no Brasil - e será algo inédito para os brasileiros. É o primeiro trabalho substancial que pude escrever para mim mesmo - anteriormente eu tive tempo apenas para escrever umas poucas histórias curtas e uma edição única de uma série. Ser um desenhista/roteirista é a melhor e mais satisfatória coisa para se fazer como criador nessa linguagem, se você tem algo que queira dizer com ela. Kickback é um suspense sobre um policial corrupto numa polícia corrupta, que decide mudar sua forma de vida - mas a história é tanto sobre porque ele é corrupto, quanto sobre como ele supera os obstáculos para alcançar uma mudança. Ela tem todos os elementos de uma história policial de ambientação urbana, mas ela é mais sobre as pessoas na situação, do que a situação em si. Eu espero que todos gostem dela aí.
O novo trabalho este ano começa com a ilustração de uma HQ curta para uma coletânea francesa de histórias sobre crianças que foram separadas de seus pais durante a Segunda Guerra Mundial. Depois uma história de fantasmas para outra publicação francesa. E então estarei começando o trabalho numa nova graphic novel, sobre a natureza da qual eu ainda estou por me decidir.

WS: Bom, muito obrigado por esta entrevista!

DL: Realmente não há de quê.

Various virtues: an interview with David Lloyd, part3.


Last part of our exclusive interview, David Lloyd talks about his most recent and future projects, and also explains why he prefers to work on short stories.

Wellington Srbek: You have worked with three other important British writers: Grant Morrison, Garth Ennis and Jamie Delano. How it was to work with them in Hellblazer?

David Lloyd: Well, they're all great writers. But working with Jamie was different to working with the other two because we created “The Horrorist” in a “Marvel-type” manner - i.e. working initially from page-by-page breakdowns of the action, from which I drew layouts, and from which Jamie wrote the final script. I've always considered this way of creating a strip gives an artist much more opportunity for producing a smooth flow to the visual narrative. Everything I've worked on with Jamie, I've done in that same way. Grant and Garth supplied full scripts. I suggested to Garth once that we work on something together in the same way I work with Jamie, but he threw up his hands in horror at the prospect! A writer sacrifices some control if he works in that Marvel-type style, and some writers don't want that.

WS: You seem to have a preference for short stories or limited series, and a taste for experimenting with different techniques.

DL: I get bored easily is one reason, another is that I like short stories. I think I could spend my whole career doing short stories of various kinds if it was commercially viable to do that. But these days anthology books always struggle to sell enough. And, yes, I like experimenting if I can. So much of this business is ingrained in common practices geared towards fast production methods, and experimenting usually takes time, so it's not always possible to do it. But like I say I get bored easily - and the thrill of discovering a new way of depicting something, or using some new technique never fades for me. I think the adventure of creating something in art is a precious thing, and I want to keep that.
Another part of the picture is that I never wanted to become an artist who goes from one job to another just to keep up with his bill payments. There are lots of artists who do that and I respect them for their professionalism - but I'd go crazy doing that. I work on things I find interesting to work on - and very few long-term projects have that degree of attraction for me. What if I got bored half-way through a long run? The rest of it would be Hell. At the beginning of my career I did anything that came along because I had to, but I figured very soon after it was a good idea to always have a back-up bank balance that insulated me from the need to jump off one job and onto another all the time. And having that back-up was very important when I wanted to create my own graphic novel: Kickback. If I hadn't been able to escape the treadmill of working on other people’s scripts, how would I have found time to spend on it?

WS: Please tell us about your new book São Paulo published by Casa 21.

DL: It's one of a series commissioned by the publisher from various artists on the towns and cities in Brasil. They're portraits of the places - text and art - as seen from the artist’s point of view. There are volumes on Rio, Belo Horizonte, and Salvador among others - I'm sure you know the books. And they wanted me to do the book on São Paulo. I thought long and hard about accepting the job. It was a challenge and a big responsibility - portraying one of the biggest cities in the world in art and word is not a task to be taken lightly unless you happen to be crazy. It seemed like an even bigger responsibility and challenge when I came to São Paulo to research it. I found lots of people knew and liked my work here, and were eagerly looking forward to seeing what I was going to make of their city. It was a whole different deal to my usual work of telling a story about fictional people in a fictional world, where the truth is a choice and not a reality. Ultimately though, I could only respond to what I saw and heard in my journey through the city on that research trip, and compile the book honestly from those perceptions, which is what I did. I don't know how well, or otherwise, paulistanos have responded to it. A lot of nice things were said to me about it when I was back in the city for the launch, and after it from some folks, but I'm not aware of the general consensus of opinion. I hope it's generally good.

WS: How is the comics industry in Britain now, and how do you see the future of comics in general, as a medium and as an industry?

DL: There's no comics “industry” in Britain, as such. We could have had one here if comics publishers had cared enough about them to keep all our homegrown talent fully employed in the UK, instead of letting it be imported wholesale to the US, but they didn't. As a nation, we haven't really seen comics as an essential part of the culture as the US and other countries do. We have only one comic that's important in artistic terms - and which is still a breeding ground for much new British talent - 2000AD. The rest is mainly a mix of licenced marketing tools or nursery titles.
It's impossible to make any predictions about comics in general because it varies from country to country and covers such a wide field of styles. But Manga seems like it'll be a permanent fixture in every country it's been exported to. That's about as much as I'd risk speculating on with any certainty.

WS: What are you working on now? Any new projects?

DL: Well, in March/April, Kickback will be in the stores in Brasil - and that'll be new to Brasilians. It's the first substantial work I've been able to write for myself - previously I'd only had the time to write a few short stories, and a single issue of a series. Being a writer/artist is the best and most satisfying thing to do as a creator in this medium if you have something you want to say with it. Kickback's a crime thriller about a corrupt policeman in a corrupt police force who decides to change his way of life - but the story's as much about why he's corrupt as how he overcomes the obstacles to achieve a change. It has all the usual elements of a crime story in an urban setting, but It's about the people in the situation more than the situation itself. I hope everyone will like it here.
New work this year starts with me illustrating a short strip for a French publisher in a book of stories about children who were separated from their parents during the 2nd World War. Then a ghost story for another French book. And then I'll be starting work on a new graphic novel, the nature of which I am yet to decide upon.

WS: Well, thanks a lot for this interview!

DL: You're very welcome.

16/01/2008

Virtudes variadas: uma entrevista com David Lloyd, parte2.


Segunda parte de nossa entrevista exclusiva, e David Lloyd fala sobre a criação e os significados da obra-prima V de Vingança, e também o que ele pensa da adaptação para o cinema produzida pelos irmãos Wachowski.

Wellington Srbek: É 1981 e o editor Dez Skinn está montando uma nova revista chamada Warrior. Você já tinha trabalhado para ele antes, e ele pede a você para criar uma nova série de aventura, similar a Night Raven. Então Alan Moore se junta ao projeto. Foi assim que V de Vingança nasceu, certo?

David Lloyd: Basicamente, sim. Dez inicialmente sugeriu que eu escrevesse e desenhasse a série - mas eu já tinha trabalhado com Alan em HQs do Doctor Who, gostei de trabalhar com ele e instintivamente sabia que podíamos criar algo muito bom se trabalhássemos em parceria. Alan já estava a bordo da Warrior com seu projeto de estimação de atualizar o Marvelman. V acabou se tornando uma combinação de dois conceitos que tínhamos bolado independentemente, mas que não tínhamos utilizado - um sobre uma guerrilha urbana feminina numa futura Inglaterra fascista, e outro sobre um assassino em série estranhamente vestido. O resultado final veio depois de muito brainstorm.

WS: A Inglaterra tem uma longa tradição em artes gráficas associadas à crítica política, desde um mestre como William Hogarth e um gênio como James Gillray a publicações como The Punch. Você vê V de Vingança como parte dessa tradição?

DL: Sim, certamente. Embora eu ache que a sutileza de V a tire da área da caricatura na qual a maioria da sátira política opera. Eu acho que o filme se aproxima mais daquele estilo de coisa, porque ele conta sua história em pinceladas bem mais amplas e com figuras menos complexas do que usamos na HQ. Na verdade, quando vi o filme pela primeira vez, eu disse ao Andy Wachowski que achava o filme semelhante a um cartum político colocado na telona. E isso faz do filme algo ainda mais forte.

WS: No que diz respeito ao design de personagem, V funciona como um jogo visual: amigo e inimigo, masculino e feminino, satírico e letal, histórico e moderno. Como você chegou a esse conceito visual, a esse enigma que sempre traz a questão: quem é V?

DL: Um acidente. Uma boa dose de sorte. A idéia de o personagem adotar a vestimenta e persona de Guy Fawkes deu-nos aquela ambiguidade por pura sorte. Muitas coisas ótimas no processo de criação surgem de acidentes, e não de planejamento: é o inesperado que dá aquela fagulha extra de vida a algo que, de outra maneira, seria relativamente comum. O ponto básico do personagem é que ele seria um revolucionário e um anarquista - e então um outro ponto era que ele teria algo de flamboyant ou teatral. Guy Fawkes foi um famoso anarquista na história [envolvido numa malsucedida tentativa de explodir o Prédio do Parlamento, no dia 5 de novembro de 1605], alguém com quem todos na Inglaterra estavam familiarizados. Pareceu-nos uma ótima idéia se um novo criador do caos ressuscitasse o espírito de Fawkes, bem como suas intenções! E foi assim que aconteceu.

WS: V de Vingança é sem dúvida um trabalho revolucionário. O tema do anarquismo versus fascismo e a narrativa envolvente eram então muito novos nos quadrinhos de aventura. Além disso, os desenhos mostram um senso de profundidade e textura ausentes na maioria dos quadrinhos das grandes editoras. Contudo, V quase ficou incompleto!

DL: Não estou muito certo de qual é a pergunta, mas sim, a HQ ficou no limbo por um tempo quando a Warrior fechou. Você está certo em dizer que ela era bastante não-convencional para a época, mas V tinha criado uma reputação para si mesma nos anos que foi publicada, assim ela teria encontrado um novo editor se tivemos nos esforçado bastante para achar um. Acho que a necessidade de seguir em frente fazendo algum dinheiro e construindo nossas carreiras impediu-nos de buscar isso. Mas então, quando Alan alcançou seu grande sucesso na DC Comics, eles estavam bem felizes em continuar qualquer coisa em que ele estivesse envolvido, e eles sabiam sobre V, assim ficaram felizes em pegá-la e continuá-la.

WS: Comercialmente, o uso das cores e do formato comic book são as escolhas certas para o mercado norte-americano. Mas tenho que confessar que prefiro V de Vingança em P&B e no formato magazine da Warrior. A luz é muito bonita e os detalhes do desenho mais fortes. Você não sente que algo se perdeu?

DL: P&B é puro e simples - logo ele é universal em seu apelo. Por outro lado, as cores podem ser atrativas ou não atrativas, pois pessoas têm cores favoritas. Alguns preferem azul. Outros odeiam verde. Há até mesmo superstições sobre cores! Assim, em termos estéticos, as cores vão ser sempre mais problemáticas que o P&B. Para mim, o único problema com as cores em V é que desde o início na DC nós não conseguimos os melhores resultados de impressão, e eu fui ingênuo em esperar mais do que conseguimos. Apenas nas edições mais recentes em capa-dura, nos Estados Unidos, Escandinávia e Alemanha, isso foi remediado, porque tive a oportunidade de alterar as cores para os valores tonais e consistência que elas deveriam ter. Assim, essas são as edições definitivas. Acredite, tudo teria sido diferente se tivéssemos na época o que temos agora - colorização por computador, uma tecnologia muito melhor e uma postura em relação aos quadrinhos bem mais esclarecida por parte dos impressores. Mas o que quer que se pense sobre isso, no entanto, as cores conquistaram para V um público bem mais amplo do que ela teria - e sem uma grande perda para seu valor artístico. Eu acho que isso justifica seu uso.

WS: E quanto à produção de Hollywood? Ela faz jus a seu trabalho e ao de Alan Moore?

DL: É uma boa versão da história original. Não é perfeita, mas não tenho nada a fazer senão felicitar os Wachowskis, James McTeigue, Joe Silver e todos os demais envolvidos com a produção. Eles fizeram um ótimo trabalho ali - e assim espalharam a mensagem essencial contida no original. Mas o quadrinho, é claro, é melhor.

A seguir: David Lloyd fala de sua nova graphic novel, que será lançada no Brasil em 2008.

Various virtues: an interview with David Lloyd, part2.


In second part of our exclusive interview, David Lloyd talks about the creation and meanings of the masterpiece V for Vendetta, and also what he thinks about the Wachowskis Brothers’ movie adaptation.

Wellington Srbek: It is 1981 and editor Dez Skinn is putting together a new magazine named Warrior. You had worked with him before, and he asks you to create a new adventure strip similar to Night Raven. Then Alan Moore joined the project. This is how V for Vendetta came to life, right?

David Lloyd: Basically, yes. Dez originally suggested I write and draw it - but I'd worked with Alan on the Dr Who stuff, enjoyed working with him, and I knew instinctively we could come up with something great if we worked on it together. Alan was already on board Warrior with his pet project to update Marvelman. V turned out to be a combination of two concepts we'd created individually but neither of us had sold - one about a female urban guerilla in a future fascist England, and one about a strangely garbed serial killer. The final thing came out of a lot of brainstorming.

WS: England has a long tradition in graphic arts associated with political commentary, from a master like William Hogarth and a genius like James Gillray to publications like The Punch. Do you see V for Vendetta as part of that tradition?

DL: Yes, absolutely. Though I think the subtlety of V overall takes it out of the area of caricature which most political lampoons operate in. I think the movie gets closer to that style of thing, because it tells it's story in much broader brushstrokes and with less complex figures than we used in the book. Actually, when I saw it for the first time, I told Andy Wachowski that I thought it was very much like a political cartoon that they'd put on the screen. And it was all the more powerful for that.

WS: Considering character design, V works as a visual puzzle: friend and foe, male and female, satirical and lethal, historical and modern. How did you come up with that visual concept, this enigma that always holds the question: who is V?

DL: An accident. A good piece of luck. The idea of having the character adopt the dress and persona of Guy Fawkes gave us that ambiguity by simple good fortune. A lot of great things in creativity come out of accident, not planning: it's the unexpected that gives that extra spark of life to something that could otherwise be relatively ordinary. The basic requirement of the character was that he was a revolutionary and an anarchist - and then another requirement was that he be flamboyant or theatrical in some manner. Guy Fawkes was a famous anarchist in history, who everyone in England was familiar with. It seemed a great idea to us to have a new creator of chaos resurrect the spirit of Fawkes as well as his intentions! So that's how it happened.

WS: V for Vendetta is a revolutionary work, no doubt. The theme of anarchism versus fascism and the atmospheric storytelling were very new to adventure comics then. Also your artwork shows a peculiar sense of depth and texture that lacks in much of mainstream comics. But it almost stayed incomplete!

DL: Not sure what your question is, but yes, it hung around for a while in limbo when Warrior folded. You're right in saying it was quite unconventional for the time, but it had created a reputation for itself over the years it ran, so it would have found a new publisher if we'd looked hard enough for one. I think the need to just get on with earning some money and building our careers stopped us doing that. But then, when Alan achieved his great success at DC Comics, they were very happy to continue anything he'd been involved with, and they knew about V, so they were happy to take it up and continue it.

WS: Commercially, colours and comic book format are the right choices for the American market. But I have to confess that I prefer V for Vendetta in that B/W magazine format of Warrior. The light is beautiful and the artwork details are stronger. Don't you feel that something has been lost?

DL: B/W is pure and simple - so it's universal in it's appeal. On the other hand, colour can be appealing or non-appealing because people have favourite colours. Some prefer blue. Others hate green. There are even superstitions about colours! So, in aesthetic terms, colour will always be more problematic to use than b/w. For me the only problem with the colour of V was that from it's beginning at DC we didn't get the best results from the printers, and I was naive in expecting more than we got. Only in the latest hardback editions of V in the US, Scandinavia and Germany has this been remedied, because I was given the opportunity to tweak the colours to the tonal values and consistency they were meant to have. So those editions are the definitive ones. Believe me it would all have been different if we'd had then what we have now - computer colouring, better technology and much more enlightened attitudes towards comics from printers. Whatever you think about it generally though, colour gained for V a much wider audience than it would otherwise have acquired - and at no major loss to it's artistic value. I think that justifies its use.

WS: What about the Hollywood production? Does it make justice to yours and Alan's work?

DL: It's a good version of the original story. It isn't perfect, but I have nothing but praise for the Wachowskis, James McTeigue, Joel Silver, and everyone else involved with the production. They did a great job of it - and doing so spread the essential message that was contained in the original. But the book, of course, is better.

Next: some words about the present and future.

14/01/2008

Virtudes variadas: uma entrevista com David Lloyd, parte1.


No último mês de dezembro, fui a São Paulo para lançar o álbum Estórias Gerais, na livraria HQ MIX. Por um feliz erro de divulgação, o quadrinista inglês David Lloyd acabou fazendo, na mesma noite, um pré-lançamento de seu livro para a série Cidades Ilustradas. Após assinar alguns exemplares de meu livro e beber duas ou três taças do saboroso vinho oferecido por Gual, fui dar um “oi” ao desenhista de V de Vingança. Conversa vai, conversa vem, Mr. Lloyd acabou comprando um exemplar de Estórias Gerais e eu o convidando para uma entrevista ao Mais Quadrinhos. O resultado é esta conversa feita por e-mail, em que falamos de seu início de carreira na Inglaterra, sua nova graphic novel que será lançada no Brasil em 2008 e, é claro, V de Vingança. Para quem lê em inglês, a entrevista está disponível abaixo em sua versão original. Com vocês então, um virtuoso desenhista chamado David Lloyd!

Wellington Srbek: É uma grande alegria estar conversando com você! Por favor, diga a seus fãs brasileiros quando e onde nasceu e como começou sua carreira?

David Lloyd: Nasci em 1950, numa cidade chamada Enfield na Inglaterra. Saí da escola aos 16 anos e consegui um trabalho como aprendiz de arte publicitária, mensageiro e faz-tudo num estúdio de publicidade no centro de Londres. Fiquei lá por dois anos e meio, aprendendo um pouco sobre o negócio, então saí sob a tênue promessa de vender, para uma distribuidora européia, uma série de tiras que eu tinha criado. Lamentavelmente, essa promessa revelou-se uma ilusão, mas eu não queira voltar a meu trabalho de nove-às-cinco. Então fui forçado a fazer pequenos trabalhos de ilustração como freelancer, e depois, por fim, uns trabalhos de meio-horário sem relação com ilustração, durante quatro anos. Eu firmei o pé no negócio dos quadrinhos com uma encomenda para fazer todo o trabalho de ilustração para uma revista da série de tevê Logan’s Run. Minha carreira decolou a partir daí, felizmente.

WS: No fim dos anos 70, início dos 80, havia na Inglaterra várias revistas relacionadas com a tevê e o cinema, e também as publicações da sucursal britânica da Marvel. Você, Steve Moore, Alan Moore, Alan Davis, Dave Gibbons e muitos outros conseguiram seus primeiros trabalhos regulares nessas revistas. Qual importância elas tiveram?

DL: Bem, alguns de nós conseguiram os primeiros trabalhos regulares nelas, outros não - Dave começou na 2000AD. A Grã-Bretanha tem uma tradição em quadrinhos inspirados por programas do rádio e da tevê, que vem desde os anos 40. O cinema inspirou menos edições. Mas é claro que elas foram importantes porque elas nos deram trabalho e uma chance de praticar nosso ofício. Os anuais para crianças - edições que são publicados na época do Natal, com artigos, fotos, histórias e quadrinhos sobre programas de tevê populares na época - eram especialmente importantes para abrir espaço a desenhistas iniciantes. Essas edições tinham baixos orçamentos e pagavam mal aos colaboradores, então os editores não tinham como empregar artistas com uma carreira já estabelecida. Logan’s Run foi uma dessas edições. Eu fiz um monte de outras depois dela.

WS: Foi com a série Night Raven, publicada na Hulk Weekly, que você começou a ficar conhecido pelos leitores. Conte-nos sobre esse personagem e seu trabalho nessa série.

DL: Esta vai ser uma longa resposta. Um de meus primeiros trabalhos foi desenhar uma adaptação para os quadrinhos de um dos filmes de Quatermass [série de ficção científica da tevê Britânica] para uma revista mensal de cinema chamada House of Hammer, cujo editor era um cara chamado Dez Skinn. Mais tarde, ele conseguiu o trabalho de editor de uma revista chamada Hulk Weekly da Marvel Britânica, que foi lançada para capitalizar em cima da série de tevê do Hulk. Por mérito próprio, Dez convenceu a Marvel a produzir material original para a revista, e não apenas reimprimir material norte-americano. Dez gostava da qualidade do que eu tinha feito para ele antes e pediu que eu me juntasse à equipe de arte da Hulk e criasse o visual do principal personagem de uma das séries programadas para aparecer na revista: o Night Raven. Eu o imaginei meio como o Indiana Jones - antes de Os Caçadores da Arca Perdida ser lançado. Esta foi a caracterização que dei a ele numa posterior reformulação: Night Raven - House of Cards. De qualquer forma, eu concebi esse visual “Indiana Jones” porque fazia dele um personagem de ação. Eu estava ciente de que fazíamos o projeto para a Marvel, então eu pensei que aquela era uma abordagem mais apropriada a se seguir.
Infelizmente, esse visual foi rejeitado por Dez e Steve Parkhouse - que era o escritor - porque eles queriam um cruzamento entre o Spirit e o Sombra. Steve fez alguns esboços que colocaram um casacão no personagem. Eles até me deram fotocópias do Sombra de Mike Kaluta para me colocarem na direção correta. Eu pensava que era a direção errada, considerando que era uma revista da Marvel, mas eu não tinha poder para fazer objeções a esses requerimentos - eu estava no negócio há poucos anos e não tinha qualquer influência. E, é claro, eu era um profissional cujo trabalho era seguir uma indicação, e não questionar as decisões de meu editor. Mas eu lamento não ter sido capaz de dar ao personagem um visual original - em vez de uma mistura de dois outros conceitos. Eu tinha sim a liberdade de livrá-lo do casacão quando ele estava envolvido em mais ação, mas do contrário ele tinha que usá-lo. Foi uma pena, porque como parte do conceito inicial eu tinha dado a ele dois coldres e a habilidade de sacar as armas rápido como um raio, que agora só funcionaria efetivamente quando ele não estivesse com o casacão.
Mais tarde, Dez recebeu a visita de um dos executivos da Marvel norte-americana, que tinha vindo supervisionar o progresso da revista. Uma das coisas que ele sugeriu a Dez foi que o Night Raven tivesse mais ação ao estilo Marvel. Eu podia ter dito ao Dez: “eu te disse”, mas eu ainda era um ninguém tentando ganhar a vida, e criar agitação não iria me beneficiar. De qualquer forma, daquele ponto em diante, eu comecei a usar mais efeitos no estilo Marvel, mas foi em vão porque pouco depois Dez me tirou da série e passou-a para John Bolton. Ironicamente, o que John acabou fazendo com Night Raven mostrou-se um tratamento bem conservador, e nada marvelesco. E então a serie foi cancelada. Anos mais tarde, eu fui convidado a retornar ao personagem, mas apenas aceitei sob a condição de que eu poderia desenhá-lo da forma que havia concebido originalmente. E assim surgiu [a graphic novel] House of Cards.

WS: Filmes noir e literatura pulp são influências importantes em Night Raven. Mas quais quadrinhos influenciaram você no desenvolvimento de seu estilo único?

DL: Bem, eu era um grande fã de Steve Ditko em Amazing Adult Fantasy. Frank Bellamy - um artista inglês que desenhava uma tira chamada Garth. Ron Embleton, Tony Weare e John M. Burns. As revistas da EC Comics e da Warren de meados dos anos sessenta, como Blazing Combat e Creepy. Eu era fascinado por muitos trabalhos publicados nelas, criados por gente como Gene Colan, Angelo Torres, [Alex] Toth, etc. Eu admirava o trabalho de muitos artistas em vários quadrinhos e revistas, geralmente do tipo dramático, mas nenhum quadrinho ou tipo de quadrinho em específico - exceto pelo fato de a maioria não ser revistas de super-heróis.

WS: Falando de suas histórias complementares para a Doctor Who Weekly, eu realmente adoro “4-D War”! Pois você alcança tanto em termos de trabalho artístico, considerando que ela tem apenas 4 páginas. Que técnicas de finalização você utiliza nela?

DL: Se tenho chance, eu sempre gosto de experimentar, e a idéia de usar a aguada para representar o mundo portal [uma realidade extradimensional na HQ escrita por Alan Moore] - se é a isso que você se refere - para diferenciá-lo foi fácil de colocar em prática. Os vários desenhos foram transferidos para impressões em meio-tom, e então colados sobre a página - o impressor não teve que fazer separações. E quando os personagens estão fragmentados no espaço, bem, isso foi conseguido simplesmente recortando as impressões e colando-as no lugar certo. No que diz respeito ao número de páginas - bem, muita história pode ser contada em poucas páginas, mas hoje em dia os quadrinhos gastam seu tempo desenrolando uma historinha. É um jeito de a indústria se agarrar à sua base de leitores e manter os quadrinhos vendendo quando as vendas estão caindo.

A seguir: V de Vingança!

Various virtues: an interview with David Lloyd, part1.


One of the great artists of British and American comics, David Lloyd gently agreed to talk to me about his early works, new projects and of course V for Vendetta. So, here is part1 of our e-mail interview.

Wellington Srbek: It is a great joy to be talking to you, Mr. Lloyd! Please tell your fans when and where you were born, and how did you begin your carrier?

David Lloyd: Born in 1950, in a town called Enfield in England. I left school at 16 and got a job as a trainee commercial artist, messenger and general gofer at an advertising art studio in central London. I was there for two and a half years, learning some of my trade, then left it on the tissue-thin promise of being able to sell a strip series I'd created to a European features syndicate. Regrettably, the prospect turned out to be an illusion, but I didn't want to go back to a nine-to-five job, so I was forced to do small art jobs as a freelancer, and then, eventually, a couple of non-art-related part-time jobs for four years. I got a foothold into the comics business with a commission to do all the illustration work in a book of the TV series Logan's Run. My career snowballed from there, I'm glad to say.

WS: In late 70s and early 80s, there were in England lots of magazines related to television and movies, and also the Marvel UK publications. You, Steve Moore, Alan Moore, Alan Davis, Dave Gibbons and many others got the first regular jobs in those magazines. How important they were?

DL: Well, some of us got our first regular work on them, others not - Dave started in 2000AD. Britain has a tradition of comics inspired by radio and TV shows that stretches back to the 40s. Films inspired less of them. But of course they were important because they gave us all work and a chance to practice our craft. The children’s annuals - gift books that are published for sale at Xmas time, featuring articles, photos, stories and strips on popular TV shows of the time - were especially important in giving breaks to up-and-comers. They had low production budgets and paid contributors poorly, so the publishers couldn't employ established artists to work on them. Logan’s Run was one of those books. I did a bunch more after that.

WS: The Night Raven strip in Hulk Weekly was the work that brought you to the attention of comic book readers. Tell us about this character and your work on that strip.

DL: This'll be a long answer. One of my earliest jobs was drawing a comic strip adaptation of one of the Quatermass movies for a monthly film magazine called House of Hammer, whose editor was a guy called Dez Skinn. Later, he got the job of editing a weekly comic called Hulk Weekly for Marvel UK, which was launched in England to capitalize on the appearance here of the Hulk TV show. To his credit, Dez convinced Marvel to invest in originated product for the comic, not just reprint US material. Dez liked the quality of work I'd done for him before and asked me to join the art team on Hulk and come up with a visualization of the main character of one of the series scheduled to feature in it: Night Raven. I saw him as looking kind of like Indiana Jones - before Raiders of the Lost Ark came out. It was the outfit I gave him in a later prequel: Night Raven - House of Cards. Anyway, I conceived of this “Indiana Jones” look because it made him an action character. I was aware we were doing this for the Marvel company, so I thought that was a perfectly appropriate approach to take.
Unfortunately, this design was rejected by Dez and Steve Parkhouse - who was the writer - because they wanted a cross between The Spirit and The Shadow. Steve did some sketches which put a trenchcoat on the character. They even gave me some photocopies of Mike Kaluta's Shadow to put me on the right track. I thought it was the wrong track considering it was a Marvel book, but I had no power to object to these requirements - I'd only been in the business for a couple of years and had no influence. And, of course, I was a professional whose job was to follow a brief, not question my editor's judgment. But I regretted not being able to give the character an original look - not one blended from two other old concepts. I did have the freedom to get him out of the trenchcoat when he was involved in actionful moments, but otherwise he had to wear it. It was a shame, because as part of the early concept I'd given him the skill of a lightning quick draw from twin shoulder holsters, which now only worked as an effective fighting tool when he'd dispensed with his trenchcoat.
Later on, Dez had a visit from a US Marvel exec who'd come over to overlook progress on the comic. One of the things he suggested to Dez was that Night Raven be more actionful and Marvel-like. I could have said “I told you so” to Dez, but I was still just a nobody artist trying to earn a crust, and creating waves was not to my benefit. Anyway, from that point on I started using more Marvel-style effects, but it was pointless because shortly thereafter Dez took me off the strip and gave it to John Bolton. Ironically, what John ended up doing with Night Raven turned out to be quite conservative in treatment, and not Marvel-ish at all. And then the strip was cancelled.
I returned to the character years later by request, but did so only on the condition that I could draw the character the way I'd originally envisioned it. And that was House of Cards.

WS: Film noir and pulp literature are very important influences on Night Raven. But what comics have influenced you in the development of your unique style?

DL: Well, I was a big fan of Steve Ditko in Amazing Adult Fantasy. Frank Bellamy - an English artist who drew a newspaper strip called Garth. Ron Embleton, Tony Weare and John M. Burns. EC comics and the Warren comic magazines of the mid-sixties like Blazing Combat and Creepy. I was astounded by much of the work in those, from people like Gene Colan, Angelo Torres, [Alex] Toth, etc. I admired the work of many artists in various comics and comic books, usually of the dramatic type, but no specific comics or styles of comic - except most of them were not superhero titles.

WS: Talking about your backup stories to Doctor Who Weekly, I really love "4-D War"! I mean, you accomplish so much in terms of artwork considering it's only a 4-page story. What finishing techniques do you use there?

DL: I always love to experiment if I get the chance, and the idea of using wash to depict the portal world - if that's what you're referring to - to differentiate it was easy to put into practice. The separate drawings were screened into half-tone prints, then actually stuck on the artwork - the printer didn't have to do any separations. And when the characters are fragmented in space, well, that was achieved by just cutting the prints up and sticking them down in place.
As far as the page count is concerned - well, a lot of story can be told in a small number of pages, but these days comics take their time spinning a yarn. It's one way the industry can hold on to it's fan base and keep comics selling when sales are falling.

Next: V for Vendetta!

13/01/2008

Robôs gigantes, monstros gosmentos, Miller & Darrow.


Originalmente uma minissérie em duas partes, The Big Guy and Rusty foi lançada pelo selo Legend da Dark Horse, em 1995. O roteiro de Frank Miller e a minuciosa arte de Geof Darrow brincam com o universo dos quadrinhos e filmes japoneses de monstros e robôs. A história começa quando um grupo de cientistas japoneses (envolvidos numa experiência genética) dá vida a um maléfico monstro ancestral. Como acontece nos filmes de Godzilla, a gigantesca criatura passa então a arrasar Tóquio. Além de toda a destruição (que inclui explosões e desabamentos de prédios causados pelas chamas que o lagarto gigante lança), a “gosma” que cai da boca do monstro tem a estranha propriedade de transformar homens em répteis monstruosos. Incapaz de vencer a criatura com suas armas convencionais, o exército japonês coloca em ação um protótipo secreto: Rusty, o garoto robô.

Rusty é inegavelmente uma referência a Astro Boy, personagem criado pelo mestre dos quadrinhos japoneses, Osamu Tezuka. O Astro Boy original era um pequeno robô, com feições de criança e movido a energia nuclear, que lutava contra monstros e vilões. É exatamente isso que Rusty é (aliás, este não era o nome do menino que acompanhava o cão Rin Tin Tin em suas aventuras no Forte Apache?). Mas o pequeno Rusty (que na HQ de Miller representa o Japão) não consegue vencer o dragão gosmento. Desesperados, os líderes japoneses resolvem colocar o “orgulho nacional” de lado e pedem socorro a The Big Guy (um robô gigante que tem o design arredondado e os frisos metálicos dos carros e geladeiras dos anos 50). Como é óbvio que o “Grandalhão” representa os Estados Unidos, o final da história você pode imaginar.

Ao resgatar o universo temático das HQs e filmes dos anos 50, Miller não utilizou apenas seus personagens (robôs e monstros), como copiou o estilo dos textos. O proposital excesso de adjetivos e o uso de jargões, como “The Big Guy is on the move!” (O Grandalhão está a caminho!), reforçam a figura do herói e a dramaticidade dos ataques do monstro. E como nas antigas HQs, o herói que representa os Estados Unidos chega na última hora para salvar o mundo. Mas, deixando de lado o ufanismo de Miller, os desenhos em The Big Guy and Rusty merecem um destaque à parte. Cada um dos quadros de Darrow é uma galeria de minuciosos e às vezes quase imperceptíveis detalhes. A minúcia visual, na reconstituição de Tóquio ou no desenho de cada personagem em cena, sugere um domínio da técnica pouco comum nos quadrinhos em geral, além de uma paciência quase oriental. Em uma das cenas, o monstro estraçalha um vagão do metrô, lançando ao ar estilhaços de metal; o que não se nota a princípio é que, em meio aos estilhaços, Darrow desenhou dezenas de pessoas voando pelos ares (mórbido, mas tecnicamente impressionante).

Após o sucesso da minissérie original, que ganhou prêmios pela arte de Darrow, foram lançadas uma reedição reunindo as 65 páginas da HQ, além de uma nova edição, The art of The Big Guy and Rusty, sem texto e em preto e branco. No fim dos anos 90, os personagens criados por Miller e Darrow ganharam uma série de desenhos animados para a tevê.

12/01/2008

A invasão dos mangás e animes.


Em todo o mundo, o desenvolvimento dos quadrinhos esteve ligado ao estabelecimento de uma sociedade industrializada. No final do século 19, após a Revolução Meiji, o Japão começou a se industrializar, seguindo a estratégia do "copiá-los para superá-los". A política nipônica era introduzir os avanços tecnológicos e o sistema de produção europeu e norte-americano adaptando-os à realidade local, para em seguida competir no mercado internacional. Com isso, em poucos anos “o país do sol nascente” tornou-se um dos mais industrializados do mundo. Contudo, ainda na primeira metade do século 20, o estado japonês assumiu uma postura expansionista, que levaria ao desastre da Segunda Guerra Mundial.

Após décadas de reconstrução econômica e investimentos na Educação, um novo Japão pacifista e voltado para si mesmo tornou-se, de fato, um dos países mais desenvolvidos do mundo. Nesse contexto, surgiu a maior indústria de quadrinhos do planeta, que logo assumiu os contornos de uma importante instituição cultural, com publicações específicas para ambos os sexos e todas as faixas etárias. Estabeleceu-se então que os volumosos mangás, publicados semanalmente, trariam uma grande variedade de temas, desde aventuras épicas ou futuristas, passando por histórias eróticas ou românticas, até HQs humorísticas ou esportivas. E a receita para mover uma indústria de proporções gigantescas e tiragens astronômicas foi estabelecer uma produção em massa, na qual predominam os padrões mais aceitos pelos leitores.

Mas, embora tenha originado obras-primas, como a série Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima, grande parte da produção japonesa deixa a muito a desejar, não passando de subprodutos do trabalho de artistas fundadores, como Osamu Tezuka. O fato, porém, é que a base do sucesso dos mangás está numa produção realizada por autores nacionais, voltada ao público nacional. Uma postura, aliás, que deveria servir de exemplo para editores em todo o mundo, e especialmente no Brasil. Com o grande sucesso editorial, muitos mangás acabaram originando filmes e séries de animação, a começar pelo anime em preto e branco Tetsuwan Atomu, lançado por Osamu Tezuka em 1963. Os desenhos animados japoneses ficaram marcados por seus roteiros cheios de ação e suas histórias envolventes, consagrando também as expressões exageradas, bocas escancaradas, caretas e olhos arregalados do estilo nipônico.

Muitas vezes financeiramente mais bem-sucedidos que seus originais impressos, os animes tornaram-se uma indústria milionária, muito ligada aos brinquedos e video games. Voltadas ao público jovem, as produções nipônicas mais comerciais, com suas sequências dinâmicas e estética inovadora, acabaram conquistando boa parte do mercado mundial. Por outro lado, o sucesso mercadológico possibilitou também que produções de alta qualidade chegassem ao público. Este é o caso, por exemplo, dos filmes de animação produzidos pelo veterano do desenho Hayao Miyazaki. Com técnica impecável e boas histórias, longas-metragens como Meu Amigo Totoro, A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado elevaram as animações dos grandes estúdios a um novo patamar artístico.

A partir dos anos 90, com o sucesso de Akira de Katsuhiro Otomo, os mangás e animes chegaram de vez ao Ocidente. Porém, enquanto nos Estados Unidos esse processo foi limitado por um mercado excludente e por editoras e produtoras fortemente firmadas, na Europa a entrada das HQs e desenhos japoneses teve um impacto muito negativo sobre a produção local. Já no Brasil, onde a produção nacional de quadrinhos e animações jamais se desenvolveu industrialmente, os mangás e animes foram um fenômeno mercadológico nos últimos dez anos. Infelizmente, em muitos casos, as produções japonesas só vêm somar baixa qualidade a um mercado já saturado por padrões estrangeiros. Entretanto, gostemos deles ou não, os robôs, monstros e naves espaciais japoneses chegaram com força total, promovendo uma verdadeira invasão pacífica do Ocidente.

10/01/2008

Mangás, os quadrinhos japoneses.


No Japão, as histórias em quadrinhos são consideradas uma forma de arte tão importante quanto qualquer outra, fazendo parte do cotidiano de pessoas de todas as idades. Naquele país, as HQs são utilizadas inclusive como instrumentos para facilitar a alfabetização das crianças, uma vez que o sistema de escrita japonês é extremamente complexo. As publicações mais populares, com histórias para o público jovem de ambos os sexos, chegam a vender centenas de milhares de exemplares por semana.

As revistas em quadrinhos japonesas são chamadas "mangás", têm em média 400 páginas e são impressas em papel de cores diferentes, embora as HQs em si não sejam coloridas, excetuando eventuais páginas introdutórias. Com uma produção gráfica barata, os mangás em geral são objetos descartáveis, deixados de lado logo após serem lidos. Cada edição traz várias histórias em capítulos, sendo que as séries de maior sucesso são reeditadas em coletâneas especiais, com papel e impressão de qualidade superior. Nascidas de uma indústria voltada para o público e os autores nacionais, algumas séries são publicadas durante anos, formando coleções com milhares de páginas.

Além de designar a linguagem artística e as revistas em quadrinhos em si, a palavra “mangá” acabou por representar também o estilo mais característico das HQs japonesas. E o principal responsável pelo estilo japonês de fazer quadrinhos foi Osamu Tezuka, um médico que dedicou sua vida às HQs e animações, sendo considerado o "pai" dos mangás modernos. Inspirado pelos primeiros desenhos animados de Walt Disney e por figuras do teatro japonês, Tezuka criou os olhos gigantescos que são o elemento característico dos quadrinhos japoneses, desenvolvendo um estilo cartunístico que conjuga um traço conciso a uma narrativa bastante dinâmica.

O personagem mais famoso criado pelo quadrinista foi Tetsuwan Atomu (Astro Boy), um menino-robô movido a energia atômica, que luta pela paz mundial. O sucesso das HQs de Tezuka possibilitou que seus personagens fossem parar em desenhos animados, tornando-o também um pioneiro dos animes. Osamu Tezuka faleceu aos 60 anos, em 1989, deixando mais de 100 mil páginas de quadrinhos e centenas de horas de animação. Um dos mais importantes quadrinistas de todos os tempos, sua influência na história dos quadrinhos japoneses é tanta que ele é venerado por fãs como "o deus dos mangás".

A cultura japonesa privilegia os aspectos visuais, o que influencia diretamente os mangás. Em algumas HQs, várias páginas se passam sem que uma palavra seja dita, havendo no máximo a presença de onomatopéias. Mas a velocidade das sequências de ação contrasta com as cenas contemplativas em que a paisagem domina ou os momentos de introspecção dos heróis nipônicos. Os quadrinistas japoneses também aprimoraram o uso das “linhas de movimento”, traços retos ou curvos que auxiliam na ilusão de movimento espacial, dando mais "velocidade" e impacto às cenas. O fato é que, nos melhores mangás, a ênfase nas imagens não prejudica o elemento fundamental dos quadrinhos, que é a narrativa. Com isso, os quadrinhos japoneses acabaram trazendo importantes inovações que possibilitaram uma renovação na linguagem das HQs ocidentais.

Mas a sociedade japonesa é também marcada pelo contraste entre a modernidade e a tradição, o que se reflete nos quadrinhos produzidos naquele país, povoados por samurais e seres míticos, robôs e monstros alienígenas. A verdadeira explosão mercadológica e cultural dos quadrinhos japoneses aconteceu após a Segunda Guerra Mundial. Num país arrasado e humilhado, os mangás tornaram-se um meio de fuga da tensão cotidiana, bem como uma forma de reafirmação da identidade nacional, frente à dominação e influência estrangeira.

Com isso, os autores japoneses buscaram na história de seu país os samurais, representantes da honra e dos costumes, símbolos de um passado em que os guerreiros seriam invencíveis. Surgiram também os robôs e os seres mitológicos, heróis fantásticos encarregados de representar a "superioridade japonesa". Na verdade, violência e guerra são temas constantes nos mangás, pois não é raro encontrarmos nessas publicações lutas entre robôs e monstros, simbolizando a resistência japonesa a uma invasão real. Afinal, as bombas atômicas que explodiram em Hiroshima e Nagasaki deixaram marcas permanentes no Japão, e os quadrinhos acabam tendo uma função de alertar e educar as novas gerações para que tragédias como essa não aconteçam novamente.

07/01/2008

Eternos de… Neil Gaiman e John Romita Jr.?


A editora Panini está concluindo o lançamento no Brasil de Eternos, minissérie escrita por Neil Gaiman e desenhada por John Romita Jr., a partir dos personagens criados pelo mestre Jack Kirby. Lançada nos Estudos Unidos em sete edições reunidas posteriormente num caprichado volume de capa dura, Eternals pode até ter agradado a alguns, mas deixa muito a desejar quando consideramos os autores envolvidos.

Uma raça de seres imortais e superpoderosos, os Eternos foram criados por Jack Kirby em 1976. Tendo acabado de retornar à Marvel após um período na concorrente DC Comics, Kirby buscava um novo projeto no qual trabalhar. Após produzir uma adaptação do filme 2001: Uma odisséia no espaço de Stanley Kubrick e sob a influência do livro Eram os deuses astronautas? de Erich Von Däniken, o co-criador do “Universo Marvel” mergulhou no conceito da evolução humana influenciada por alienígenas. Assim surgiram os Celestiais (alienígenas gigantescos e quase onipotentes), responsáveis pela criação dos Eternos (uma casta de humanos geneticamente alterados) e o Povo Mutável (um grupo menos geneticamente agraciado). Apesar de ser outra criação inspirada de Jack Kirby, as especulações filosóficas de The Eternals não fizeram muito sucesso com o público da época, o que levou a interferências editorais e o cancelamento da série em 1978.

A nova versão dos personagens lançada em 2006 surgiu numa visita de Neil Gaiman aos escritórios da Marvel. Após a minissérie 1602, o roteirista inglês vinha pensando num novo projeto para a editora norte-americana, quando o editor-chefe Joe Quesada sugeriu que ele recriasse os demiurgos cósmicos de Jack Kirby. O desenhista escolhido para o projeto acabaria sendo John Romita Jr., que já havia trabalhado com vários outros personagens criados pelo mestre dos quadrinhos de super-heróis. Com um roteirista inovador e um talentoso desenhista, a proposta da nova série (intitulada simplesmente Eternals) seria definir um lugar para aqueles deuses e semideuses na continuidade dos demais personagens da Marvel. No primeiro capítulo, a série vai muito bem, com o “mito” de criação proposto por Kirby sendo recontado e as peças da trama principal sendo posicionadas. Os desenhos também são muito bons, alternando do minimalista ao monolítico, quando necessário. Todavia, não demora muito para as coisas desandarem.

A partir do capítulo dois, a trama principal começa a se perder em meio subtramas envolvendo conspirações políticas e reality shows com aspirantes a super-heróis. Há ainda os romances e draminhas cotidianos envolvendo os Eternos em suas “identidades civis” (que parecem um pastiche dos Perpétuos). Ao longo da série, a qualidade do desenho também não se mantém, variando entre algumas boas páginas e outras nada excepcionais. Há quadros, inclusive, nos quais a colorização por computador mais atrapalha que ajuda, enquanto em outros os desenhos parecem ter sido feitos meio às pressas. Do ponto de vista da criação visual, Romita Jr. soube aproveitar a fonte de inspiração, embora um ou dois personagens sejam melhores no original. Mas falando em “original”, o que não é nada original são algumas soluções do roteiro de Gaiman, como a idéia do herói superpoderoso com amnésia e a forma como o problema principal é solucionado no último capítulo, copiadas da série Miracleman de Alan Moore (embora a última página guarde uma surpresa para os leitores de São Paulo).

Eternos não é uma história em quadrinhos ruim (principalmente se levarmos em consideração a baixa qualidade média das revistas da Marvel). Mas ela também não é nenhuma obra-prima, deixando ao fim a sensação de que faltou algo. De certa forma, talvez o maior problema da HQ esteja nos nomes envolvidos. Afinal, um leitor tem direito de esperar trabalhos muito acima da média, quando os nomes envolvidos são Neil Gaiman (The Sandman, Os livros da magia) e John Romita Jr. (X-Men, Daredevil).

04/01/2008

A revolução de Fradim.



Hoje completam vinte anos da morte de Henrique de Souza Filho, o Henfil. Dono de um traço originalíssimo, esse mineiro nascido em Ribeirão das Neves foi um dos mais importantes cartunistas brasileiros de todos os tempos. Humorista genial, Henfil criou personagens marcantes (como os Fradins e a Grauna), além de escrever livros e textos para jornais e revistas (como a série Cartas da Mãe) e produzir crônicas e quadros para tevê (como o TV Homem). Entre suas criações mais importantes está a revista Fradim, lançada entre 1973 e 1980 pela Codecri (editora ligada ao jornal alternativo Pasquim). Lançada em plena Ditadura Militar, a revista revolucionou os quadrinhos brasileiros, com a coragem e a expressão inegável de um riso que liberta (tema de minha tese de doutorado e título de um dos livros que lancei pela Marca de Fantasia).

Surgidos em julho de 1964 na revista mineira Alterosa, os Fradinhos Baixinho e Cumprido eram, a princípio, uma dupla de silenciosos desordeiros, desenhados num traço ainda amador. Com o cancelamento da revista, Henfil transferiu-se para jornais de Belo Horizonte, nos quais aprimorou seu desenho e aprofundou seu senso crítico, além de produzir charges sobre os times de futebol da capital mineira. E foram as charges futebolísticas que garantiram ao jovem cartunista um convite para se transferir para a matriz do Jornal dos Sports, no Rio de Janeiro. No novo emprego, Henfil alcançou projeção nacional ao criar novas mascotes para os times de futebol cariocas (como o popularíssimo Urubu do Flamengo). Conseguindo uma incrível identificação com o público, o desenhista foi convidado a fazer charges futebolísticas para o Pasquim, que reuniria nomes como Ziraldo, Jaguar e Millôr. Contudo, Henfil tinha outros planos para o jornal; planos chamados “Fradinhos”.

Sob o clima asfixiante do recém-decretado AI-5 (que limitou as liberdades civis e ampliou os poderes da Ditadura), o contestador Pasquim chegou como uma válvula de escape e uma resposta da criatividade frente à opressão. Nesse processo, o papel de Baixinho e Cumprido seria fundamental: começando num tímido quarto de página, em quatro meses eles já tinham conquistado a contracapa do jornal, de onde avançaram para as páginas centrais (evidenciando a enorme repercussão junto aos leitores). Quando perguntado sobre o efeito causado por seus personagens, Henfil refletiu: “Olha, o Fradinho foi catártico! As pessoas estavam arrasadas com a Ditadura, né? Porque ela começou muito branda em 64, 65, quer dizer, em 68 é que a Ditadura se instalou no Brasil para valer. E as pessoas estavam arrasadas. Então vinha um personagem que vinha voando a dez mil enquanto a realidade estava voando a cem metros e derrubando latas de lixo” (Como se faz humor político, p.36).

O que Henfil chamou de “catártico” corresponde à identificação dos leitores com o sádico Baixinho. Numa época de cala-bocas e policiamentos, o incontrolável Fradinho chegava contestando a “moral e os bons costumes”, rebaixando tudo a um nível visceralmente humano (pois não era nada comum ver um personagem de quadrinhos arrotando, fazendo xixi ou apontando o dedo para as injustiças sociais). E tudo feito num estilo incrivelmente original, um desenho vivo chamado por Henfil de “traço caligráfico”. Consolidando-se na preferência dos leitores do Pasquim e no imaginário social da época (“TOP! TOP!”), Baixinho e Cumprido ganharam, em abril de 1971, o Almanaque Fradinhos 1. Totalizando 68 páginas em formato tablóide gigante, a publicação reproduzia a origem na Alterosa e alguns lances dos primeiros anos de Baixinho e Cumprido, culminando nos eventos de sua morte e ressurreição (pois em dado momento Henfil se assustou com a identificação dos leitores com o sadismo do Baixinho e decidiu “matar” os personagens, para poder retomar o controle sobre eles).

O sucesso do Almanaque motivou Henfil a investir numa publicação seriada, lançando em setembro de 1973 a Fradim n°2 (70 mil exemplares e tamanho 27cm x 18cm). Com 32 páginas em papel-jornal e formato vertical, a edição trazia histórias inéditas do Baixim e Cumprido, além de reedições das HQs da Turma da Caatinga, com Grauna, Zeferino e Bode Orelana (publicadas no Jornal do Brasil). Após as cinco primeiras edições, a revista foi temporariamente suspensa, voltando a ser publicada em março de 1976, dessa vez num formato horizontal. Com 48 páginas em papel de melhor qualidade, a nova Fradim trazia as HQs do Baixim e da Grauna, sendo completada em edições seguintes por charges (em que Henfil abordava os problemas do Brasil da época), as seções “Cartas de um Subdesenvolvido” (com sua correspondência nos anos em que viveu nos Estados Unidos) e “Fala Leitor!” (com os comentários e opiniões do público), além de anúncios dos jornais em que o cartunista colaborava (desenhados por ele ou comentados por seus personagens). Produzida numa época de contestação política e cultural, a revista Fradim era o produto quase artesanal de uma personalidade incrivelmente criativa.

No fim dos anos 70, a Fradim foi publicada sem periodicidade definida (às vezes com mais de um ano separando uma edição, da seguinte), chegando ao fim no número 31, em dezembro de 1980. Tendo influenciado e inspirado várias outras publicações alternativas, a Fradim era uma revista singular: produto da indústria cultural e obra quase artesanal; série em quadrinhos com ótima vendagem e publicação que fugia aos padrões mercadológicos; desenho que apelava à emoção e instrumento de um projeto de conscientização; uma obra-prima dos quadrinhos produzida por um autor que aspirava ser “a mão do povo que desenha” (como revelou à Versus Edição Especial Quadrinhos no auge de sua popularidade, em 1976). De fato, Henfil foi o cartunista brasileiro mais influente dos anos 70, enquanto sua obra transcendia as páginas das publicações e os limites tradicionais do humorismo (tendo importante papel nas campanhas pela Anistia e pelas Diretas Já). Assim como seus irmãos Betinho e Chico Mário, Henfil era hemofílico e contraiu o vírus da AIDS numa transfusão de sangue nos anos 80. Vindo a falecer em 4 de janeiro de 1988, antes de completar 44 anos, “o filho da Dona Maria” deixou uma obra genial e intensamente humana. O testemunho de uma vida e de uma época; a expressão viva de um riso que liberta.

Texto baseado em meu livro inédito A revolução de Fradim.